Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Celso Brito


 


Certidão


colecionei diversos medos
que me puseram menino
no colo de minha mãe

reescrevi muitas lembranças
de tempos que me fizeram
muito mais do que eu era

também revivi culpas
de ter esperado tanto
de ter medo da chuva
de acordar depois do sol

hoje me caibo exato
no espaço em que me fiz

coração é que transborda


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Tempos


Eu sempre soube da verdade em teus olhos.
O que eles me disseram mantive guardado,
fora do alcance das conversas.

Havia um tempo em que a despedida
principiava um outro encontro,
escondido dos olhos e das conversas.

Havia um tempo com um doce cheiro no ar
de todos os perfumes.
Uma busca constante do olhar,
um gosto a mais nas coisas...
Era batom!

E era depois a pele,
o deslizar dos cabelos,
o afago das mãos...

A casa cheia de nossas conversas,
dos modos, das esperas e demoras.
Uma vida em tantos acordar!

Era por fim um outro olhar,
sem mais as mesmas verdades
(embora nunca mentiras).
Mas sem as mesmas respostas.

Outras vozes agora falam no nosso silêncio.
Mudamos os rumos,
os olhares,
o sentido da conversa.



Saquarema, abril de 2005

 

 

 

Bernini_Apollo_and_Daphne_detail

Início desta página

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Cidade Noturna

para Roberto Piva


crescem seios e sexos
nos banheiros públicos
das praças de silicone

uma rua leva ao cais
outra ao caos

distribuo panfletos católicos
em avenidas de nossa senhora
os sinos contam histórias
que me excitam e empalidecem

visito dom zico
em taberna de palha
e teto de zinco
que me serve café com notícias

um relógio mede o tempo
e o fedor da carniça
a noite revela o que o dia esconde:
o vai e vem das esquinas



Belém, 28 de dezembro de 2000

 

 

 

Bernini, Apollo and Dafne, detail

Início desta página

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Encontro


Procuro os que sabem de mim.
Os que disseram ter me ouvido falar.
Os que me encontram, quando me perco.

Em quantos poemas estou presente?
Em qual deles era verdade?

Perco-me um pouco todo dia,
para me encontrar em tantos outros.
Não revelo, nem disfarço.
Apenas passo.
Mas há momentos em que me demoro.



Saquarema, abril de 2005


 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

Início desta página

Carmen Rocha

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Subúrbios


trago-me preso a um desejo
de me unir ao vento
arrastar as ondas
e atirá-las nas pedras

traço-me em planos
tortos, obtusos, interrogativos
arrisco-me em pequenos versos
em espaços ínfimos

ergo-me simétrico
lanço-me em linha reta
só o tempo curva em mim

há um dor que me atravessa
que risca minha poesia
afogada em tantas indagações


 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

Início desta página

Cissa de Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

São Jerônimo, de Caravagio

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Enquanto o poema não vem

A Cyro de Mattos


Sem esse verso
que me ronda há horas
onde estaria eu agora

Sem saber ser flor
Sem saber ser vento
Não me arrisco. Espero

Não sei onde me cabe
essa frase solta
esse golpe de ar
a dançar no peito
ou na idéia

Enquanto não o conquisto
desenho esse risco
um rabisco
do que me ronda


Saquarema, primeira hora de 06.05.200, apos ler Lugar, poema de Cyro de Mattos.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

Início desta página

Aila Magalhães

 

 

04/07/2006