Adriano Eysen
entrevistado
por
Cleberton Santos
Cleberton Santos:
Qual a importância do Prêmio de Arte e Cultura Banco
Capital nesse momento da sua vida literária?
Adriano
Eysen:
Há sempre riscos em se receber um prêmio. É preciso
pensar em dois aspectos essenciais: o momento da sua
vida literária em que se consolida uma premiação e a
forma como esse fato irá repercutir em si mesmo. Em
relação ao primeiro item mencionado, penso que o
prêmio se consolida em uma fase primordial para o
poeta e o homem. Ambos mais maduros. Para o
escritor, uma transubstanciação relevante no aspecto
estético em que implica o árduo empenho da
elaboração poética onde junge o labor artesanal e a
força lírica que às vezes nos tenta dominar com seus
sentimentos e imagens perigosos. É preciso saber
lidar e tomar
consciência dessa correlação de forças que fazem
parte da produção poética. A poesia é sempre um
tenso diálogo entre o logos e o pathos.
É nesse perigoso território, fecundo de sentimentos
e idéias, que atua o poeta. Para o homem, de maneira
breve, diria que ter o seu primeiro livro publicado,
a partir de um prêmio já consolidado no estado da
Bahia e pelo qual passaram relevantes nomes do atual
cenário da literatura brasileira, é se convencer de
que os seus trinta anos, alguns dedicados à pesquisa
e à criação, estão sendo de profundo proveito. No
que diz respeito ao segundo aspecto, percebo que o
Prêmio de Arte e Cultura Banco Capital é um passo
inicial para uma longa trajetória, assim acredito
intimamente, de relações sinuosas no complexo
universo do meio literário. Uma obra tende a se
firmar a partir de uma junção de qualidade e
inter-relações que exigem do autor diplomacia e
inteligência para se esquivar dos estilhaços que
inevitavelmente serão oriundos da quase sempre
tragicômica relação humana. Mas o que se torna
substancial é a autocrítica das nossas atitudes
enquanto ser no mundo dotado de sensibilidade e
experiências, bem como o exercício ininterrupto da
(re)leitura do que você produz - momento onde a
estética da sinceridade deve ser, a princípio,
aplicada a si mesmo.
CS: Como aconteceu o processo de criação e
organização do livro Cicatriz do Silêncio?
AE: A criação vem envolvida por questões às
vezes inenarráveis, de forma que transcende a uma
ordem lógica. O que acaba predominando é a
consubstanciação da poiesis que exige do
escritor contínuo trabalho e estudo. Dessa maneira,
o livro Cicatriz do silêncio vai se formando
ao longo de 2006 e 2007. São poemas elaborados e
revisitados nesse período. Um momento impar no qual
leitor e criador tecem diálogos e trocam vivências
fundamentais para a permanente ampliação do saber e
da percepção das coisas. Na verdade, o livro vai
passando por uma fase de (re)construção em que pude
questionar, em alguns momentos, a qualidade dos
poemas que ali se encontravam, levando-me a um novo
processo de carpintaria, modificando algumas coisas,
adicionando ou subtraindo outras, enfim, uma
alquimia delicada, todavia necessária para alcançar
a qualidade estética e editorial que se espera de
uma obra. Em meio a esse trabalho às vezes doloroso,
que exige empenho por parte do escritor, é
necessário ter o cuidado em relação à feitura do
livro, pois uma auto-cobrança muito grande pode dar
margem a uma obra interminável. Temos que perceber o
momento de findar uma etapa, tendo em vista que a
partir daquele término uma nova obra tende a
nascer.
CS: Qual a sua relação com a nova poesia
brasileira?
AE: Irei responder esta questão em três
momentos que se entrelaçam. Devemos pensar no tripé
escritor-leitor-pesquisador,como, outrossim, no
autor-leitor para chegar, de fato, a uma reflexão
sobre a nova geração da poesia brasileira.
Seguindo a ordem estabelecida acima, refiro-me à
tríade como fundamental para qualquer época. Os
diálogos devem ser contínuos, seja com o passado ou
o presente, o que nos coloca permanentemente atentos
aos velhos e novos acontecimentos literários. Há uma
relevância em se manter uma dialética com a tradição
não só da poesia brasileira, mas universal. O
autor-leitor, por não trazer o espírito da
investigação teórica, o que implica na minuciosidade
das informações que lhe impulsionam a outros novos
estudos, sofre, creio eu, um retardamento na sua
maturação enquanto escritor. Ficarão sempre
profundas lacunas que deverão ser preenchidas no
futuro. O autor-leitor, como lhe é peculiar, abre
mão de uma busca investigativa ao se proporcionar
quase sempre a leitura que está voltada ao
regozijo. Esses registros anteriores servem para
ponderarmos a respeito da nova geração, uma vez que
criar exige-nos empenho não só no fazer artesanal,
como também contínua busca do saber, o que implica
em permanentes diálogos com o pretérito e o agora.
