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Adriles Ulhoa Filho


 

Minha terra tinha...


Minha terra tinha um largo.
Era da santa
Nossa Senhora d’Abadia!

Minha terra tinha um largo.
Era o largo da alegria
(das crianças, noite e dia!).

Mambembes circos, pequenos parques
tinham no largo lugar!

Tinha, ainda, no amplo largo,
uma majestosa paineira
que, generosa,
floria o ano inteiro!

Abrigo de viandantes, de políticos e de namorados
testemunhou muitas tramas,
muitos conluios por nada.
(também muitos amores, bem, e mal-acabados!).

Certo dia, um “sábio homem”,
ergueu um prédio no lugar.
Sobrou pouco do velho largo,
muito pouco para contar
(quase nada a admirar!).

Morreu a velha paineira, sumiram os pássaros de lá.
Ficou o cinzento prédio,
sozinho,
a justiçar!

Em volta do “ não desejado”,
no pouquinho que restou,
nasceu uma pequena praça
(modesta, amedrontada, triste, sem graça!).

Quem poderia aceitar
em vez da secular paineira,
modestas árvores, pobres canteiros
para enfeitar o lugar?

Mesmo assim nasceram flores,
voltaram pássaros,
crianças e a Alegria!
Estaria recuperado o saudoso D’Abadia?

Mas tudo muda outra vez.
Piora tudo. De novo!
Aparece um “novo sábio”
e toma a praça do povo!

Invade e escava o espaço,
ganha uma nesga
se expande.
Cerca de grades o lugar.

Tudo dentro de preceitos.
Dentro de normas legais:
É meu! Tenho direito!
Dele EU QUERO usar!

Fez-se, outra vez, a (in) JUSTIÇA,
Fez-se, outra vez, a MALDADE:
Danem-se pássaros,
dane-se a natureza!
Preciso é estacionar!

Cadê as vozes?
Cadê o protesto?
Cadê os homens deste lugar?
Trocam uma praça por feio prédio,
põe uma garagem em seu lugar.

Valei-me milagrosa Santa!
Valei-me neste triste dia.
Cubra-me com sua manta,
Nossa Senhora d’Abadia!


Paracatu, 08/09/2000.

(Texto escrito em protesto ao fechamento, com grades, de parte da praça em torno do prédio do Fórum de Paracatu, feita por ordem do poder judiciário - em letras minúsculas mesmo - no antigo, amplo e histórico Largo d’Abadia).


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rubens, Julgamento de Paris

 

 

 

 

 

Adriles Ulhoa Filho


 

Velha mangueira


O desafio era subir seu tronco, galgar seus galhos, atingir as grimpas e colher seus frutos.

Dali tinha certeza que avistava o mundo! No topo alto era soberano e tinha tudo sob o meu controle. Dominava todos os pontos cardeais: telhados, quintais vizinhos, sinos da igreja, a praia e as matas que circundavam e emolduravam,
a pequena cidade.

Nada podia existir além!

Daquele alto, disputava com os pássaros o prazer imenso da liberdade.

Disputava o espaço e a brisa morna que, preguiçosamente, embalava meus sonhos.

À sua sombra, querida amiga, quantas vezes brinquei sozinho: fazer currais,
cangar os bois - manguinhas verdes - e construir na terra as minhas estradas.

Estradas para um imaginário mundo que sonhava percorrer.

Quantas vezes... amarrei cordas e balancei dependurado em seus galhos!

Queria voar!

E... veio a partida. A despedida dos parentes e dos amigos. Só não despedi de você.

Não sei se foi esquecimento falta de tempo ou de coragem. Reconheço que fui ingrato... e até mesmo mau.

Quando voltei - já mais vivido, não fui contar-te que o mundo estava além.
Muito além do que se via da sua majestosa copa. Que não era tão belo, e nem mesmo simples como eu o imaginava, e que você na sua vegetal inércia poderia supor.

Muito mais tarde quis procurar te para uma reconciliação.
Mas, em seu lugar encontrei apenas um edifício alto, de um condomínio chamado Mangueira e de cujo terraço descortino agora apenas um bairro, de uma cidade que muito cresceu.

Desculpe-me, velha amiga!

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata

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Florisvaldo Mattos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Adriles Ulhoa Filho


 

Morro do nada


No começo Cruz das Minas; revelado Morro do Ouro; pois guardava em suas entranhas o cobiçado tesouro.

Encheu burras, enfeitou altares no tempo da escravidão até ser esgotado, exaurido...Sem servidão.

No abandono, descansa! Conserva a alcunha querida; dorme com suas dores, com o sangue de muitas vidas.

Hibernou dois longos séculos, sem luxo, sem vaidade, emoldurando o horizonte da pequenina cidade.

Tornou-se seu símbolo maior, orgulho... cartão portal: era o seu Pão de Açúcar, sua Serra do Curral.

Já tem flores, já tem vida, volta a alegria ao lugar; nas águas que correm limpas, nas pedras que formam altar!

Mas...chega o tal do “progresso”. Chega a ganância matreira, para acabar com o que resta do velho morro de Fróis.

É sacudido, acordado da letárgica situação. Adeus para a boa vida,
adeus para a solidão!
Chegam os homens! Vêm com máquinas, explosivos e ácidos fortes
(será que estão querendo levar o morro à morte?).

Riscam e cavam o solo, usam até sondas modernas. Só haverá um vencedor no término desta baderna.

