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Adelmar Tavares


 

Ciranda

 

... e, embora irmãs,
não se vêem, não se dão, não se parecem
as doze tecelãs...
GUILHERME DE ALMEIDA

 


Vejo a ciranda das horas,
moças lindas a cantar...
doze vestidas de branco,
umas de flores na testa,
outras de flores na mão...
E, no balanço da dança,
quando uma vem, outras vão...
 


Horas do dia e da noite...
Ó vocês! ... Lindas que são! ...
Qual será mesmo a minha Hora,
minha hora de Redenção?!...
Será das doze de branco,
ou das que de negro estão?!...
Qual virá, vindo o meu dia,
pousar a mão no meu peito,
parando o meu coração?!...
 


Poesias completas, Rio, 1958
 

 

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

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Nelson Ascher

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

 

 

 

 

 

Adelmar Tavares


 

Francisco, meu pai


Como que o vejo... O chapelão caído
Sobre a cabeça branca de algodão...
Buscando o campo, — o dia mal nascido,
Voltando à casa, o dia em escuridão.


Lavrador, fez da terra o ideal querido.
"Meu filho, a terra é que nos dá o pão",
Dizia-me. E cavava comovido,
A várzea aberta para a plantação...


Mas um dia, eu, pequeno, vi, cavando,
Sete palmos de campo, soluçando,
Uns homens rudes... Tempo que já vai!


"Francisco, adeus"! Diziam repetindo.
Meu pai desceu de branco... Ia dormindo
Fechou-se a terra... E não vi mais meu pai!
 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Edna Menezes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

Adelmar Tavares


 

Mistério

 

"Conheço um coração, tapera escura."
Bilac. (Tarde)
A Clementino Fraga

 


Que voz foi essa em meu ouvido?
Alguém falou no meu ouvido...
Que doce e estranha vibração
toma-me, agora, o coração?...
 


- Ninguém falou no teu ouvido...
Esses rumores todos são,
mistério sem explicação,
coisas de velho coração...
 


Mas esse aroma revivido
ao meu olfato? A exalação
que estou sentindo, de um vestido,
que era o jasmim do seu vestido,
que me não mente o coração?
 


- Oh, nada sentes!... Nada... Não...
Esses perfumes todos são,
do teu espírito abatido,
mera, fugaz perturbação.
Coisas de velho coração...
 


Ah que bem disse um Poeta, um dia,
que o triste, humano coração,
quando com o tempo envelhecia,
era também casa vazia,
de assombração...
 


O caminho enluarado, 1932
 

 

 

Da Vinci, Homem vitruviano

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Rodrigo Garcia Lopes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

Adelmar Tavares


 

Serenidade
 


Nunca de mim se ouviu um só protesto
de maldição, de cólera aturdida,
sequer uma palavra, ou mesmo um gesto
de malquerer a quem mais quis na vida.
 


Arrasto como a um fardo, a alma ferida,
e a dor que me crucia, manifesto,
sem jamais inculpar de fementida,
aquela que em meu sonho amo, e requesto.
 


Em perdendo-a, perdi toda a alegria
do coração que em mágoas apunhalo.
Perdi a luz!... Fechou-se o sol que eu via!...
 


Tudo abateu com a queda desse amor,
tão forte, que ainda sinto o seu abalo,
tão grande, que ainda escuto o seu fragor.
 


Noite cheia de estrelas, 1925
 

 

 

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Sérgio Castro Pinto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Adelmar Tavares


 

Trovas
 


Não sei porque, quando canto,
por mais alegre a canção,
tem uma gota de pranto
que vem do meu coração.
 


*
 


Eu vi o rio chorando
quando te foste banhar,
por não poder te banhando,
dar-te um abraço, e ficar...
 


*
 


Oh lindos olhos magoados,
de tanta melancolia...
- Da tristeza desses olhos
é que vem minha alegria.
 


*
 


Amar é obra perdida
mas, que dissessem, queria,
se não fosse amar na vida,
a vida, que valeria?!
 


*
 


As penas em que hoje estou,
disse-as ao Sol, - fez-se triste.
Disse-as à Noite, - chorou...
Disse-as a ti, e sorriste...
 


*
 


Não lamento a minha lida,
nem, pobre, choro os meus ais.
Quem tem um amor na vida,
tem tudo! Para que mais?
 


*
 


Vou vivendo a minha vida,
como Deus quer e consente.
- Sou como a folha caída,
levada pela corrente.
 


*
 


Trovas, - cantiga do povo,
alma ingênua dos caminhos,
de lavradores, cigarras,
mulheres, e passarinhos...
 


*
 


Para esquecer-te, outras amo,
mas vejo, por meu castigo,
que qualquer outra que eu ame,
parece sempre contigo...
 


*
 


Para de amor cantar mágoas,
foi que se fez o violão,
que a gente aperta no peito,
e encosta no coração...
 


*
 


Quem tiver amor, esconda,
faça por muito esconder,
que as coisas da alma da gente,
ninguém carece saber...
 


*
 


Só peço o dia em que eu morra
faça uma noite de lua,
todo troveiro descante,
todo violão saia à rua.
 


*
 


Quando eu morrer, levo à cova,
dentro do meu coração,
o suspiro de uma trova
e o gemer de um violão...
 


*
 


A morte não é tristeza,
é fim... É destinação...
Tristeza é ficar na vida
depois que os sonhos se vão...
 


*
 


Depois de mandar-te embora
foi que - cego! - percebi,
que eras a felicidade
que eu tinha em mãos, e perdi.
 


*
 


Bem sei que amar custa muito,
custa a vida querer bem,
mas custa o dobro da vida,
na vida não ter ninguém.
 


*
 


Oh linda trova perfeita,
que nos dá tanto prazer!...
- Tão fácil, - depois de feita...
tão difícil, de fazer...
 


*
 


Para definir o Poeta,
Só mesmo em versos defino.
- É um homem que fica velho,
com o coração de menino...
 


*
 


Minha Mãe, minha velhinha,
Deus te abençoe, e acompanhe,
porque uma Mãe neste mundo,
quanto mais velha, mais Mãe.
 


Poesias completas, 1958
 

 

 

Maura Barros de Carvalhos, Tentativa de retrato da alma do poeta

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Roberto Pompeu de Toledo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

 

Adelmar Tavares


 

Vela branca
 


Vela branca, vela branca,
que vais lá longe... no mar...
quem me dera, vela branca,
que me quisesses levar
para tão longe... tão longe,
que eu não pudesse voltar...
 


Mas uma vez, vela branca,
que não me queres levar,
para tão longe... tão longe...
que eu não pudesse voltar,
leva-me a saudade dela
para o mais fundo do mar.
 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

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Elizabeth Marinheiro