Nauro Machado
Balança comercial
Troco sóis pelas naus,
os são pelos loucos troco,
na embriaguez com que soco
minha fúria no meu caos.
Tudo é uma questão de troca:
noves fora, restam nove,
até que outro alguém nos prove
que Deus é um dente sem broca,
que Deus é um maxilar
independente do alvéolo
tal como independente é o
ser do seu próprio estar.
Onde estamos não nos cabe,
onde estamos não comporta
a nossa alma que é uma morta
que do corpo nada sabe.
Ó desejo para fora
a romper-nos desde o dentro!
Ah, sairmos do nosso centro
para sempre e desde agora!
Abandonarmos casca e ovo,
abandonarmos a casca,
é um desejo que nos lasca
para quebrar-nos de novo.
Sermos gema, sem ser clara!
Sermos o Ser que É, não o que é
uma coisa chã e qualquer
nesta cara, a mesma cara!
Termos olhos, que são dois,
termos olhos, só dois a esmo:
troco tudo por uns bois
e até a alma comigo mesmo!
Troco tudo, como troco,
se trocar eu me pudera,
esta verdade quimera
do sonho com que me soco.
De O Signo das Tetas (1984)
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