Allan R. Banks (USA) - Hanna Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

  

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

Majela Colares

 

 

O LIRISMO CABRALINO

 

O poeta avança, verso a verso, na estrutura estética do poema e vai deixando ao longo desse fazer/pensar, filigranas poéticas que lhes fogem à própria percepção. Dessa forma, poema a poema, é que se constrói uma obra, como se fosse um monumento.

A poesia vagueia muito além da imaginação de quem a possui, materializando-se quando atingida pelo pensamento, se este chegar a uma sutileza quase inalcançável. É nesse instante que todo tempo/espaço são preenchidos por um contraste de sombras e luzes...  o poema revela-se por inteiro.

Cabe ao crítico desvendar a linha dorsal seguida pela obra,  – a medula do poema –, assim como, as filigranas que ficaram, às vezes cintilante, às vezes opacas, ao longo dessa linha condutora enveredada pelo poeta, envolta a essa enigmática argamassa luz/sombra/luz.

Erotismo em JOÃO CABRAL, Rio, 2008, Editora Calibán, representa bem esse trabalho persistente do crítico garimpeiro.

Janilto Andrade mergulha fundo nesse contraste luminoso/sombrio, da obra do autor de A educação pela pedra, exatamente na busca das filigranas que o poeta semeou ao longo da sua obra, para mostrar o que poucos ou quase ninguém percebeu: o lirismo cabralino.

O ante-lirismo (como muitos defendem)  do poeta pernambucano, não é tão inquestionável quanto se pensa.

Para a crítica academicista engessada e algumas correntes poéticas da atualidade, falar de lirismo em Melo Neto é algo afrontoso, pecaminoso.

Janilto Pecou? Não! Atirem a primeira pedra. Apenas quebrou um paradigma. Mostra que Cabral é, também, lírico, e mais... erótico. Coisa que nem mesmo João Cabral admitia quando afirmou  “o que escrevi até hoje nada tem a ver com lirismo”.

Não pensa assim Andrade e aponta o lirismo negado pelo próprio poeta, afirmando que  “em várias seqüências da sua obra, mesmo não se apresentando explicitamente, há um ente que reponde pelas relações lingüísticas, afetivas, intelectivas e eróticas dos poemas. Trata-se do eu-poemático, do sujeito lírico, cuja presença é sentida em momentos como este, do poema lírico-dramático Morte e Vida Severina (auto de natal pernambucano) onde se lê-sente, em linguagem contida, a presença do erotismo poético: 

 

‘ – E agora, se abre o chão e te abriga,

lençol que não tiveste em vida.

– Se abre o chão e te fecha,

dando-te agora cama e coberta.

– Se abre o chão e te envolve,

como mulher com quem se dorme.”

 

No poema Imagem de vegetal, alumbra-se:

 

tronco dessas pernas

fortes, terrenas, maciças

 

A leitura de Erotismo em JOÃO CABRAL é agradável, imaginosa e leve. Os capítulos são curtos e diretos, ao modo dos versos cabralinos. Não existem arrodeios.

Com este livro Janilto Andrade aponta, com eficácia e competência, uma nova direção no estudo da poética de Melo Neto, levantando um debate que foge à regra unânime das análises e conceitos estabelecidos pela crítica em torno de uma obra que ainda tem muito a ser descoberto e revelado ao mundo da poesia. 

               

  

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal do Conto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

Henrique Marques-Samyn

 

As cores do tempo

 

Reeditado dois anos após seu lançamento, As cores do tempo (Calibán, 2009) reúne uma seleção da poesia produzida entre 1993 e 2005 por Majela Colares, poeta e contista cearense radicado em Recife desde 1992. Organizado em ordem cronológica, o volume permite que acompanhemos a evolução de uma voz lírica que, ao longo de doze anos, descobre fontes e consolida formas, movida por um incansável pendor experimentalista. Majela Colares busca incansavelmente pelo novo sem jamais abandonar seu próprio universo poético, virtude que determina a notável consistência de sua obra.

Se alguns dos poemas de Confissão de dívida (1993) denunciavam certa imaturidade, sobretudo por conta de excessos que enfraqueciam o lirismo – o que é natural, tratando-se de um livro de estréia – , os cantos de Outono de pedra (1994) já anunciavam a dicção mais sólida que se apresentaria de forma consolidada em O soldador de palavras (1997), multifacetada obra de um poeta hábil em conciliar uma rica imagética com uma rara sonoridade; leia-se, por exemplo, os tercetos finais do extraordinário soneto “O mamulengo”: “o mamulengo finge o rosto e tinge / de rubra cor os lábios, flor-esfinge / erguida efêmera na instável face // incontroversa (esta anônima peça) / que no teatro de boneco expressa / o homem louco sem nenhum disfarce”. A forte presença das cores na poesia de Majela Colares viria a consagrar-se em A linha extrema (1999), virtuosística obra que parte de motivos pictóricos para expor densas reflexões em torno da existência, da história e do próprio fazer artístico; havia nisso o indício de que o poeta alcançara aquela maturidade que o tornaria capaz de reconhecer e reelaborar suas fontes líricas, extraindo assim toda a potência lírica daquelas obsessões que, nas mãos dos verdadeiros poetas, transmutam-se em inspiração.

A trajetória ascendente de Majela Colares culmina em seu mais recente livro, Quadrante lunar (2005), momento de síntese das sendas exploradas nas obras anteriores. Nesse livro, a pictórica poesia de Colares espraia-se por um amplo leque temático: é ali possível entrever um retorno à concretude num tom personalista, aliás similar àquele que encontrávamos em seus primeiros poemas; entretanto, isso se dá através da contemplativa dicção mais afim ao seu temperamento poético, sem arroubos ou crispações. No início de “A invenção do poema”, escreve o poeta: “Quero a página livre e a mão discreta” – verso que, em certa medida, traduz o princípio que parece reger essa escrita que, silente e sutil, faz da branca página a tela em que pinta o mundo com palavras.

 

(Publicado originalmente na reviste speculum)

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

3.9.2009