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Rogério Pereira

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

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Resenha, ensaio & comentário: 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

Rogerio Pereira

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

 

 

 

 

 

 

 

 

Soares Feitosa, dez anos

 

 

 

 

 

 

 

 

José Peixoto Jr

Rogério Pereira

Jornal Rascunho

 

Entre o crítico e o artista está a obra. Nada mais elementar. E esta é objeto de desejo tanto de um quanto de outro numa intensidade excêntrica, mas nunca díspar, pois são dois amantes em pólos distintos a vislumbrar um objeto de desejo. O problema — traduzido sempre numa salutar e, por isso, importante polêmica — está nos ângulos, nos desejos, nos egos, na prepotência, enfim nos sentimentos que tanto inquietam a análise dos extremos dessa discussão. É claro que a isenção sob determinada perspectiva é ponto de partida e de chegada para qualquer crítico sobre toda a obra. Mas como alerta Wilson Martins, o principal crítico literário em atividade no Brasil, na apresentação de Mestre da Crítica (Imprensa Oficial do Paraná/Topbooks, 312 págs.), lançado em homenagem aos 80 anos do crítico, um dos mais importantes lançamentos do ano devido ao seu valor histórico e, principalmente pelo texto o Crítico por ele mesmo, assinado, obviamente, por Martins, “toda crítica autêntica não pode se render à polêmica, embora ela tenha sempre um fundo polêmico”. Essa frase é o ponto nevrálgico entre crítico e autor. A polêmica gerada pelos textos críticos (cada vez mais escassos nos jornais e relegados aos restritos meios acadêmicos) é a imprescindível elevação da cultura em qualquer canto do mundo.

Suscitar a polêmica — traduzida na discussão de idéias — é, sem dúvida, o grande e, talvez único, objetivo da crítica. Mesmo ao enaltecer determinado autor ou obra, o crítico está despejando grandes doses de polêmica em infinitos meios relacionados a um mesmo fim. Os detratores ou opositores a tal obra/autor serão os primeiros a vociferar contra a crítica e o crítico, que deveriam ser vistos como seres distantes apesar de encarnarem um mesmo personagem. Tornou-se comum associar o autor ao texto, com a ira de um guerreiro ferido. É claro que são dissociáveis, pelo menos na compreensão intelectual. Aí, nesse emaranhado de egos que é a literatura, surgem guerreiros com tacapes nas mãos, loucos para arrebentar a cabeça de quem o detratou. E a regra é uma via de ida e volta. O caminho é seguir os ensinamentos (sempre sólidos) de Martins: “o clima da crítica é a polêmica, mas não a polêmica de ataques e de destruição de adversários, mas o debate das idéias, a discussão e o confronto das idéias”. É óbvio que muitos já caíram nessa prazerosa armadilha, encharcada de ironia. Que atire a primeira pedra quem nunca pecou!

E para tal, devemos, sempre, evocar a razão: arma indestrutível nesse mundo de idéias. E os julgamentos desconectados de uma razão tendem a cair no prosaico mundo dos ataques, pois como tão bem define o filósofo Olavo de Carvalho (Jesus e a pomba de Stalin, O Globo, 20 de outubro), “razão é o senso da unidade do real, que se traduz na busca da coesão entre experiência e memória, percepções e pensamentos, atos e palavras etc.”. E aí, mais uma vez, Martins dá a sua pincelada de sabedoria, que aqui parece óbvia, mas de suma importância para abrir determinadas cabeças tacanhas: “claro, quem sabe só literatura não sabe nem literatura — a qualidade e eficácia da crítica medem-se pela extensa erudição a que você se refere. Contudo, a erudição nada vale sem intuição, e vice-versa”. E a intuição só é conseguida, quando a razão está necessariamente embutida. Não falemos de maneira rasteira dos animais irracionais, que cairemos numa discussão infinita sobre o nada. E se remetemos tal pensamento novamente a Olavo de Carvalho e ao senso da unidade do real, teremos que “a capacidade lógica é uma expressão parcial e limitada desse senso. Também são expressões dele o senso estético e o senso ético: o primeiro anseia pela unidade das formas sensíveis, o segundo pela unidade entre saber e agir. Tudo isso é razão”. O uso dessa razão é que levará o crítico a uma percepção mais próxima da justiça de determinada obra.

