Estatutos
da Padaria Espiritual
1º) Fica organizada,
nesta cidade de Fortaleza, capital da "Terra da Luz",
antigo Siará Grande, uma sociedade de rapazes de Letras e
Artes, denominada Padaria Espiritual, cujo fim é fornecer pão
de espírito aos sócios em particular, e aos povos, em geral.
2) A Padaria
Espiritual se comporá de um Padeiro-Mor (presidente), de dois
Forneiros (secretários), de um Gaveta (tesoureiro), de um
Guarda-livros na acepção intrínseca da palavra (bibliotecário),
de um Investigador das Coisas e das Gentes, que se chamará Olho
da Providência, e demais Amassadores (sócios). Todos os sócios
terão a denominação geral de Padeiros.
3) Fica limitado em
vinte o número de sócios, inclusive a Diretoria, podendo-se,
porém, admitir sócios honorários que se denominarão
Padeiros-livres.
4) Depois da instalação
da Padaria, só será admitido quem exibir uma peça literária
ou qualquer outro trabalho artístico que for julgado decente
pela maioria.
5) Haverá um livro
especial para registrar-se o nome comum e o nome de guerra da
cada Padeiro, sua naturalidade, estado, filiação e profissão
a fim de poupar-se à Posteridade o trabalho dessas indagações.
6) Todos os Padeiros
terão um nome de guerra único, pelo qual serão tratados e do
qual poderão usar no exercício de suas árduas e humanitárias
funções.
7) O distintivo da
Padaria Espiritual será uma haste de trigo cruzada de uma pena,
distintivo que será gravado na respectiva bandeira, que terá
as cores nacionais.
8) As fornadas (sessões)
se realizarão diariamente, à noite, à excepção das
quintas-feiras, e aos domingos, ao meio-dia.
9) Durante as
fornadas, os Padeiros farão a leitura de produções originais
e inéditas, de quaisquer peças literárias que encontrarem na
imprensa nacional ou estrangeira e falarão sobre as obras que
lerem.
10) Far-se-ão
dissertações biográficas acerca de sábios, poetas, artistas
e literatos, a começar pelos nacionais, para o que se organizará
uma lista, na qual serão designados, com a precisa antecedência,
o dissertador e a vítima. Também se farão dissertações
sobre datas nacionais ou estrangeiras.
11) Essas dissertações
serão feitas em palestras, sendo proibido o tom oratório, sob
pena de vaia.
12) Haverá um livro
em que se registrará o resultado das fornadas com o maior
laconismo possível, assinando todos os Padeiros presentes.
13) As despesas
necessárias serão feitas mediante finta passada pelo Gaveta,
que apresentará conta do dinheiro recebido e despendido.
14) E proibido o uso
de palavras estranhas à língua vernácula, sendo, porém,
permitido o emprego dos neologismos do Dr. Castro Lopes.
15) Os Padeiros serão
obrigados a comparecer à fornada, de flor à lapela, qualquer
que seja a flor, com exceção da de chichá.
16) Aquele que
durante uma sessão não disser uma pilhéria de espírito, pelo
menos, fica obrigado a pagar no sábado café para todos os
colegas. Quem disser uma pilhéria superiormente fina, pode ser
dispensado da multa da semana seguinte.
17) O Padeiro que
for pegado em flagrante delito de plagio, falado ou escrito,
pagará café e charutos para todos os colegas.
18) Todos os
Padeiros serão obrigados a defender seus colegas da agressão
de qualquer cidadão ignaro e a trabalhar, com todas as forças,
pelo bem estar mútuo.
19) É proibido fazer qualquer referência à rosa de Maiherbe e
escrever nas folhas mais ou menos perfumadas dos álbuns.
20) Durante as
fornadas, é permitido ter o chapéu na cabeça, exceto quando
se falar em Homero, Shakespeare, Dante, Hugo, Goethe, Camões e
José de Alencar porque, então, todos se descobrirão.
21) Será julgada
indigna de publicidade qualquer peça literária em que se falar
de animais ou plantas estranhos à Fauna e à Flora brasileiras,
como: cotovia, olmeiro, rouxinol, carvalho etc.
22) Será dada a
alcunha de "medonho" a todo sujeito que atentar
publicamente contra o bom senso e o bom gosto artísticos.
