Rogério
Pereira
julho 2003
Bonitinho, mas ordinário
Novo livro de Arnaldo Antunes é um
belo objeto de decoração. Nada mais
reprodução
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Antunes:
belo livro de fotografias |
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Rogério Pereira —
Curitiba - PR
Et eu tu
Arnaldo Antunes/Marcia Xavier
Cosac & Naify
137 págs.
Arnaldo Antunes e seus cabelos espetados têm lugar cativo na música
brasileira, mais precisamente no rock (este ser que desafina a razão).
Suas letras e liderança no grupo Titãs, na década de 80,
deram-lhe uma merecida notoriedade. Ao lado de Marcelo Fromer, Tony
Bellotto, Nando Reis, Sérgio Britto, Paulo Miklos & Cia,
Arnaldo fez uma geração sacolejar ao som de músicas como Televisão
(A televisão me deixou burro, muito burro demais/ Agora todas
coisas que eu penso me parecem iguais); Não vou me adaptar (Eu não
caibo mais nas roupas que eu cabia,/ Eu não encho mais a casa de
alegria./ Os anos se passaram enquanto eu dormia,/ E quem eu queria
bem me esquecia); Bichos escrotos (Bichos,/ Saiam dos lixos./
Baratas, me deixem ver suas patas./ Ratos, entrem nos sapatos/ Do
cidadão civilizado). E ainda sucessos como Cabeça dinossauro,
Jesus não tem dentes no país dos banguelas, Comida... O rol é
imenso e contribuiu para formar uma importante geração do rock
brasileiro, ao lado de grupos como Paralamas do Sucesso, Legião
Urbana e Engenheiros do Hawaii. Até aí tudo são flores (sem
trocadilhos, por favor).
Contudo, a "inquietação artística" fez com que Arnaldo
Antunes, em 1992, após dez anos de convívio, largasse o sucesso
titânico e buscasse "dar vazão a um desejo de lidar com
outros gêneros e abarcar uma diversidade maior" (conforme
disse em entrevista à revista Et Cetera, número zero, 2003,
Travessa dos Editores). O resultado são cinco CDS em carreira solo,
até culminar no ajuntamento com o indefinível Carlinhos Brown e os
gritos orgíacos de Marisa Monte, em Tribalistas, que também já
conquistou zilhões de ouvintes. Em tempo: devido à carreira solo,
Arnaldo Antunes é considerado (por quem?) um artista cult, ou seja,
é amado e respeitado, mas ninguém sabe explicar muito bem o porquê.
Toda esta lengalenga aqui (dispensável, com certeza) nada mais é
que uma pincelada para mostrar a importância (ou suposta) que
Arnaldo Antunes, 43 anos, conquistou na cultura brasileira. Discutível,
é claro, mas visível.
É a partir da saída dos Titãs que se fortalece o seu projeto
multimídia, que abrange o texto, imagem, música, produção gráfica,
performances e por aí afora. Fortalece-se (?) também o Antunes
poeta. E aqui começam os problemas. Ele deseja ser reconhecido como
poeta. Com o lançamento de Et eu tu, em parceria com a fotógrafa e
artista plástica Marcia Xavier, ele já pode comemorar — Arnaldo
Antunes consolida-se como poeta: ruim, bem ruim, com passadas firmes
a um retrocesso poético, revestido com um verniz moderno ou pós-moderno
(como já exigem alguns teóricos mais avançadinhos). Se os sete
livros do ex-Titãs têm como objetivo mostrar sua performance (bem
ao estilo antunesiano) poética, os dois últimos são a prova de
que ele está perdido num labirinto de ingenuidades. Quando, em
2002, deu à luz — sem muito esforço, creio — Palavra desordem
(Iluminuras), um livro alvo, claro, como uma reprodução do paraíso
cristão, Antunes parecia mostrar toda a sua gana de experimentar
com a palavra — mesmo que estes experimentos não passassem da
diluição do já surrado concretismo: o músico-poeta chega tarde
à festa e quer ser o centro das atenções, quando dois casais há
décadas fazem um strip-tease ao som de Carlinhos Brown na pista de
dança.
