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Ruy Belo 

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


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Ruy Belo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, Madona Litta_detalhe.jpg

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Ruy Belo


 

Mas que sei eu


Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?


Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono


Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha


qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Picador

 

 

 

Ruy Belo


 

Breve sonata em sol [UM] (Menor, claro)


A solidão da árvore sozinha
no campo do verão alentejano
é só mais solitária do que a minha
e teima ali na terra todo o ano
quando nem chuva ou vento já lhe fazem companhia
e o calor é tão triste como o é somente a alegria
Eu passo e passo muito mais que o próprio dia
 

 

 

Octavio Paz, Nobel

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Miguel Carneiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

Ruy Belo


 

Comovida homenagem a Jerónimo Baía


À míngua de água numa língua de mágoa
a dívidas a dúvidas devidas
nos levam secreções secretas e sacrílegas
de dádivas de vidas divididas


Em vão devasso os meus devassos dentes
remisso os arremesso a um insosso almoço
num círculo de ouvintes dos de antes distantes
que abraço no abraço que hoje posso


Embora aos centos sejam os assuntos
indiferentes passam transeuntes
e saem sons distintos dos extintos cantos
desses antigos entes designados mastodontes


Língua de areia onde mingua a mágoa
e se divide a dúvida somente ouvida
olhar onde se agua a própria água
quem te saúda encontra enfim saída
 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona

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Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

Ruy Belo


 

Vestigia dei


És tu quem perseguimos pelos lábios
e tens em equilíbrio os seres e o tempo
És tu quem está nos começos do mar
e as nossas palavras vão molhar-te os pés
Tu tens na tua mão as rédeas dos caminhos
descem do teu olhar as mais nobres cidades
onde nasceram os primeiros homens
e onde os últimos desejarão talvez morrer


Tu és maior que esta alegria de haver rios
e árvores ou ruas donde serem vistos
Por ti é que aceitamos a manhã
sacrificada aos vidros das janelas
aceitamos por ti o sol ou a neblina
que faz dos candeeiros sentinelas
É para ti que os pensamentos se orientam
e se dirigem os passos transviados
e o vento que nos veste nas esquinas


És sempre como aquele que encontramos
diariamente pela rua fora
e a pouco e pouco vemos onde mora
Só tu é que nos faltas quando reparamos
que os papéis nos vão envelhecendo
e os dias um por um morrendo em nossas mãos
És tu que vens com todos os versos
És tu quem pressentimos na chuva adivinhada
quando os olhos ainda se nos fecham
embora o sono nunca mais seja possível
É tua a face oposta a todas as manhãs
onde o tempo levanta ombros de espuma
que deixam fundas rugas pelas faces


Os céus contam contigo é para teu repouso
a terra combalida e sem caminhos
Ser indecomponível teu corpo foi maior
que vítimas e oblações. Quando tu vens
a solidão cai leve como a flor do lírio
e as aves nos pauis levantam voo
e há orvalho em teus primeiros pés


Não assistisses tu a esta nossa vida
caíssem-nos os gestos ou quebrados ou dispersos
e nenhum rosto decisivo um dia fecharia
todas as palavras com que dissemos os versos
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Roberto Pompeu de Toledo

 

 

11/03/2005