Rodrigo Magalhães
Feromônio
(poema-roteiro)
INT. CASA – SALA – DIA
Domingo, mal Joana acordou, eu vi a insônia de seus gestos
e maiores interjeições – é difícil esconder a cara de porre.
Espetou-me o cambaleio com argumentos e farelos de antiga broa,
inda cuspindo-me a fração de água e dentifrício.
JOANA
Porra, por que todo homem é assim?
Tinha um ódio marcado – vestida de mármore.
Um desejo de sangrar – expelir o vinagre,
que fluía nas frases e na fonética tóxica de seus gritos.
JOANA
(continuando)
Esta mania estúpida por jogo!
Não satisfeita, exibia-se nos palavrões da melhor cartilha
e, como condimento a toda pungente lida,
varou a cortina o embrulho do pão e a tinta do gim.
Puto, pedi as findas contas e a melhor bermuda.
EU
Para cá, eu não volto! Levo o canário e o microondas;
a máscara grega – corroído o fio de fantasia;
o último tom da Marselhesa – já exposto teu esboço
de revolução.
CLOSE – A CORTINA, AS QUINAS, OS FARELOS
Lívida, mirou sem muito critério.
VOLTA À CENA
De seus olhos mornos, ralos incertos,
despida a miúda lágrima, lenta, colhendo cascalhos
nas poças do sebo, dos afluentes nos lábios.
Ficou a lembrança do olfato buscando o feromônio da roupa.
As mandíbulas de saúva gemendo os ruídos do sexo
espontâneo, aninhando nos jornais entreabertos;
o gole do magma escoando no epicentro do corpo.
CORTA PARA:
EXT. CASA – GARAGEM – DIA
ENTRA A TRILHA SONORA: BOLERO DE RAVEL
Então tocaram-me os dedos (mudara o esmalte).
Pedra e feminina, catapultada em meus braços,
trêmula, adentrada num rasgo de lança e volúpia, sussurrava.
CLOSE– A BOCA DE JOANA
JOANA
Não pára,
não pára,
não pára
Próximo...
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