Como ledor atento, observo a seriedade de alguns e
os grandes espetáculos tragicômicos de outros dos
quais se sobressaem as esdrúxulas vaidades. Como
acredito fazer parte do tripé
escritor-leitor-pesquisador, entendo ser esse
período crucial no que se refere à poesia
brasileira. Há muitos livros sendo editados, ora
custeados pelo próprio autor, ora por meio de
concursos literários ou por editoras de médio e
grande portes. Acontecimentos que ratificam a
existência de poetas por toda parte do Brasil. E
como é natural, temos bons e maus escritores, sobre
os quais se faz necessário uma leitura cuidadosa e
uma análise livre dos pré-conceitos e das
pretensiosas escolas ou grupos. Há uma satisfação
pessoal em tecer relações e compartilhar conquistas
com uma geração que vai alicerçando seu espaço.
Assim, caleidoscopicamente, acompanho a trajetória
de escritores como Cleberton Santos, João de Moraes
Filho, Vanessa Buffone, Rita Santana, José Inácio
Vieira de Mello, Elizeu Moreira Paranaguá, Fabrício
Carpinejar, Edson Cruz, Cristina Leilane, nomes que
compõem uma vasta lista onde constam outros tantos
que vêm consolidando a nova poesia nacional. É
sempre plausível ver uma nova geração sendo estudada
fora e dentro das universidades, algumas já com
obras estudadas em trabalhos de iniciação
científica, bem como em grupos de pesquisa
existentes na UNEB, na UEFS e na UFBA. Isso é fruto
de novos tempos que requerem cautela e dedicação
tanto do escritor quanto do pesquisador que se
empenha a estudá-lo. A consolidação transcende os
torvelinhos literários, pois no final, entre um
nevoeiro de cinzas, só ficarão as boas obras; os
poemas que ainda tinham algo de estranho a nos
dizer.
CS: Quais são as vozes que ecoam na sua
cabeça?
AE: Há uma polifonia de vozes que reverberam
em mim. Desde os antigos poetas gregos como Homero,
Safo, Calímacos, Alceu, passando pelos romanos:
Lívio Andrônico, Plauto, Tibulo, Propércio, Ovídio,
Horácio, Virgílio. Cito esses autores não com
pedantismo, mas simplesmente para frisar que, como
leitor, sou levado, ao ler Petrarca, Luís Vaz de
Camões, Bocage, Cesário Verde, Fernando Pessoa,
Baudelaire, Carlos Drummond de Andrade, Manuel
Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Cecília
Meireles, Jorge de Lima, Vinicius de Moraes, dentre
tantos outros, a visitá-los como uma forma de
conhecer como se deu a transformação da poesia em
diversas parte do mundo e o quanto esses poetas da
antiguidade, assim como os trovadores medievais, nos
legaram temas que foram e continuam a ser
desenvolvidos com maestria e encantamento por
diversos escritores. Para não ser enfadonho ao
elencar mais uma sucessão de nomes relevantes,
apenas sugiro a leitura de poetas, como a maioria,
ainda pouco conhecidos do grande público, a exemplo
de Sosígenes Costa, Francisco Carvalho, Gerardo
Mello Mourão, Ascenso Ferreira, Casimiro de Brito,
Manuel Alegre, Reynaldo Valinho Alvarez, Ildásio
Tavares, Adelmo Oliveira, Antônio Brasileiro e Ruy
Espinheira Filho.
CS: Poesia é um parto dos deuses ou um labor
artístico dos homens?
AE: Lembro-me neste momento um verso citado
por Dante na “Divina Comédia”: “chove dentro da alta
fantasia” e há um outro trecho que ele diz: “Ó
imaginativa que por vezes / tão longe nos arrasta, e
nem ouvimos / as mil trombetas que ao redor ressoam;
/ que te move, se o senso não te excita?”. Bom,
trago estas imagem do autor italiano como uma
maneira de registrar que o universo criador de cada
poeta funciona em graus e níveis diferentes, mas há
duas coisas que se amalgamam para a consolidação da
obra de arte: a inspiração, ou o que poderíamos
chamar de um fluxo de idéias, o que a princípio
seria algo que habita o campo do indizível, esse
chover dentro da alta fantasia, essas mil trombetas
que ressoam, e a techné, o trabalho, enfim o
labor artístico alicerçado na razão com todo um
nível de conhecimento e experiências operadas pelo
autor durante o processo criador.
