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Luiz Angélico da Costa 

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

Conceição Paranhos

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Luiz Angélico da Costa


 

Manifesto


Não sou herói nem bandido:
meu alazão viaja sobre trilhos;
minha arma é uma marmita
na mão direita (onde uma roseira)...
na esquerda, meu coração
(transpassado de espinhos).
Mas por que,
para que vou assinar manifestos?
Não me compram feijão,
não vou tirar meu filho da prisão...
Futebol é assim mesmo,
vamos sair para outra —
— enquanto há portas abertas
pra sair.


Afinal,
talvez sair seja melhor
ainda... Ainda que mal pergunte,
quem vai ouvir teus lamentos?
Quem vai ler teus pensamentos?
Quem te vai estender a outra mão?
(ou a outra face?)
E...
— mesmo supondo que vão —
como saber o que estará por trás
dess’outra mão que não se estende,
nem se abre sequer?
Ora, vamos e venhamos
e fiquemos onde estamos
até que saibamos onde,
para onde
vão-nos querer levar.
Eu, por mim,
(não prefiro):
só me resta aguardar
o momento
certo,
direis, perdeste o senso
e eu vos direi, no entanto,
que se a mim me perseguem,
se dos meus ouço o lamento...
(oh, meu proscrito irmão,
que por amor de nós
já reverteste ao pó
e nem lembrança és mais!)


Se,
para ser esse Homem
que idealizastes,
tanto esperar
e sofrer tanto
me é preciso
e nem a bíblica mansidão
me basta,
(mil perdões, ingênuo Kipling):
vosso Homem imperial
não posso ser,
ó Senhor Rudyard!
Nem vosso Superman,
ó Mister Presidente!
Serei, pois, tão somente
esta miniatura
que é tão pequena mas só fita os Andes...
e não vou assinar manifestos, não, senhor!


Pois se...se...se...se...se...se...
ó Cigarra Boêmia,
(si vis pacem, para bellum),
se o preço da liberdade
é a eterna vigilância
para gregos e troianos
— do Centro-Sul maravilha
ou do Nordeste boêmio
com Sudene ou sem Sudene
(esse lado sucedâneo!) —
nossa terra tem palmeiras
onde canta o sabiá;
tem também o mico sapiens
e o galinho garnisé,
mas também o carcará!


E...
pra não dizer que não falei
do milagre (o milagre é nosso!)
as aves que lá gorjeiam
só gorjeiam como lá...
lá-lá-lá... blá-blá-blá-blá!
Ah! não permitas, Deus, que morram
sem que voltem para cá!...
Mas se um dia,
um belo dia,
claro dia em negra noite
vier um dia a se fechar...
(pobre de mim!)
eu,
que nem Raimundo
(triste mundo!)
jamais me poderei chamar,
deixo pra lá meu lenço, meu boné
(e agora, José?)
e meus perdidos documentos todos
e vou ao menos
lançar pedras de fogo
contra o vento.


Bem...eu sou eu.
E vocês?
Eu, hein?!...
Engraçado!...Parece
que acabei de escrever
um manifesto
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

 

Luiz Angélico da Costa



Pacto de (re)criação

A Tarde On Line

 

Transcorrendo este ano os 150 anos de nascimento de Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde (1854-1900), conhecido dramaturgo, poeta, ficcionista e ensaísta de língua inglesa nascido na Irlanda (Dublin), a Editora Landmark acaba de trazer a público o livro Contos Completos, dentro do louvável projeto Novas Leituras (“Novas traduções para grandes textos clássicos em edições bilíngües”).

A obra nos é presenteada a partir de “textos originais em inglês de domínio público”, com “Prefácio, Tradução e Notas” de Luciana Salgado, revisão de Danielle F. Camillo. Louve-se de início, a escolha da tradutora, pela maneira como enfrentou os desafios dos singularíssimos textos de Wilde, pela qualidade de seu prefácio e pela oportunidade de suas notas. Em seguida, louve-se a decisão editorial de brindar o leitor versado em língua inglesa com uma edição bilíngüe e, em particular, pela apresentação do texto autoral às margens do texto traduzido - à esquerda, a página de número par e, à direita, a página de número ímpar.

Considerando-se que somente o leitor proficiente na língua inglesa buscará o texto original (para comparação, reexame ou puro deleite), pode-se relevar a dificuldade de leitura desse texto - decorrente do tamanho do tipo - e, simultaneamente, aplaudir a disposição do texto na página - de forma como não me ocorre ter visto em outra publicação bilíngüe.