Tudo o que aliena e foge de percepção crítica também move-se com sarcasmo (diferentemente da ironia elevada, a de Sócrates) nos meios literários. E nessa armadilha, todos caímos. Eu, inclusive (em tempo: não considero-me um crítico, mas um jornalista com um olhar aguçado sobre o mundo literário), mas nem por isso me eximo da culpa da injustiça em alguns casos. Poucos, é verdade. Pouquíssimos. O resenhismo tão em voga e condenado por muitos críticos é, em boa parte, responsável pela criação de picuinhas inimagináveis, pois, assim como a crítica (análise), também deve ser exercido com a razão e a responsabilidade sobre o seu impacto. É claro que devemos delimitar o campo das picuinhas com o das polêmicas, já citado aqui. As picuinhas formam-se nos grupelhos literários espalhados e fartos pelo país. É claro que as panelinhas são mais fortes e intensas entre escritores e poetas do que entre os críticos, estes caracterizados pelo distanciamento. Cabe ao crítico o olhar distante, enquanto que muitos escritores convivem com a efervescência de determinados grupos e unem-se no combate a outros. Se olharmos para São Paulo e Rio de Janeiro, onde a produção literária é intensa, veremos tais grupinhos em larga escala. E entre eles, bajulam-se, lambem-se num ritual da exacerbação de qualidades, muitas vezes, bem duvidosas. Meter a colher nesse meio é estar preparado para uma batalha. Às vezes, rasteira. E o crítico (visto apenas como um detrator quando sua visão não vislumbra a tão referida “qualidade” em determinada obra) será sempre o alvo do juízo feroz. É óbvio que tais agrupamentos não sobrevivem em si mesmos e alguns sobressaem-se sobre os demais. É a seleção natural das coisas. São grupos minoritários que em seu conjunto têm pouca importância. Nunca dei muita atenção às chamadas correntes literárias ou movimentos literários, como os concretistas, os beats, a geração mimeógrafo etc. É claro que têm a sua importância, mas sempre preferi uma análise individual de cada autor. Os cânones, como tanto gostam de cunhar os norte-americanos, sobressaem-se na algaravia dos movimentos.

E nesse embate entre os infinitos motivos que movem a paixão literária (e olhe que paixão é uma das antíteses da razão; nem sempre) está a qualidade literária. Mas o que é qualidade literária? A resposta solidifica-se com o tempo, como ensina Wilson Martins.

(coluna publicada em 22/10/2001)

Rogerio Pereira

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Thiago de Mello

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

 

 

 

 

 

 

 

 

Soares Feitosa, dez anos

 

 

 

 

 

 

 

Manoel de Barros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Wilson Martins

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Grief of the Pasha

 

 

 

 

 

Roberto Pompeu de Toledo

Rogério Pereira

Jornal Rascunho

julho 2003

 

Bonitinho, mas ordinário
Novo livro de Arnaldo Antunes é um belo objeto de decoração. Nada mais

reprodução
Arnaldo Antunes
Antunes: belo livro de fotografias

Rogério Pereira — Curitiba - PR

Et eu tu
Arnaldo Antunes/Marcia Xavier
Cosac & Naify
137 págs.