A
dinâmica da criação, onde se entrelaçam imaginação,
paciência e trabalho artesanal, não é nenhuma
novidade, isso já se encontra lá em Edgar Allan Poe,
“Filosofia da Composição” e em Paul Valéry,
“Memórias de um poema”. Porém, é válido ressaltar
que são vivências pessoais, inerentes a cada um, mas
que, a meu ver, nenhuma obra de arte é realizada
somente no campo da técnica ou apenas de um fluxo de
luzes divinas oriundas das abóbadas
celestiais.
CS: Como você analisa a situação da poesia no
contexto da atual vida cultural baiana?
AE: É importante pensarmos em dois aspectos:
um pequeno grupo de leitores e estudiosos da poesia
baiana, o que certamente podemos chamar de
brasileira, por motivos óbvios, e uma grande
multidão de baianos que desconhecem a produção
literária no nosso estado. A partir desses dois
pontos podemos refletir sobre como se encontra a
poesia na vida cultural na Bahia. Na verdade, são
dois aspectos que não trazem nada de novo. Em
relação aos ledores e pesquisadores da obra poética
baiana, na sua maioria, escritores e outros tantos
intelectuais que estão envolvidos diretamente com
trabalhos acadêmicos e alguns poucos admiradores da
poesia que se regozijam com esta arte aparentemente
inútil. Somado todos, teremos uma minoria de
ativistas da cultura no que se refere a este gênero.
Em relação à outra parte, onde encontraremos um
grande exército de indivíduos, notamos um profundo
desinteresse não só pela poesia, mas pela boa arte
de uma forma geral. Isso pode ser presenciado nos
núcleos familiares e dentro das escolas públicas e
particulares dessa, como assinalou, Gregório de
Matos, “nefanda Bahia”. Educação e cultura estão
intrinsecamente entrelaçadas, quando ambas não são
levadas a sério, não pode existir transformação de
mentalidades em prol de uma vida menos brutal. Quero
dizer com tudo isso que a poesia baiana está no
centro e à margem do atual contexto cultural que se
propaga no estado. Ela transita em meio a essa massa
surda, muda e cega e se apropria dos seus gestos
mais ridículos e das suas pobrezas humanas para
permanecer em sua caminhada solitária. O poeta e
seus versos perambulam por entre o caos, ri e aponta
outras realidades, porém continua a caminhar sem
perder os seus passos e o seu rumo. A poesia existe
apenas para uma minoria!!
CS: De onde vem sua poesia e
para onde caminha seu Ser Poeta?
AE: Ao longo de dez anos de poesia, pois os
completei em 2008, pude refletir um pouco sobre
estas duas questões. Elas que me fizeram voltar às
minhas primeiras experiências, onde exercitei
importantes sopros poéticos e passei a perceber
gradativamente que a poesia emana do olhar sempre
atento do poeta e de uma escuta que traspassa
explicações lógicas, pois há uma outra margem, um
outro lugar que de vez em quando podemos habitar
para dele abstrairmos a seiva de cada verso. Foi
exatamente nesse momento, em que denomino de estado
de infância do poeta, que pulsavam os primeiros
versos, o início das impressões conscientes do
mundo: as primeiras dores, angústias, prazeres,
devaneios, inquietudes passionais, sociais,
insatisfações consigo mesmo e com a vida. Ao voltar
a esse caminho percorrido há algum tempo atrás,
notei que a poesia surge desse mundo de experiências
várias. Muitos poetas renegaram seu primeiro livro,
ou seus primeiros versos publicados, mas acredito
que isso se deu e se dá por causa, principalmente,
da preocupação com a crítica, todavia é preciso
vê-los tão importantes quanto os que hoje são
abraçados com entusiasmo pelos especialistas. Foi
exatamente nesse momento renegado que habitou a
chama de uma poesia que com os estudos, as leituras
de outros poetas e as vivências diversas viriam a se
formar os grandes poetas. Aproveito, então, para
entrar no segundo ponto: meu “Ser Poeta” caminha
para o desconhecido, tateando as incertezas da vida,
mas acreditando que não é possível abandonar esse
ofício, pois a poesia é parte integral do que sou.
Há em mim, sem nenhum tipo de transe ou coisa
parecida, uma força que me move e me condiciona a
viver em meio a tantas atitudes vis do humano. Se um
dia esse “Ser Poeta” morrer, morre comigo o sentido
da vida. O poeta não é aquele que se firma diante do
mundo, porém o que vence a si mesmo para se
perpetuar na árdua caminhada do fazer poético.
(2009)
Cleberton Santos – Poeta, ensaísta, professor da
rede estadual da Bahia e da Universidade Estadual de
Feira de Santana.
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Jornal de Poesia.
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