Ainda em relação ao projeto editorial, percebe-se que houve um critério inteligente no reagrupamento das stories de Wilde, ainda que, de modo geral tenham sido seguidos os passos da edição Collins de The Works of Oscar Wilde (London and Glasgow: s.d.). Só um exemplo: o início do livro com The Happy Prince and Other Stories (O Príncipe Feliz e outras Histórias), ao invés de com Lord Arthur Savile’s Crime and Other Stories (O Crime de Lorde Arthur Savile e outra Histórias). Essa inversão naturalmente predispõe o leitor a adaptar-se ao clima descontraído daquelas alegorias com que Wilde desconstruiu os clássicos fairy tales, a despeito da oportuna observação de Luciana Salgado, ao dizer em seu prefácio: “Nos contos de Oscar Wilde, príncipes e princesas não são felizes para sempre”.

Do trabalho da tradutora, como um todo, creio que seu maior mérito é o de todo bom tradutor: o pacto espontâneo com o criador do texto que ele pretende recriar - sem perder de vista que o ato tradutório é igualmente o compromisso que este artesão (o tradutor) faz consigo mesmo, no sentido de passar a expressão do outro (o autor) em sua própria voz, leia-se, do tradutor. E quanto mais se esmera nessa tarefa de enfrentar e ultrapassar desafios, tanto mais se aproxima o tradutor da condição de artista. Em outras palavras, quando consigo fruir prazer semelhante àquele que experimentei na leitura do texto em sua língua de origem, sinto que o tradutor cumpriu o seu papel - desde que se possa encontrar em sua reescritura as necessárias marcas de uma literatura que se sabe e se quer estrangeira.

Essas marcas são, por assim dizer, mal comparando, talvez, o sotaque do texto, que é para ser encontrado não no léxico ou na sintaxe do texto mas em elementos tais como ritmo, o tom, a atmosfera, os itens culturais, a musicalidade da expressão, além da natural ambiência histórico-geográfica do texto original. Vivi essa experiência lendo, alternadamente, o texto de Oscar Wilde e o de Luciana Salgado.

DRAMA DO DUPLO - A tradutora conseguiu captar as singularidades estilísticas do grande contador de histórias que era Wilde: seu gosto pelas descrições minuciosas, seus rompantes retóricos, seus refrões, suas ironias, seus paradoxos e a capacidade inigualável de causeur que transparece em sua expressão - manobrando ela com absoluta espontaneidade o habitual sentir e expressar metafórico de Wilde. E, acima de tudo, o hábito visceral que ele tinha de viver para a beleza, assim como para o prazer e a felicidade, como se estivesse antecipando a cada minuto a feiúra e a infelicidade que iria encontrar nos “anos malditos” que passaria na prisão - em Pentoville, em Wandsworth e em Reading, após sua condenação por “crime de homossexualismo”. (O tempora, o mores!). Seja como tenha sido, não é o nosso assunto aqui.

Nosso assunto é a grande ironia da genialidade de um artista e da turbulência existencial de um homem que viveu intensamente o drama do duplo: O Retrato de Dorian Gray, seu único romance, ou até mesmo o aparentemente simples O Príncipe Feliz, como ele próprio admitiu em De Profundis; o dilema do artista que proclamava aos quatro ventos a supremacia absoluta da “arte pela arte” - sem nenhum compromisso moral - mas cuja arte, particularmente nos seus contos, era irmã gêmea de profunda e até angustiante convicção moral. É óbvio que não estou falando de moralismo; falo, sim, de jóias do comprometimento moral, como se encontrarão nestes contos - mesclados com a ira e o humor que produzem toda grande obra de arte. O resto é só superfície.

Volto à minha resenha de Contos Completos, para dizer, antes de terminar esta pequena homenagem a Oscar Wilde, que o próprio valor da edição exige que se revejam alguns senões de natureza formal na impressão do texto. Anotei-os e poderia apontá-los se assim me solicitassem. São pequenas questões de revisão, inclusive na tradução.

Acima de tudo, porém, vale a oportunidade e a qualidade da obra, que me parece em si própria valiosa homenagem a Oscar Wilde, a quem dou a palavra final - ainda que para desmenti-lo: All art is quite useless! (Toda arte é inteiramente inútil!) - como ele encerra o Prefácio de The Picture of Dorian Gray.

Leiam-se com prazer estes contos e veja-se como em quase todos, assim como na quase totalidade da obra de Oscar Wilde, a permanente busca da beleza e do prazer é uma necessidade de utilização do tempo e da vida, onde se insere também uma incessante busca de um propósito moral.

Não ter feito de sua arte veículo de aquisição utilitária, panfletagem política, proselitismo religioso ou mesmo pregação moral é manifestação de um posicionamento ético que ele também teimava em negar.


Luiz Angélico da Costa, Professor
Titular de Língua e Literatura de Língua
Inglesa aposentado, é Professor Emérito
da Ufba e tradutor.
 

 

 

Ticiano, Magdalena

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Floriano Martins

 

 

 

 

 

 

01/11/2004