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Valdelice Pinheiro

24.1.1929, 24.8.1993, Itabuna, BA

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Fortuna crítica: 


Valdelice Soares Pinheiro nasceu em Itabuna, a 24 de janeiro de 1929. Filha de prestigiada família de desbravadores, estudou o primário em Ilhéus, em colégios como Nossa Senhora da Piedade e Colégio Municipal de Ilhéus. Licenciou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Foi diretora da Faculdade de Filosofia de Itabuna (antiga FAFI) e lecionou Estética e Ontologia na UESC - Universidade Estadual Santa Cruz. Como poetisa, publicou dois livros: "De Dentro de Mim" e "Pacto". Mas possui uma significativa obra inédita, poética e filosófica, prevista para futura publicação póstuma pela UESC.

      Sua poesia de traço intimista, filosófico e humanista mostra uma sensível preocupação com a natureza humana e as causas universalistas, tocada, principalmente, para a transformação dos valores, para a fraternidade e para uma visão reflexiva do mundo contemporâneo. Sensibilismo agudo expressado em conformidade com um lirismo leve e harmonioso, a poesia de Valdelice Pinheiro é dotada de questionamentos e indagações que fazem do seu processo criador um conjunto equilibrado entre poesia e ação, verso e matéria cotidiana, atestando, assim, o cunho filosófico que se molda na visão crítica do mundo e num sensível espírito que toma a poesia como causa maior que gesta o verso em cada respiração.

      Faleceu em Itabuna, no dia 29 de agosto de 1993, deixando em todos que admiravam a sua obra o vazio da saudade de uma poetisa que fez dos seus versos a síntese do universo em que seus olhos de filósofa viam.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ticiano, Flora

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

Valdelice Pinheiro


 

 

MONÓLOGO DA BOMBA
 

Quero que seque

a flor do trópico

em minhas mãos.

 

Quero que morra

entre meus dedos

o azul de todos os espaços.

 

Quero que murche

dentro de meu peito

o sorriso branco

de todos os homens.

 


ECOLOGIA

 

Eu queria dormir

dentro

das árvores

e sonhar os seus sonhos,

viver os seus amores.

 

Eu queria morar

dentro

das árvores e viver a justiça

de suas raízes.

 

Eu queria morrer

dentro

das árvores

e participar da glória

de renascer no chão,

como semente.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

Gustavo Felicíssimo


A POESIA NATURAL DE VALDELICE PINHEIRO

 

Os homens são iguais em direito, não em qualidade. Esse fato, além das características inatas de cada um, é que diferencia os seres. Assim acontece também com o poeta, e nesse caso, o que diferencia um de outro, são as suas vivências, incluindo-se também, de maneira específica, as suas leituras, seus estudos, seu cabedal de informações e o seu olhar sobre as questões fundamentais da humanidade.

Como disse Mário de Andrade, “o poeta é um fatalizado”, dessa forma, a ele é negado o livre-arbítrio, pois, ou se nasce poeta ou nunca se chegará a sê-lo.

Foi o que aconteceu com Valdelice Pinheiro, uma poetisa natural, como os aedos, que muitos séculos antes de se adaptar a escrita fenícia à língua grega e de se criar assim esse admirável instrumento de comunicação, que é o alfabeto, já compunham e sabiam de cor muitas canções. Mas ao contrário destes, Valdelice cantou as coisas simples da vida, seus anseios e angústias, não os feitos, de uma maneira acessível. Sobre isso ela mesma afirma que sua poesia é “toda nascida de uma linguagem cotidiana, sem rebuscos.” E desse mpodo ela canta: Os vagalumes desta noite/  iluminam minha noite/ e me emprestam/  sua luz e suas asas./Então, feliz,/ a estrada clareada,/ eu vou te ver.

Valdelice sabia que um poema necessita de uma sequência lógica, mas em seus poemas as palavras têm o seu sentido exato, quase dicionarizado, como no poema acima. Nele, a palavra “noite” é a noite mesmo, e por conta das imagens suscitadas quase podemos perceber a mulher caminhando sobre uma estrada iluminada por vaga-lumes.

Sabe-se, porem, que nenhum poema vive em estado de pureza, que nenhum poema é um objeto intocável ao ponto de explicar-se a si próprio. Mas nos versos abaixo, Valdelice Pinheiro parece jogar em nossos olhos estas demandas: O que é real? Até que ponto podemos decifrar o mundo, o ser e as coisas através do universo poético? Até que ponto a linguagem de um poema e as coisas do mundo são realidades conflitantes? Ou, caso não sejam, será que vemos nesse mundo transfigurado pela palavra a sua essência? Como então, senhores, lançar de volta os olhos para as coisas sem levar em conta sua decifração através da leitura?