Arnaldo Antunes e seus cabelos espetados têm lugar cativo na música brasileira, mais precisamente no rock (este ser que desafina a razão). Suas letras e liderança no grupo Titãs, na década de 80, deram-lhe uma merecida notoriedade. Ao lado de Marcelo Fromer, Tony Bellotto, Nando Reis, Sérgio Britto, Paulo Miklos & Cia, Arnaldo fez uma geração sacolejar ao som de músicas como Televisão (A televisão me deixou burro, muito burro demais/ Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais); Não vou me adaptar (Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia,/ Eu não encho mais a casa de alegria./ Os anos se passaram enquanto eu dormia,/ E quem eu queria bem me esquecia); Bichos escrotos (Bichos,/ Saiam dos lixos./ Baratas, me deixem ver suas patas./ Ratos, entrem nos sapatos/ Do cidadão civilizado). E ainda sucessos como Cabeça dinossauro, Jesus não tem dentes no país dos banguelas, Comida... O rol é imenso e contribuiu para formar uma importante geração do rock brasileiro, ao lado de grupos como Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Engenheiros do Hawaii. Até aí tudo são flores (sem trocadilhos, por favor).

Contudo, a "inquietação artística" fez com que Arnaldo Antunes, em 1992, após dez anos de convívio, largasse o sucesso titânico e buscasse "dar vazão a um desejo de lidar com outros gêneros e abarcar uma diversidade maior" (conforme disse em entrevista à revista Et Cetera, número zero, 2003, Travessa dos Editores). O resultado são cinco CDS em carreira solo, até culminar no ajuntamento com o indefinível Carlinhos Brown e os gritos orgíacos de Marisa Monte, em Tribalistas, que também já conquistou zilhões de ouvintes. Em tempo: devido à carreira solo, Arnaldo Antunes é considerado (por quem?) um artista cult, ou seja, é amado e respeitado, mas ninguém sabe explicar muito bem o porquê. Toda esta lengalenga aqui (dispensável, com certeza) nada mais é que uma pincelada para mostrar a importância (ou suposta) que Arnaldo Antunes, 43 anos, conquistou na cultura brasileira. Discutível, é claro, mas visível.

É a partir da saída dos Titãs que se fortalece o seu projeto multimídia, que abrange o texto, imagem, música, produção gráfica, performances e por aí afora. Fortalece-se (?) também o Antunes poeta. E aqui começam os problemas. Ele deseja ser reconhecido como poeta. Com o lançamento de Et eu tu, em parceria com a fotógrafa e artista plástica Marcia Xavier, ele já pode comemorar — Arnaldo Antunes consolida-se como poeta: ruim, bem ruim, com passadas firmes a um retrocesso poético, revestido com um verniz moderno ou pós-moderno (como já exigem alguns teóricos mais avançadinhos). Se os sete livros do ex-Titãs têm como objetivo mostrar sua performance (bem ao estilo antunesiano) poética, os dois últimos são a prova de que ele está perdido num labirinto de ingenuidades. Quando, em 2002, deu à luz — sem muito esforço, creio — Palavra desordem (Iluminuras), um livro alvo, claro, como uma reprodução do paraíso cristão, Antunes parecia mostrar toda a sua gana de experimentar com a palavra — mesmo que estes experimentos não passassem da diluição do já surrado concretismo: o músico-poeta chega tarde à festa e quer ser o centro das atenções, quando dois casais há décadas fazem um strip-tease ao som de Carlinhos Brown na pista de dança.

