Majela Colares
O LIRISMO CABRALINO
O poeta avança, verso
a verso, na estrutura estética do poema e vai
deixando ao longo desse fazer/pensar, filigranas
poéticas que lhes fogem à própria percepção. Dessa
forma, poema a poema, é que se constrói uma obra,
como se fosse um monumento.
A poesia vagueia muito
além da imaginação de quem a possui,
materializando-se quando atingida pelo pensamento,
se este chegar a uma sutileza quase inalcançável. É
nesse instante que todo tempo/espaço são preenchidos
por um contraste de sombras e luzes... o poema
revela-se por inteiro.
Cabe ao crítico
desvendar a linha dorsal seguida pela obra, – a
medula do poema –, assim como, as filigranas que
ficaram, às vezes cintilante, às vezes opacas, ao
longo dessa linha condutora enveredada pelo poeta,
envolta a essa enigmática argamassa luz/sombra/luz.
Erotismo em
JOÃO CABRAL, Rio, 2008,
Editora Calibán, representa bem esse trabalho
persistente do crítico garimpeiro.
Janilto Andrade
mergulha fundo nesse contraste luminoso/sombrio, da
obra do autor de A educação pela pedra,
exatamente na busca das filigranas que o poeta
semeou ao longo da sua obra, para mostrar o que
poucos ou quase ninguém percebeu: o lirismo
cabralino.
O ante-lirismo (como
muitos defendem) do poeta pernambucano, não é tão
inquestionável quanto se pensa.
Para a crítica
academicista engessada e algumas correntes poéticas
da atualidade, falar de lirismo em Melo Neto é algo
afrontoso, pecaminoso.
Janilto Pecou? Não!
Atirem a primeira pedra. Apenas quebrou um
paradigma. Mostra que Cabral é, também, lírico, e
mais... erótico. Coisa que nem mesmo João Cabral
admitia quando afirmou “o que escrevi até hoje nada
tem a ver com lirismo”.
Não pensa assim
Andrade e aponta o lirismo negado pelo próprio
poeta, afirmando que “em várias seqüências da sua
obra, mesmo não se apresentando explicitamente, há
um ente que reponde pelas relações
lingüísticas, afetivas, intelectivas e eróticas dos
poemas. Trata-se do eu-poemático, do sujeito lírico,
cuja presença é sentida em momentos como este, do
poema lírico-dramático Morte e Vida Severina
(auto de natal pernambucano) onde se lê-sente, em
linguagem contida, a presença do erotismo poético:
‘ – E agora, se abre o
chão e te abriga,
lençol que não tiveste
em vida.
– Se abre o chão e te
fecha,
dando-te agora cama e
coberta.
– Se abre o chão e te
envolve,
como mulher com quem
se dorme.”
No poema Imagem de
vegetal, alumbra-se:
“tronco
dessas pernas
fortes,
terrenas, maciças”
A leitura de
Erotismo em JOÃO CABRAL é agradável, imaginosa e
leve. Os capítulos são curtos e diretos, ao modo dos
versos cabralinos. Não existem arrodeios.
Com este livro Janilto
Andrade aponta, com eficácia e competência, uma nova
direção no estudo da poética de Melo Neto,
levantando um debate que foge à regra unânime das
análises e conceitos estabelecidos pela crítica em
torno de uma obra que ainda tem muito a ser
descoberto e revelado ao mundo da poesia.
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