Adriles Ulhoa Filho
O casarão
I
Era um lindo casarão de fazenda!
Adobes crus e madeiras de lei - lavradas a machado e enxó,
trabalho de negros escravos e de oficiais carpinteiros.
Muito trabalho certamente! Muito suor...
Muitas vidas ali perdidas. Muitas lágrimas derramadas!
A cumeeira alta e quase todo o teto sem forro,
dava gosto ver a arte!
Nos quartos, forros de esteiras
pardas, bonitas...Um trançado de bambu.
Ripas de buriti, bem serradas - de boa largura,
ligando roliços caibros de pindaíba-do-brejo.
Telhas coloniais enormes e pesadas,
pelo tempo patinadas em variadas cores.
Assoalho de tábuas negras: landim, sicupira...vinhático,
largas, compridas, lisas, de tanto o pano passar.
Rangiam sempre ao pisar!
De grossas aroeiras os esteios de sustentar portentoso teto.
Vigas de angico, pau d`óleo e do duradouro jatobá.
Paredes rebocadas e pintadas à cal.
Portas altas, largas, de uma só folha, sustentadas por dobradiças de
ferro-batido,
e que se trancavam por taramelas..
Sala, quarto, corredor, quarto, quarto...
Vários quartos!
Enorme copa!
Mesa grande, ladeada por comprido banco sem encosto.
Armário escuro de madeira nobre,
mesa pequena, e filtro de barro(ou era um pote? não sei!)
Canapé e redes para o cochilo - para a sesta, no canto do vasto
varandão.
Janelas!Quantas janelas!Com vista para o pomar, com vista para o
curral!
Junto à copa uma despensa com tulhas de cereais.
Prateleiras suspensas, com queijos e rosadas rapaduras.
Outro corredor, outra despensa e, só depois, a alta cozinha.
Piso de ladrilhos encardidos, paredes negras, fogão de lenha,
forno de barro...Picumã!
O terreno em declive desde a copa até a cozinha formava um grande
porão.
Porão de vários cômodos de variado usar:
depósito de ferramentas, arreatas,
guarda de velhos móveis e de utensílios fora de uso.
Fervilhava vida no casarão!
Peões, vaqueiros e agregados, toda hora a discutir, toda hora a
circular.
Visitas chegavam sempre:
- Olá!
- Bom dia! Como está?
- Tá bão?
- Vamos entrando!
- Senta aí!
- Toma um café? Coei agora!
Lida intensa.
Gado inquieto na mangueira, carro de boi cantando no morro,
suados cavalos atados no moirão defronte a casa.
Tinha festas no casarão!
Lembro-me até de uma. Não sei se baile, pagode, ou forró!
Talvez um simples arrasta pé festejando um aniversário,
e que varou a noite toda.
II
Depois...
Depois veio o tempo.
Passando, passando... passando!
O tempo passando e as pessoas passando!
E o fim do casarão.
Foi ficando triste e feio, semi abandonado!
Paredes mostrando os rubros adobes
na falta de bons cuidados.
Buchas e são caetanos invadem e sobem às paredes.
Juá bravo, assa-peixe, unha-de-gato e caruru espinhento,
aproximam-se da casa.
Uma ponta de telhado não resiste,
e cede ao peso
de enorme borá (mija-fogo).
Caixa d’água vazando noite e dia,
a água de serventia mandada lá do Grotão,
Despenca!
Cai do jirau e se espatifa no chão.
Assisti
(triste obra do destino a que não fui convidado)
uma de suas últimas vigas descer!
Mais de sete metros se estrondando no chão!
Nada falei, mas engoli seco.
Engoli grande tristeza
E pra não restar mesmo nada,
veio uma máquina barulhenta
(trator de lâminas afiadas)
e aplainou todo o lugar.
Revolveu todo o chão antigo
numa fúria sem motivo, sem nenhuma razão de ser.
Em busca de um tesouro que ali diziam ter!
Buscariam naquele chão uma arca do tesouro?
Algum pote com moedas?
Nada encontraram por certo, pois era só ilusão!
Tesouro, nunca existiu, pois nada ali foi enterrado.
Corrijo. Existiu e já foi tirado!
Foi retirado e com juros do que se plantou na boa terra!
E veio o eu-menino, chegou e disse pra mim:
“O tesouro era a casa, seu bobo, as dores, e alegrias das muitas
vidas ali vividas!”.
BH - 13/05/2003
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