Palavra desordem é uma ode ao vazio — tanto no projeto gráfico assinado pelo polivalente tribalista, cujos poemas são letras vazadas no fundo branco, a capa é toda branca com palavras em relevo, não há números de páginas e tampouco informações sobre o poeta (e quem não há de conhecer o poeta tribalista Arnaldo Antunes?!). O vazio (não o tomemos como um defeito, pois o livro é bonito) gráfico completa-se com o da poesia — este, sim, de uma falta de criatividade a chafurdar no lugar-comum. Eis alguns exemplos, escolhidos ao léu: "A morte é certa", "A vida é curta", "Nenhum motivo explica a guerra", "Quem tem cão caça com cão", "Vejo como um beijo", "Pergunte à resposta", e as poesias — sim cada frase entre aspas tem o anseio de ser poesia — seguem nesse rumo um tanto insólito, diria alguém mais otimista. Se aleatoriamente os poemas não dizem nada, em conjunto também não. O uso proposital do lugar-comum (e só posso acreditar que seja proposital) não consegue efeito algum: o vazio consolida-se. Heureca! Aqui, então, reside a grandeza deste livro: a exacerbação do nada (Argh!!!). Qualquer crítico-ficcionista — eles são uma horda das mais barulhentas — poderia dizer que "Arnaldo Antunes explora ao máximo o lugar-comum como forma de mostrar o esvaziamento da alma humana diante da barbárie do cotidiano". Uma bela saída do labirinto. Até que ficou bonito. Autorizo a publicação em uma orelha de um próximo livro de Arnaldo Antunes. Aí, assinarei com o meu pseudônimo Heureca Antunes da Silva.

Ah!, estava me esquecendo. Em Palavra desordem, há um "verso" que muito me chamou a atenção: "O sexo regenera o cérebro". Hummm!!!

(Este parêntesis é necessário para trazer a poesia à vida, onde ela realmente deve estar, longe ao máximo de teorias e exacerbações críticas, como esta, diga-se. Dias desses, meu cunhado — um cidadão apaixonado por música, colecionador de CDs, e amante dos Titãs, pediu-me se eu tinha algum livro de poesia de Arnaldo Antunes, pois ele gostaria muito de ler os versos do ídolo. Na balbúrdia de minha biblioteca, catei um exemplar de Palavra desordem [azar o dele] e o entreguei: "veja este". Não seria tão hipócrita ao ponto de dizer: "leia este". Após alguns minutos — deixei-o a sós com as palavras do ex-Titãs —, ele me disse, com uma cara de desapontado: "mas isso aqui é poesia? Eu também faço um livro desses. Que decepção!")

Este exemplo prático mostra que a poesia de Arnaldo Antunes também serve para desapontar aqueles que na juventude dos anos 80 balançaram a cabeça ao som titânico. Triste reencontro.

Do nada à fotografia
Se em Palavra desordem, Antunes optou pelo despojamento total de conteúdo, em Et eu tu — com certeza um dos mais belos livros lançados neste ano; belo pelas fotos, é claro —, o poeta busca o acúmulo de informação para tentar consolidar-se como grande multimídia pós-moderno brasileiro. Ao mesclar as lindas fotos de Marcia Xavier a seus poemas, AN consegue estampar em grande estilo a fragilidade de sua poesia, que se perde entre as fotografias. Os olhos vêem apenas fotos e alguma sujeira em forma de palavra. Apenas um exemplo, entre tantos:

 

 

:

 

a sós
.

 

de cos

 

tas
as

 

:

 

sim

 

em si

 

:

 

nuca

 

.



Ao lado destes inventivos versos, a foto de uma nuca. Não dá para levar isso a sério. Tomemos como uma brincadeira de um quarentão, que gosta de passear no parque com os filhos e lambuzar-lhes a cara com sorvete. Só assim, com muito bom humor.

Segundo informa o material de divulgação de Et eu tu, o trabalho consumiu três anos. Há gente com tempo para tudo nesta vida (vejam o meu caso, aqui numa tarde ensolarada debruçado sobre a obra antunesiana). Antunes e a artista plástica Marcia Xavier iniciaram uma troca de e-mails. Marcia enviava fotos e foto-montagens (algumas belíssimas, repito) e Arnaldo do outro lado da tela respondia com, digamos, poemas. A troca é, na definição dele, "a parceria de dois códigos", ou como também disse em entrevista à Et Cetera: "a intenção do projeto é criar um pensamento, uma afinidade estrutural ou isomórfica, que transcenda a relação do texto ilustrado ou da legenda". Bonito! Pois bem. Há um diálogo, sem dúvida, entre dois códigos, mas é como ver à distância a Gisele Bündchen. conversando um sujeito muito gago, mas muito gago mesmo (em tempo: nada contra os gagos): vamos prestar atenção na beleza da moçoila (mulheres, façam a imagem que melhor lhes convier: troquem a Gisele por um galã do momento). Ao nos aproximarmos da cena, o riso será inevitável. As fotografias de Marcia Xavier são a Gisele Bündchen; as letras do Arnaldo são o gago, muito gago mesmo.

