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Cissa de Oliveira


 

DE NADA SEI

Para o José Félix


Penso que são pedacinhos do todo exibindo a alma
da rocha, o mar no embalo das falésias à noite, o calhau,
o carvão, talvez, no adivinhar da tela. Renoir.
Felicidade.

Teriam a calma que precede a ensurdecedora
loucura da lava, a corrida das sombras e a força
das luas no movimento das águas, teriam.

Mas guardariam consigo os tesouros dos rumos
perdidos na dobradura dos mapas antigos,
a dor de algum amor, os pudores reservados
aos conventos de outros olhos?

De nada sei dos teus olhos.
Nem do que fazer da escuridão para sempre verde
dos espelhos que eu nunca inferi.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

Cissa de Oliveira


 

AO RITMO DAS VENTANIAS

Para a minha irmã Salette


A inocência de cada manhã
nem ela encobre:
- és bela,
uma luz que aconchega,
o sol bem alto, a cachoeira
onde se lançam os olhos
em busca do mar
ou de um beijo.

As inflorescências dos ipês dourados
desabrocham nas avenidas,
e exalam promessas ao ritmo das ventanias,
como se fossem os teus cabelos nas tardezinhas,
sem que percebas.

Eu devia dizer também da noite
mas não posso pois sempre a esqueço
nos espaços
onde depões as tuas mãos
desfazendo as assombrações
para que eu adormeça.

 

 

 

William Blake, Death on a Pale Horse

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Rodrigo Magalhães, 12.2.2005

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus

 

 

 

 

 

Cissa de Oliveira


 

LIBERDADE



um poeta não pode ser mais preso
do que a leveza da pena
sobre o papel ávido de poemas



 

 

 

Baloubet du Rouet, campeoníssimo de Rodrigo Pessoa

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José Aloise Bahia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cissa de Oliveira


 

OS CAMPOS IMAGINAM


Como diz Herberto
“...os campos imaginam
as suas próprias rosas...”


É setembro e por aqui e as flores
tilintam bem devagar as pestanas
antes de se incendiarem em cores vivas.

São fiéis os jornais locais e noticiam
junto com o fogo constante
do pregão da bolsa de valores,
as fotografias da cidade:
numa, a explosão das violetas,
dos gerânios, das papoulas,
ou mesmo de um tapete de ipês dourados
- resto de inverno bordado na calçada,
noutra, o céu sob o contraste vinho
da uma tardinha
mansa como a brincadeira da brisa
no balanço do vestido.

Eu viro a página, é preciso,
mas vou me perguntando se toda a gente
prende a vista nas fotografias
assim como nos noticiários.

Não sei porque eu penso nisso,
e é tão nítido quanto o mercúrio
das luzes incandescentes das cidades,
ou quanto a tua risada,
esse incêndio de cristal que sempre se noticia
na minha alma.


 

 

 

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Urariano Mota

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cissa de Oliveira


 

O ROMANCE DAS ESTAÇÕES



na pele sem que ninguém ensine
escreve-se o romance das estações

é para inquietar no tempo
o vôo
e sua penugem guardada
entre o colorido da memória
das asas

a boca do tempo é sábia
na sua risada boa
pascal

mudam as estações
explosão que incendeia
sem levantar fogo

do teu sorriso saem flores
a mão não sabe
mas a alma alcança


 

 

 

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Cissa de Oliveira


 

POEMINHA BEM HUMORADO


assusta-me a felicidade calma dos domingos
especialmente se vêm chuvosos

guio-me pela sabedoria impressa na pele
das flores vívidas no parapeito da varanda

e pelos seus faróis de sol
porto que somente se alcança
com a calmaria das mãos

quando eu morrer que seja num domingo
de chuva bem mansinha

escreverei no parapeito de mármore molhado
da varanda enquanto ele reflete o movimento das flores
uma mensagem

e se estiver muito inspirada
- ou em dúvida entre as palavras saudade
e felicidade – acrescentarei:

saibam que eu detesto as segundas-feiras!


 

 

 

Allan Banks, USA, Hanna

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Alberto da Cruz

 

 

 

 

 

 

 

 

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

Cissa de Oliveira


 

O COLORIDO DAS AMORAS NOVAS

Para a Tania Melo


“... o que seria da humanidade
se não houvesse machos e fémeas a se amarem
e a se reproduzirem por aí?
Nós ficamos no meio, criando poesia para divertir
toda essa gente nos intervalos...”

José António Gonçalves *


O sexo
é o conspirar da vida,
o meio dia, a faísca no coração das sombras,
a voz de junho
no avassalar dos castelos sobre a água
que bebe o céu.

O amor
é a sina, o papel em branco no enamorar
das digitais no ar,
o delineado da paisagem que a vista não alcança,
a tormenta no acariciar das cordas nem sempre
bem afinadas do lidar das emoções.

No meio
a linha tênue, o colorido das amoras novas
o sustenido, o assombro, o respirar da rocha,
o cantinho que Deus escolheria
para habitar: poesia.



* (Correspondência poética)

 

 

 

Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

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José do Vale Pinheiro Feitosa

 

 

18/10/2005