Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Rodrigo Magalhães


 

Feromônio
(poema-roteiro)



INT. CASA – SALA – DIA

Domingo, mal Joana acordou, eu vi a insônia de seus gestos
e maiores interjeições – é difícil esconder a cara de porre.
Espetou-me o cambaleio com argumentos e farelos de antiga broa,
inda cuspindo-me a fração de água e dentifrício.


               JOANA
      Porra, por que todo homem é assim?


Tinha um ódio marcado – vestida de mármore.
Um desejo de sangrar – expelir o vinagre,
que fluía nas frases e na fonética tóxica de seus gritos.


               JOANA
          (continuando)
      Esta mania estúpida por jogo!


Não satisfeita, exibia-se nos palavrões da melhor cartilha
e, como condimento a toda pungente lida,
varou a cortina o embrulho do pão e a tinta do gim.
Puto, pedi as findas contas e a melhor bermuda.


            EU
    Para cá, eu não volto! Levo o canário e o microondas;
    a máscara grega – corroído o fio de fantasia;
    o último tom da Marselhesa – já exposto teu esboço
    de revolução.


CLOSE – A CORTINA, AS QUINAS, OS FARELOS


Lívida, mirou sem muito critério.


VOLTA À CENA

De seus olhos mornos, ralos incertos,
despida a miúda lágrima, lenta, colhendo cascalhos
nas poças do sebo, dos afluentes nos lábios.
Ficou a lembrança do olfato buscando o feromônio da roupa.
As mandíbulas de saúva gemendo os ruídos do sexo
espontâneo, aninhando nos jornais entreabertos;
o gole do magma escoando no epicentro do corpo.


CORTA PARA:

EXT. CASA – GARAGEM – DIA

ENTRA A TRILHA SONORA: BOLERO DE RAVEL

Então tocaram-me os dedos (mudara o esmalte).
Pedra e feminina, catapultada em meus braços,
trêmula, adentrada num rasgo de lança e volúpia, sussurrava.


CLOSE– A BOCA DE JOANA

           JOANA
          Não pára,
          não pára,
          não pára

 

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Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Rodrigo Magalhães


 

Geminal


Éramos pelo suor, e ela me questionava.


 Por que as unhas de afobação?


Outrora, eu conheci um aquário.
Um aquário do Gênese, macho
e fêmea segundo a sua espécie.
E havia lagostins, cuja carne era de um fundo
que as pinças sabiam. Sabiam, e se esgrimiam.


 E por essa visão de crepúsculo fui farta de costas?


O meu avô tinha lavoura e rebanho de corte.
Os bois nada percebiam do corte. E as vacas,
sem ignorância, ensinavam-lhes a cobrir.
Elas imaginavam no olho deles a aurora,
e a estocada.


 E o banho? por que o meu corpo há de ser na espuma?


O mar de minha terra era de cima
para baixo. Fluía e se quebrava.
À tarde, a maré recolhia os pedaços
numa linha mais humilde de margem.
E o ouriço macho, ali, plantado,
disse: a nado!
Longe, os gametas fecundaram.


 Mas a nuca? o que promete ao teu nariz e à tua vontade?


Um amor de mariposa cabe no muro. Um amor vertical.
E qual me consta da enciclopédia, nunca houve vertigem.
Há sacrifício e, pelo caminho,
um perfume.


 E a que fim esta voz se rasgando?


As rãs, somente vistas atrás do espelho,
numa cal de banheiro. Óbvio,
elas só pensam no úmido. Coaxam.
Com dedos molhados, algo tateia o outro fôlego.


 E agora, onde a tua palavra?


O coito já é morno
quando o louva-a-deus fêmea aproxima gesto mais firme.
O macho esperando – pensa que é um segredo.
Mais alguns segundos, e é nítida a fome dela na cabeça dele.
Ela só queria silêncio.

 


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Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

Rodrigo Magalhães



Réptil


A serpente, o aligátor, o dragão de Komodo.
Dentre todos os animais, o réptil é o traço da libido.


Principalmente aqueles, sob as escamas
vindas do áspero.
Um toque mais fundo e os gumes eriçando.


Já nos olhos, pupila-fenda guardando
os objetos noturnos, a visão sorrateira
do bicho que caça.


Mas é na língua, pelos caminhos, dois,
difusos, que a nudez transeunte se esgarça.


Segredos de uma língua
bifurcada.


E Joana, quando crua,
caso úmida, completa o sutil desenho: bifurcado.

 


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William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

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Natércia Campos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

Rodrigo Magalhães


 

Eva e outros nomes


Menino    Na verdade, quanto podem além da sílaba?

Moço       O nome no sopro leve, ou palavra canina,
               a curva subindo e se cumprindo nas linhas,
               o sim, o batom, o sopro e o gole.

Menino    Invernam?

Moço       Sem perder o mistério, a Polinésia.

Menino    E quando caem e se perdem no verbo?

Moço       Nas pernas, cruzando, nódulo e crucifixo,
               o blecaute da virgem cede sem o peso do alarde.
               Nos ombros, medem pele e guerra se num vestido sem alça.

Menino   Não dá um baço na vista?

Moço      Dá um traço barroco, dá a vulva na língua,
              o arado da unha, o princípio do ímã,
              o beijo
              e outras formas noturnas.
 


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Titian, Noli me tangere

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José Peixoto Jr

 

 

 

28/03/2005