Fogem animais e pássaros. Foge o arisco preá, o veado, a raposa e o gato, e até o lobo guará.

Fogem os homens calados, surdos...sem decisão! Incapazes de um gesto para deter a invasão!

Pecam por culpa ou omissão. Pecam, mesmo sem saber. Preferem ali construído mais um parque de lazer.

Não têm remédio nem pena, nada vai mesmo sobrar. Arrancam e estouram lajes, as pedras vão ser trituradas.

Que vai restar nestas plagas na grandiosa explosão? Qual Fênix renascerá das cinzas deste vulcão?

Barragens e tanques se formam. Constroem-se enormes represas.
Tudo, só para conter resíduos da malvadeza.

Destroem-se grotas e grutas, derrubam casas e pontes, para guardar o que resta do outrora opulento monte.

A culpa, por certo, é dele, o Supremo Criador, que exagerou com a dose de ouro que o enfeitou.

O nome será mudado. Por certo será buraco: “Buraco Fundo de Alguns Trocados”.

Restarão, por fim, migalhas! Trocados, triste figura! Para quem tinha um morro (de ouro) compondo sua moldura.

Pobre Morro da Tristeza, Morro das Almas Penadas!
Pobre Morro do Ouro!
Pobre do...Morro do Nada!

Rezem Por Mim!.

 

 

 

Octavio Paz, Nobel

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Bruno Kambel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Adriles Ulhoa Filho


 

Antigo


Acorda, Petrúcia.
Desperta, Vicença!
Não deixem que o tempo
As venham tomar.

Embrenhem nas brumas,
Acoitem nas trevas
Não deixem que o hoje
As venham levar.

Caminhem nas matas,
Dispensem os leitos
Não deixem que o novo
As venham mudar.

Caladas, silentes,
Fiquem na escuta
Não ouçam o presente
Que as querem alcançar.

Enquanto dormias
Fiquei na vigília.
Velei os teus sonhos,
Postado, a rezar.

Agora, despertas!
A aurora raiando.
Não deixem o eterno,
De novo, escapar.


Bhte.,26/01/2004.

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona

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Jornal de Filosofia

 

 

 

 

 

Adriles Ulhoa Filho


 

Conselho


Precisas abrir bem os olhos e ficar com eles atentos; para o que já veio e para o que ainda virá;

Precisas enxergar além do longe; muito além do horizonte onde o céu toca os montes;

Precisas apurar ouvidos e mantê-los bem acuidados; alertes para qualquer ruído;

Precisas ter pernas fortes para galgar montes e colinas; para correr de encontro a verdades e perseguir as quimeras;

Precisas ter coragem para dizer sim; e mais ainda para dizer não.

Precisas aprender a ouvir, e também a falar; às vezes concordando ao ouvir, às vezes discordando ao falar;

Precisas sorrir; mas também chorar.

Retroceder, se preciso; mas sempre querendo avançar;

Precisas ter sabedoria para falar aos jovens; e paciência para escutar os velhos;

Precisas cantar, ainda que desafinado; emocionar-se com um sorriso ou com uma flor;

Precisas ser amigo..., caridoso; mas não se enganar com ambiciosos;

Precisas ter fé; pois tudo tem sua razão de ser;

Precisas saber que tudo passa; quer seja bom, amargo, ou ruim;

Precisas por fim aprender a enxergar; ainda que de olhos bem fechados.


Adriles – 27/01/2000

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Slave market

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Álvaro Pecheco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Adriles Ulhoa Filho


 

Uma amiga


Várias vezes ela esteve próxima ou passou perto e você nem notou, fingiu não enxergar.
Desdenhou.
Ela, sempre fiel, sempre amiga, amante apaixonada, continuou a insistir: - “estou aqui, apanhe-me, leve-me, guarde para você!”.
Debalde!
Sua cegueira, sua surdez obtusa não permitia!
Incontáveis vezes, dizendo ser a última chance, a última oportunidade mesmo – sempre havia mais uma...e outra mais - ela aparecia com seu sorriso meigo, sua sinceridade, sua vontade de ajudar!

Às vezes parecia que você finalmente a tinha ouvido. Tinha escutado suas oferendas e sorria.
Sorrias o verdadeiro sorriso dos vencedores!
Não o sorriso nervoso dos negativistas, dos infortunados.
Desfrutavas então amplamente de todas as belezas que o Criador havia reservado para as suas Criaturas!
Irradiavas misteriosa aura que encantava e animava outras pessoas.
Eras, então, normal!

Mas tudo desfazia por encanto. Tudo caía por terra!
O riso que era franco, tornava-se amargo e falso.
Preferia a dor enfrentar. Preferia a falsa amiga.
Preteria a evolução.

Vai por mim companheiro, e saiba Aqui caminhar!
Se Ela está disponível, se Ela está por perto, por quê então não a apanha?
Por quê não a amarras a ti, e deixa a vida seguir?
Por quê insistes em chutá-la, negar que Ela existe e quer estar ao seu lado?
Por quê não abraça teu corpo, ata com cordas bem fortes: de amor, trabalho, e paz?
Aceita que Ela está bem perto! Sempre disposta a doar.
Aceita que Ela existe e que se chama
FELICIDADE!


Adriles – Bhte., 25/11/2000.
 
 

 

 

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albano Martins

 

 

20.04.2005