23) Será preferível
que os poetas da "Padaria" externem suas idéias em
versos.
24) Trabalhar-se-á
por organizar uma biblioteca, empregando-se para isso todos os
meios lícitos e ilícitos.
25) Dirigir-se-á um
apelo a todos os jornais do mundo, solicitando a remessa dos
mesmos à biblioteca da "Padaria".
26) São
considerados, desde já, inimigos naturais dos Padeiros - o
Clero, os alfaiates e a polícia. Nenhum Padeiro deve perder
ocasião de patentear seu desagrado a essa gente.
27) Será registrado
o fato de aparecer algum Padeiro com colarinho de nitidez e
alvura contestáveis.
28) Será punido com
expulsão imediata e sem apelo o Padeiro que recitar ao piano.
29) Organizar-se-á
um calendário com os nomes de todos os grandes homens mortos,
Haverá uma pedra para se escrever o nome do Santo do dia, nome
que também será escrito na Ata, em seguida à data respectiva.
30) A "Avenida Caio Prado" é considerada a mais útil
e a mais civilizada das instituições que felizmente nos regem,
e, por isso, ficará sob o patrocínio da Padaria.
31) Encarregar-se-á
um dos Padeiros de escrever uma monografia a respeito do incansável
educador Professor Sobreira e suas obras.
32) A
"Padaria" representará ao Governo do Estado contra o
atual horário da Biblioteca Pública e indicará um outro mais
consoante às necessidades dos famintos de ideias.
33) Nomear-se-ão
comissões para apresentarem relatórios sobre os
estabelecimentos de instrução pública e particular da Capital
relatórios que serão publicados.
34) A Padaria
Espiritual obriga-se a organizar, dentro do mais breve prazo
possível, um Cancioneiro Popular, genuinamente cearense.
35) Logo que estejam
montados todos os maquinismos, a Padaria publicará um jornal
que, naturalmente, se chamará O Pão.
36) A Padaria tratará
de angariar documentos para um livro contendo as aventuras do célebre
e extraordinário Padre Verdeixa.
37) Publicar-se-á ,
no começo de cada ano, um almanaque ilustrado do Ceará
contendo indicações úteis e inúteis, primores literários e
anúncios de bacalhau.
38) A Padaria terá
correspondentes em todas as capitais dos países civilizados,
escolhendo-se para isso literatos de primeira água.
39) As mulheres,
como entes frágeis que são, merecerão todo o nosso apoio
excetuadas: as fumistas, as freiras e as professoras ignorantes.
40) A Padaria
desejaria muito criar aulas noturnas para a infância desvalida;
mas, como não tem tempo para isso, trabalhará por tornar
obrigatório a instrução pública primada.
41) A Padaria
declara desde já guerra de morte ao bendegó do
"Cassino".
42) É expressamente
proibido aos Padeiros receberem cartões de troco dos que
atualmente se emitem nesta Capital.
43) No aniversário
natalício dos Padeiros, ser-lhes-á oferecida uma refeição
pelos colegas.
44) A Padaria
declara embirrar solenemente com a secção "Para matar o
tempo" do jornal "A Republica", e, assim, se
dirigirá à redação desse jornal, pedindo para acabar com a
mesma secção.
45) Empregar-se-ão
todos os meios de compelir Mané Coco a terminar o serviço da
"Avenida Ferreira".
46) O Padeiro que,
por infelicidade, tiver um vizinho que aprenda clarineta, piston
ou qualquer outro instrumento irritante, dará parte à Padaria
que trabalhará para pôr termo a semelhante suplício.
47) Pugnar-se-á
pelo aformoseamento do Parque da Liberdade, e pela boa conservação
da cidade, em geral.
48) Independente das
disposições contidas nos artigos precedentes, a Padaria tomará
a iniciativa de qualquer questão emergente que entenda com a
Arte, com o bom Gosto, com o Progresso e com a Dignidade Humana.
Amassado e assado na
"Padaria Espiritual", aos 30 de Maio de 1892.
Seguem-se as
assinaturas dos padeiros presentes, em número de dezoito,
faltando, portanto, duas assinaturas.
SOARES
FEITOSA, Francisco José, Ceará, 1944, edita o Jornal de
Poesia:
www.jornaldepoesia.jor.br
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