Discutir aqui a relação de Arnaldo Antunes com a poesia concreta seria perda de tempo. Ela é visível e o poeta não se cansa de dizer que tem em seu altar os poetas Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari, Paulo Leminski & cia. O que é de se questionar é a sua passividade diante da poesia (seja ela concreta ou não) e a falta de inovação. Ao tentar avançar, num joguinho ingênuo de palavras, nada mais faz do que regressar aos primórdios do concretismo. E também não investe nesta linguagem, de onde algo interessante poderia sair, apesar de a poesia concreta já se mostrar esgotada. Ao apostar na visualidade, no poema-piada, nos trocadilhos, Arnaldo Antunes mostra-se infantil e de pouquíssima criatividade, contrariando toda a força que apresentou em algumas letras na década de 80, nos Titãs. Talvez a poesia esteja esgotada em todos os cantos (o que é novo na literatura?), mas há poetas que com muita força tecem uma obra de leitura prazerosa, sem apelar para invencionices inócuas. Os exemplos são visíveis: a prosa poética de Carpinejar; a limpeza extrema na linguagem de Carlos Vogt (este há um bom tempo na estrada); a busca por uma profundidade extrema de Alexei Bueno; o voltar-se às raízes de Iacyr Anderson Freitas. Há outros tantos exemplos, mas estes ilustram a possibilidade de se fazer uma poesia passível do nome. Arnaldo Antunes poderia estar entre os poetas de destaque (?), se em seu projeto (e ele tem um) multimídia apostasse na inteligência e na fuga da facilidade. Parece que ele acredita que qualquer coisa vira poesia, como um menino na pré-adolescência.

Nem mesmo quando apostou em poemas "longos", sem o uso de grafismos, Antunes acertou a mão. Mostrou a mesma pobreza lírica que pontua toda sua obra. No poema Pensamento, de Tudos (1992), lemos:

(...)
Se tudo que comemora
tem o seu impedimento,
se tudo aquilo que chora
cresce com o seu fermento;
pensamento, dê o fora,
saia do meu pensamento.
Pensamento, vá embora,
desapareça no vento.
E não jogarei sementes
em cima do seu cimento.


As rimas pobres abundantes são passíveis de pena: impedimento/ fermento/ pensamento/ vento/ cimento. Ao que tudo indica, o pensamento de Arnaldo Antunes obedeceu: foi-se com o vento, para nunca mais voltar em nenhum momento. (Também faço cá minhas pobres rimas). Portanto, a poesia do ex-Titãs, atual tribalista, patina entre a pobreza das rimas, os malabarismos gráficos, o casamento com a fotografia, o engatar ou dividir aleatório de palavras (ao contrário de Sebastião Uchoa Leite, Arnaldo Antunes não sabe separar sílabas), para provar que é apenas mais uma na sucata da poesia brasileira.

P.S. Façamos justiça: Et eu tu pode ser utilizado como um belo objeto de decoração. Basta deixá-lo aberto sobre uma mesa da sala (recomendo as páginas em que há somente fotos). Chamará a atenção das visitas do café da tarde de domingo. "De quem é?", perguntarão. "Do Arnaldo Antunes, ex-Titãs, atual tribalista", hei de responder. O problema é pagar quase R$ 80 no livro. Melhor comprar aquelas estatuetas de bronze na feirinha de domingo.

ROGÉRIO PEREIRA é editor do Rascunho.

Rogerio Pereira

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

alphonsus Guimaranes Filho