 

Entre a inocência/ dos dedos do menino/ e o revólver/ na mão do assassino,/ há sempre um espaço/ de nada,/ um trágico destino./ Nem escola,/ nem casa,/ nem terra,/ nem pão./ Quando a inocência/ dos dedos do menino/ se quebra/ na mão engatilhada/ do assassino,/ perde-se a paz,/ porque um homem escapou/ de seu menino.

 

De algum modo essas ocorrências nas palavras, este efeito que as faz refletir sobre si mesmas, estão dizendo para nós que o mundo pode significar outra coisa; e essa voz impertinente nos coloca nas frestas do mundo, onde o mundo deixa de ser o que é para se tornar linguagem, mas que assim fazendo restaura seu sentido pleno.

Lamenta-se apenas que a autora, ao longo da sua vivência com a escrita não tivesse tido passagens pelo verso medido, não para perceber o que nele pulsa, mas pelo inegável crescimento que o estudo e o uso sistemático da versificação proporcionam ao autor, afinal, não são os 14 versos que fazem um soneto.

Os contestadores desta observação podem argumentar que tal linguagem já teria sido derrubada pelo modernismo, no entanto, a abertura proporcionada pela geração de 22 também se ritualizou e possibilitou o surgimento de um sem fim de poetas cujo pressuposto era o desconhecimento de tudo que os precedeu, como se a não utilização do verso medido representasse algum respaldo de qualidade para o verso chamado livre, que de livre não tem coisa alguma, pois um poema jamais se viu livre da forma, e sim da fôrma que a abriga desde que o mundo é mundo.

Mas aí são outros quinhentos...

 

Artigo publicado originalmente no caderno Banda B do Jornal Agora - Itabuna/Ba

 

 

 

Micheliny Verunschk

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José Peixoto Jr

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Soares Feitosa


 

Aqui no Ceará, quando temos qualquer dúvida sobre poesia do passado, um simples telefonema para o professor e poeta Sânzio de Azevedo e em minutos está tudo resolvido. Ele simplesmente tem todos os arquivos. Podemos, pois, dizer que Sânzio defende a poesia do Ceará. Contudo, um pouco mais longe, cadê os poetas da Bahia, quem os defende?

Tudo isto me vem a propósito de um belo livro de poesia que ganhei em Brasília: Expressão Poética de Valdelice Pinheiro, de Maria de Lourdes Netto Simões, Editus, edição de luxo, papel acetinado, coisa fina. Deu-mo o amigo Geraldo Brito, baiano da gema (aposentado do Senado), desterrado em Brasília. Aqui está dedicatória, calorosa:

 

 

Não conhecia a poeta. Fui ao... ao google. Pronto, se alguém existe, está no google; se não está, não existe. Será assim mesmo? Parece que é. Vejamos: consultar livros, enciclopédias, cadernos e bibliotecas, algo cada vez mais distante. Se isto é bom, se é ruim, outra história, preferencialmente com uma cervejinha e castanhas daqui. (Geraldo, convido-o!)

Em Fedro, de Platão, Sócrates demonstra as desvantagens da escrita: aniquilar com a memória. Em contrapartida, garante a memória. Em suma, qualquer questão e seus dois lados, um contra, o outro a favor.

A geração googleana — e assim já o somos, que todo mundo, dúvida qualquer, vai ao google; bom, a geração googleana em breve vai concluir que fora do google não há conhecimento. Ou há? Sei não.

Com google ou sem google não posso deixar de me emocionar com a generosidade de Geraldo em divulgar o livro de Valdelice. Ele diz: tenho dois livros, ambos com dedicatória; um é seu. Pois agora, ainda que só uma notícia do belo poema que transcrevo em símile, é do mundo... aliás, do google, essa "Alexandria".

No caso de Valdelice Pinheiro, em 31.8.2008, o google traz umas 300 ocorrências, que é um nada, digamos, frente a Paulo Coelho, com quase dois milhões de registros. Não estou concluindo que Valdelice seja melhor ou pior que Coelho; apenas a constatação de que o google está, geração atual, a garantir a "existência" da cultura. Se é assustador? claro que é!

Veja só, ainda em matéria de google: sempre imaginei que o uso do albocresil contra aftas fosse um segredo de uns poucos, que já repassei para um monte de amigos. Pois segundo o google, não é mais não. Basta digitar: aftas, á está o velho albocresil... até comunidades de "amigos do albocresil".

Em homenagem a Valdelice, graças ao presente de Geraldo Brito — ainda o bom e insubstituível livro de papel, mais a generosidade de guardar e presentear —, este poema:

 

EU QUERIA FICAR EM TUA MEMÓRIA