Palavra desordem é uma ode ao vazio — tanto no projeto gráfico
assinado pelo polivalente tribalista, cujos poemas são letras
vazadas no fundo branco, a capa é toda branca com palavras em
relevo, não há números de páginas e tampouco informações sobre
o poeta (e quem não há de conhecer o poeta tribalista Arnaldo
Antunes?!). O vazio (não o tomemos como um defeito, pois o livro é
bonito) gráfico completa-se com o da poesia — este, sim, de uma
falta de criatividade a chafurdar no lugar-comum. Eis alguns
exemplos, escolhidos ao léu: "A morte é certa", "A
vida é curta", "Nenhum motivo explica a guerra",
"Quem tem cão caça com cão", "Vejo como um
beijo", "Pergunte à resposta", e as poesias — sim
cada frase entre aspas tem o anseio de ser poesia — seguem nesse
rumo um tanto insólito, diria alguém mais otimista. Se
aleatoriamente os poemas não dizem nada, em conjunto também não.
O uso proposital do lugar-comum (e só posso acreditar que seja
proposital) não consegue efeito algum: o vazio consolida-se.
Heureca! Aqui, então, reside a grandeza deste livro: a exacerbação
do nada (Argh!!!). Qualquer crítico-ficcionista — eles são uma
horda das mais barulhentas — poderia dizer que "Arnaldo
Antunes explora ao máximo o lugar-comum como forma de mostrar o
esvaziamento da alma humana diante da barbárie do cotidiano".
Uma bela saída do labirinto. Até que ficou bonito. Autorizo a
publicação em uma orelha de um próximo livro de Arnaldo Antunes.
Aí, assinarei com o meu pseudônimo Heureca Antunes da Silva.
Ah!, estava me esquecendo. Em Palavra desordem, há um
"verso" que muito me chamou a atenção: "O sexo
regenera o cérebro". Hummm!!!
(Este parêntesis é necessário para trazer a poesia à vida, onde
ela realmente deve estar, longe ao máximo de teorias e exacerbações
críticas, como esta, diga-se. Dias desses, meu cunhado — um cidadão
apaixonado por música, colecionador de CDs, e amante dos Titãs,
pediu-me se eu tinha algum livro de poesia de Arnaldo Antunes, pois
ele gostaria muito de ler os versos do ídolo. Na balbúrdia de
minha biblioteca, catei um exemplar de Palavra desordem [azar o
dele] e o entreguei: "veja este". Não seria tão hipócrita
ao ponto de dizer: "leia este". Após alguns minutos —
deixei-o a sós com as palavras do ex-Titãs —, ele me disse, com
uma cara de desapontado: "mas isso aqui é poesia? Eu também
faço um livro desses. Que decepção!")
Este exemplo prático mostra que a poesia de Arnaldo Antunes também
serve para desapontar aqueles que na juventude dos anos 80 balançaram
a cabeça ao som titânico. Triste reencontro.
Do nada à fotografia
Se em Palavra desordem, Antunes optou pelo despojamento total de
conteúdo, em Et eu tu — com certeza um dos mais belos livros lançados
neste ano; belo pelas fotos, é claro —, o poeta busca o acúmulo
de informação para tentar consolidar-se como grande multimídia pós-moderno
brasileiro. Ao mesclar as lindas fotos de Marcia Xavier a seus
poemas, AN consegue estampar em grande estilo a fragilidade de sua
poesia, que se perde entre as fotografias. Os olhos vêem apenas
fotos e alguma sujeira em forma de palavra. Apenas um exemplo, entre
tantos:
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Só |
|
: |
|
a
sós
. |
|
de
cos |
|
tas
as |
|
: |
|
sim |
|
em
si |
|
: |
|
nuca |
|
. |
Ao lado destes inventivos versos, a foto de uma nuca. Não dá para
levar isso a sério. Tomemos como uma brincadeira de um quarentão,
que gosta de passear no parque com os filhos e lambuzar-lhes a cara
com sorvete. Só assim, com muito bom humor.
