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Antonio Carlos Osorio


 

O sítio


O mundo sitiou o sonho, e o tem preso
em débeis cidadelas
— suas últimas guaridas.


Os soldados oníricos têm medo
sem armas
e suas caravelas
não têm velas.


Inúteis seus desvelos desarmados
até os sentinelas
fatigados
já estão cedendo ao peso das vigílias.


Vai longo o sítio, e já vão se esgotando
as frágeis provisões
dos sitiados.


O mundo tem seus ásperos soldados
nos dias
pontuais
que na luta não cedem nem recuam.
E nunca erram as duras cimitarras
os seus golpes
diretos e fatais.


O assédio continua, já inúteis os galopes
dos bravos cavaleiros sitiados.


Têm cavalos de mar
e o sítio é em terra.
Têm cavalos de paz
e sítio é guerra.



Fácil de prever o resultado
       dos combates travados
       desiguais.
Já se aprestam os dias, bons guerreiros
aos ataques certeiros
e finais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

 

 

 

 

Antonio Carlos Osorio


 

Perguntas a várias mãos


Há tanto tempo em busca daquela alegria para sempre
Há de se manter a fé de achar ainda a thing of beauty
Ou de construí-la.


Más hélas! parece há muito que la chair est triste et j'ai lu        [tous les livres


Por onde afinal poderemos começar a façonar o mundo?


Recusamo-nos obstinadamente a crer, apesar de tantas evidências
que a vida é um passo na alfombra de um quarto
que jaz vazio
        que a vida é um gesto inútil, como disse o amigo
na hora turva de dia já antigo
será uma seta solta no espaço?
entre duas trevas breve clarão?


Le vent se lève. Il faut tenter de vivre!


Há que resistir
Há que resistir ao tempo
Há que resistir ao nada em galope lancinante
neste tropel bravio de angústias e esquivanças.


Quando virás, demiurgo, promover a libertação?
Onde estás Deus, que te escondes?
Quando chegará o ponto ômega, o momento crístico, a parusia?
Quando a cidade do povo, a nova humanidade?


O grito selvagem do sol faz ainda a cada manhã estremecer a terra
E as línguas largas das águas continuam amorosas a relambê-la
não sabemos ainda, soturnos habitantes às vezes afoitos
Quando virá o libertador
Nem o seu nome.


Será que um dia, e quando, os cânticos jubilares do homem
acordarão as potências telárgicas?
Quando afinal o estronho de tantos prantos e blasfêmias
                          trará Deus de volta a tem?
Ou aqui O criará à imagem de seu barro?


Será que um dia a semente apodrecida de tantas esperanças
fecundará o velho ventre de Demeter?


Não se sabem respostas
Nem as queremos talvez.
Ser homem é perguntar quem sabe
neste solilóquio máquina de tempo
de caixas de músicas esquecidas de suas melodias
manobradas marionetes por um saltimbanco maneta.

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), girl

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Cyro de Mattos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rebecca at the Well

 

 

 

 

 

Antonio Carlos Osorio


 

Cântico do filho maior

                                                                    Ao Antônio Cândido


Cresce, filho!


        Entre as duras colunas da morte
e não temas a sua altivez
Cresce, filho!


                e deixa ferver o teu sangue difícil
                na retorta de todos os amores


Cresce, filho!


                e canta em dó maior os teus cânticos
                sem temor às dissonâncias


Cresce, filho!


                 e planta se preciso tua semente no granito
                 porque se a irrigares de vigílias e suores
                 ela se fará em larga palma
                 que será baliza para os pássaros
                 receberá a visita das abelhas
                 e ajudará o vento a reger as suas orquestras.


Cresce, filho!


                 e faz de tua face uma lança
                 de tuas mãos um arado
                 de teus olhos uma chama


para construir da terra berço e templo
aos homens que estão em ti guardados.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

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José Santiago Naud

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

Antonio Carlos Osorio


 

Sonetos da ausência III


O que a memória havia sepultado
em sábia rejeição, nos seus arcanos
a ausência faz voltar, ressuscitados
a morta dor, o morto amor, os mortos anos.


As já esquecidas mágoas emergem
deste oceano de lágrimas revoltas
a sargaços se agarram, quase soltas
ao sal amargo dos infrenes ventos.


Em luta uns com os outros os sentidos
Sangue e mem6ria em guerra com o silêncio.


E surge a tentação nesta golfada
de pranto que sufoca as coronárias:
: melhor quem sabe o sofrimento antigo
do que este negror de tua ausência.

 

 

 

Titian, Noli me tangere

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Carlos Augusto Viana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

Antonio Carlos Osorio


 

Haicai


Corte


Crepitou o fogo
E rubro cortou o vôo
da Fidalga palmeira.


                          Viagem


                          Pássaro a voar
                          Na manhã recém-nascida
                          Rumo à canção.

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Rodrigo Gurgel

 

 

 

13.07.2005