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Celso Brito


 

Cárcere destino

Releitura de O Prisioneiro, poema de Soares Feitosa.


Quando a tive sob meu julgamento,
condenei-me pelo crime que havia no olhar.

Seus gestos de quase nunca
denunciaram a culpa.
a minha?...
a dela?...

- Desconhecida era a pena.

Ordenei-lhe a fuga.
Resistiu, pois sabia de mim.

Vieram as perguntas.
As fiz em outro tempo
em resposta ao seu corpo.

- Desconhecido também era o tempo.

Conjugavam-se o ontem e o agora,
o futuro ainda não existia.

Confessei os feitiços,
o arder das chamas,
o verbo aliciado pela carne desde o princípio.

A mim não coube recurso. Culpado.
Mantive-me prisioneiro do cárcere destino,
sob vigília,
para evitar a fuga.

Quando a tive sob meu julgamento,
condenei-me ao eterno amar.


Celso Brito
Saquarema, 11.05.2005

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Cidade Noturna

para Roberto Piva


crescem seios e sexos
nos banheiros públicos
das praças de silicone

uma rua leva ao cais
outra ao caos

distribuo panfletos católicos
em avenidas de nossa senhora
os sinos contam histórias
que me excitam e empalidecem

visito dom zico
em taberna de palha
e teto de zinco
que me serve café com notícias

um relógio mede o tempo
e o fedor da carniça
a noite revela o que o dia esconde:
o vai e vem das esquinas


Celso Brito
Belém, 28 de dezembro de 2000

 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Elaine Pauvolid

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Enquanto o poema não vem

A Cyro de Mattos


Sem esse verso
que me ronda há horas
onde estaria eu agora

Sem saber ser flor
Sem saber ser vento
Não me arrisco. Espero

Não sei onde me cabe
essa frase solta
esse golpe de ar
a dançar no peito
ou na idéia

Enquanto não o conquisto
desenho esse risco
um rabisco
do que ele me ronda


Celso Brito
Saquarema, primeira hora de 06.05.200, apos ler Lugar.


 

 

 

Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

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Helena Armond

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Tempos


Eu sempre soube da verdade em teus olhos.
O que eles me disseram mantive guardado,
fora do alcance das conversas.

Havia um tempo em que a despedida
principiava um outro encontro,
escondido dos olhos e das conversas.

Havia um tempo com um doce cheiro no ar
de todos os perfumes.
Uma busca constante do olhar,
um gosto a mais nas coisas...
Era batom!

E era depois a pele,
o deslizar dos cabelos,
o afago das mãos...

A casa cheia de nossas conversas,
dos modos, das esperas e demoras.
Uma vida em tantos acordar!

Era por fim um outro olhar,
sem mais as mesmas verdades
(embora nunca mentiras).
Mas sem as mesmas respostas.

Outras vozes falam no nosso silêncio.
Mudamos os rumos,
os olhares,
o sentido da conversa.


Celso Brito
Saquarema, abril de 2005


 

 

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

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Maria Maia

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Celso Brito


 

Encontro


Procuro os que sabem de mim.
Os que disseram ter me ouvido falar.
Os que me encontram, quando me perco.

Em quantos poemas estou presente?
Em qual deles era verdade?

Perco-me um pouco todo dia,
para me encontrar em tantos outros.
Não revelo, nem disfarço.
Apenas passo.
Mas há momentos em que me demoro.


Celso Brito
Saquarema, abril de 2005


 

 

 

Valdir Rocha, Fui eu

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Dalila Teles Veras

 

 

25/10/2006