Segundo informa o material de divulgação de Et eu tu, o trabalho
consumiu três anos. Há gente com tempo para tudo nesta vida (vejam
o meu caso, aqui numa tarde ensolarada debruçado sobre a obra
antunesiana). Antunes e a artista plástica Marcia Xavier iniciaram
uma troca de e-mails. Marcia enviava fotos e foto-montagens (algumas
belíssimas, repito) e Arnaldo do outro lado da tela respondia com,
digamos, poemas. A troca é, na definição dele, "a parceria
de dois códigos", ou como também disse em entrevista à Et
Cetera: "a intenção do projeto é criar um pensamento, uma
afinidade estrutural ou isomórfica, que transcenda a relação do
texto ilustrado ou da legenda". Bonito! Pois bem. Há um diálogo,
sem dúvida, entre dois códigos, mas é como ver à distância a
Gisele Bündchen. conversando um sujeito muito gago, mas muito gago
mesmo (em tempo: nada contra os gagos): vamos prestar atenção na
beleza da moçoila (mulheres, façam a imagem que melhor lhes
convier: troquem a Gisele por um galã do momento). Ao nos
aproximarmos da cena, o riso será inevitável. As fotografias de
Marcia Xavier são a Gisele Bündchen; as letras do Arnaldo são o
gago, muito gago mesmo.
Discutir aqui a relação de Arnaldo Antunes com a poesia concreta
seria perda de tempo. Ela é visível e o poeta não se cansa de
dizer que tem em seu altar os poetas Haroldo e Augusto de Campos, Décio
Pignatari, Paulo Leminski & cia. O que é de se questionar é a
sua passividade diante da poesia (seja ela concreta ou não) e a
falta de inovação. Ao tentar avançar, num joguinho ingênuo de
palavras, nada mais faz do que regressar aos primórdios do
concretismo. E também não investe nesta linguagem, de onde algo
interessante poderia sair, apesar de a poesia concreta já se
mostrar esgotada. Ao apostar na visualidade, no poema-piada, nos
trocadilhos, Arnaldo Antunes mostra-se infantil e de pouquíssima
criatividade, contrariando toda a força que apresentou em algumas
letras na década de 80, nos Titãs. Talvez a poesia esteja esgotada
em todos os cantos (o que é novo na literatura?), mas há poetas
que com muita força tecem uma obra de leitura prazerosa, sem apelar
para invencionices inócuas. Os exemplos são visíveis: a prosa poética
de Carpinejar; a limpeza extrema na linguagem de Carlos Vogt (este há
um bom tempo na estrada); a busca por uma profundidade extrema de
Alexei Bueno; o voltar-se às raízes de Iacyr Anderson Freitas. Há
outros tantos exemplos, mas estes ilustram a possibilidade de se
fazer uma poesia passível do nome. Arnaldo Antunes poderia estar
entre os poetas de destaque (?), se em seu projeto (e ele tem um)
multimídia apostasse na inteligência e na fuga da facilidade.
Parece que ele acredita que qualquer coisa vira poesia, como um
menino na pré-adolescência.
Nem mesmo quando apostou em poemas "longos", sem o uso de
grafismos, Antunes acertou a mão. Mostrou a mesma pobreza lírica
que pontua toda sua obra. No poema Pensamento, de Tudos (1992),
lemos:
(...)
Se tudo que comemora
tem o seu impedimento,
se tudo aquilo que chora
cresce com o seu fermento;
pensamento, dê o fora,
saia do meu pensamento.
Pensamento, vá embora,
desapareça no vento.
E não jogarei sementes
em cima do seu cimento.
As rimas pobres abundantes são passíveis de pena: impedimento/
fermento/ pensamento/ vento/ cimento. Ao que tudo indica, o
pensamento de Arnaldo Antunes obedeceu: foi-se com o vento, para
nunca mais voltar em nenhum momento. (Também faço cá minhas
pobres rimas). Portanto, a poesia do ex-Titãs, atual tribalista,
patina entre a pobreza das rimas, os malabarismos gráficos, o
casamento com a fotografia, o engatar ou dividir aleatório de
palavras (ao contrário de Sebastião Uchoa Leite, Arnaldo Antunes não
sabe separar sílabas), para provar que é apenas mais uma na sucata
da poesia brasileira.
P.S. Façamos justiça: Et eu tu pode ser utilizado como um belo
objeto de decoração. Basta deixá-lo aberto sobre uma mesa da sala
(recomendo as páginas em que há somente fotos). Chamará a atenção
das visitas do café da tarde de domingo. "De quem é?",
perguntarão. "Do Arnaldo Antunes, ex-Titãs, atual
tribalista", hei de responder. O problema é pagar quase R$ 80
no livro. Melhor comprar aquelas estatuetas de bronze na feirinha de
domingo.
ROGÉRIO PEREIRA é editor do Rascunho.
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