Jornal de Poesia, o nº 1 do www.google.com

 

 

 

 

 

Álvares de Azevedo


 

Soneto VII

 

 

Já da morte o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!
 


Do leito embalde no macio encosto
Tento o sono reter!... já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!
 


O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade,
 


Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!
 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Nelly Novaes Coelho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

 

 

 

 

 

Álvares de Azevedo


 

Sonhando

 

Hier, la nuit d'été que nous prêtait ses voiles,
Était digne de toi, tant elle avait d'étoiles!
V. HUGO.



Na praia deserta que a lua branqueia,
Que mimo! que rosa, que filha de Deus!
Tão pálida — ao vê-la meu ser devaneia,
Sufoco nos lábios os hálitos meus!
 


Não corras na areia,
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
 


A praia é tão longa! e a onda bravia
As roupas de gaza te molha de escuma;
De noite — aos serenos — a areia é tão fria,
Tão úmido o vento que os ares perfuma!
És tão doentia!
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
 


A brisa teus negros cabelos soltou,
O orvalho da face te esfria o suor;
Teus seios palpitam — a brisa os roçou,
Beijou-os, suspira, desmaia de amor!
Teu pé tropeçou...
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
 


E o pálido mimo da minha paixão
Num longo soluço tremeu e parou;
Sentou-se na praia; sozinha no chão
A mão regelada no colo pousou!
Que tens, coração,
Que tremes assim?
Cansaste, donzela?
Tem pena de mim!
 


Deitou-se na areia que a vaga molhou.
Imóvel e branca na praia dormia;
Mas nem os seus olhos o sono fechou
E nem o seu colo de neve tremia.
O seio gelou?...
Não durmas assim!
Ó pálida fria,
tem pena de mim!
 


(...)
 


E a vaga crescia seu corpo banhando,
As cândidas formas movendo de leve!
E eu vi-a suave nas águas boiando
Com soltos cabelos nas roupas de neve!
Nas vagas sonhando
Não durmas assim;
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
 


E a imagem da virgem nas águas do mar
Brilhava tão branca no límpido véu!
Nem mais transparente luzia o luar
No ambiente sem nuvens da noite do céu!
Nas águas do mar
Não durmas assim!
Não morras, donzela,
Espera por mim!
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Nauro Machado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

Álvares de Azevedo


 

Tarde de outono

 

 

O Poeta:

Oh! Musa, por que vieste,
E contigo me trouxeste
A vagar na solidão?
Tu não sabes que a lembrança
De meus anos de esperança
Aqui fala ao coração?


A Saudade:

De um puro amor a lânguida Saudade
É doce como a lágrima perdida
Que banha no cismar um rosto virgem,
Volta o rosto ao passado, e chora a vida.


O Poeta:

Não sabe o quanto dói
Uma lembrança que rói
A fibra que adormeuceu?...
Foi neste vale que amei,
Que a primavera sonhei,
Aqui minha alma viveu.


A Saudade:

Pálidos sonhos no passado morto
É dove reviver mesmo chorando.
A alma refez-se pura. Um vento aéreo
Parece que de amor nos vai roubando.


O Poeta:

Eu vejo ainda a janela
Onde à tarde junto dela
Eu lia versos de amor...
Como eu vivia d'enleio
No bater daquele seio,
Naquele aroma de flor!
 


Creio vê-la inda formosa,
Nos cabelos uma rosa,
De leve a janela abrir...
Tão bela, meu Deus, tão bela!
Por que amei tanto, donzela,
Se devias me trair ?


A Saudade:

A casa está deserta. A parasita
Das paredes estala a negra cor.
Os aposentos o ervaçal povoa.
A porta é franca... Entremos, trovador!


O Poeta:

Derramai-vos, prantos meus!
Dai-me prantos, ó meu Deus!
Eu quero chorar aqui!
Em que sonhos de ebriedade
No arrebol da mocidade
Eu nesta sombra dormi!
 


Passado, por que murchaste?
Ventura, por que passaste
Degenerando em Saudade?
Do estio secou-se a fonte,
Só ficou na minha fronte
A febre da mocidade.


A Saudade:

Sonha, Poeta, sonha! Ali sentado
No tosco assento da janela antiga,
Apóia sobre a mão a face pálida,
Sorrindo - dos amores à cantiga.


O Poeta:

Minha alma triste se enluta,
Quando a voz interna escuta
Que blasfema da esperaçança,
Aqui tudo se perdeu,
Minha pureza morreu
Com o enlevo de criança!
 


Ali amante ditoso,
Delirante, suspiroso,
Eflúvios dela sorvi.
No seu colo eu me deitava...
E ela tão doce cantava!
De amor e canto vivi!
 


Na sombra deste arvoredo
Oh! quantas vezes a medo
Nossos lábios se tocaram!
E os seios onde gemia
Uma voz que amor dizia,
Desmaiando me apertaram!
 


Foi doce nos braços teus,
Meu anjo belo de Deus,
Um instante do viver!
Tão doce, que em mim sentia
Que minh'alma se esvaía
E eu pensava ali morrer!


A Saudade:

É berço de mistério e d'harmonia
Seio mimoso de adorada amante.
A alma bebe nos sons que amor suspira
A voz, a doce voz de uma alma errante.
 


Tingem-se os olhos de amorosa sombra,
Os lábios convulsivos estremecem,
E a vida foge ao peito ... apenas tinge
As faces que de amor empalidecem.
 


Parece então que o agitar do gozo
Nossos lábios atrai a um bem divino:
Da amante o beijo é puro como as flores
E a voz dela é um hino.
 


Dizei-o vós, dizei, ternos amantes,
Almas ardentes que a paixão palpita,
Dizei essa emoção que o peito gela
E os frios nervos num espasmo agita.
 


Vinte anos! como tens doirados sonhos!
E como a névoa de falaz ventura
Que se estende nos olhos do Poeta
Doira a amante de nova formosura!


O Poeta:

Que gemer! não me enganava?
Era o anjo que velava
Minha casta solidão?
São minhas noites gozadas,
As venturas tão choradas
Que vibram meu coração?
 


É tarde, amores, é tarde;
Uma centelha não arde
Na cinza dos seios meus...
 

 

 

Bronzino, Vênus e Cupido

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Dalila Teles Veras

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Álvares de Azevedo


 

Terza rima

 

 

É belo dentre a cinza ver ardendo
Nas mãos do fumador um bom cigarro,
Sentir o fumo em névoas recendendo,
 


Do cachimbo alemão no louro barro
Ver a chama vermelha estremecendo
E até... perdoem... respirar-lhe o sarro!
 


Porém o que há mais doce nesta vida,
O que das mágoas desvanece o luto
E dá som a uma alma empobrecida,
Palavra d'honra, és tu, ó meu charuto!
 

 

 

Albert-Joseph Pénot (French, 1870-?), Nude with red flowers in hair

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Vicdente Franz Cecim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

Álvares de Azevedo


 

Trindade

 

 

A vida é uma planta misteriosa
Cheia d'espinhos, negra de amarguras
Onde só abrem duas flores puras -

Poesia e amor...
 

 

E a mulher... é a nota suspirosa
Que treme d'alma a corda estremecida,
É fada que nos leva além da vida
Pálidos de langor!
 

 

A poesia é a luz da mocidade,
O amor é o poema dos sentidos,
A febre dos momentos não dormidos
E o sonhar da ventura...
 

 

Voltai, sonhos de amor e de saudade!
Quero ainda sentir arder-me o sangue,
Os olhos turvos, o meu peito langue,
E morrer de ternura!
 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

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Luís Antonio Cajazeira Ramos