VELHA QUE BALOUÇAS ESSA CADEIRA
Velha que balouças essa cadeira,
Em ti sentas o gato que ressona,
Jazes calada ao som dessa lareira
Que estala feliz pr’aquecer a dona.
Viúva, que já foste lavadeira
E vais morrendo alegre na poltrona
Que balouça e chia, e em bebedeira
Conta os dias que tem naquela zona.
Pudesse eu esperar a morte assim,
Ter esse vagar pra não fazer nada
E morrer dormindo dentro de mim…
Pudesse eu encostar-me na almofada
E ver o relógio trazer meu fim…
Fosse eu uma cadeira balouçada…
5.11.2006
POLTRONA NEGRA
Imagino, fruo e sonho,
Iludo-me e descanso,
Choro e fujo à regra,
Morro, penso e renasço,
Aqui, na poltrona negra.
Armadura, escudo e ninho,
Cosmos somente meu
Em
forma de cadeira.
Leque de reminiscências.
Minha branca nuvem do céu
Tão
negra como breu,
Tão
minha, tão companheira.
Meu
universo, meu mundo,
Alento de cada segundo,
Tecido da minha pele,
Matéria da minha carne,
Juízo da minha euforia,
Ânimo do meu desgosto,
Sol
de Janeiro,
Chuva de Agosto,
Filha que eu, inconscientemente, criei.
Mãe
que me trazes ao colo,
Banco que fazes de mim rei.
Tão
cândida e tão útil,
Existindo, fazes o meu pensar ser fútil,
Pedaço de mim, poltrona negra.
23.11.2006
FÓRMULA
Pediram-me para criar um poema romântico.
E
eu ri-me: é do mais fácil que pode haver!
Eu
digo-vos:
Apanhem uma desilusão de amor,
Das
bem grandes, daquelas de caixão à cova.
Isolem-se o mais que poderem
(Nada de músicas, nem fotografias, nem doces,
Nada! Só as recordações!).
Um
papel e uma caneta
(É
agora que começam a vir as palavras),
E
despejem tudo aquilo que sentirem,
O
que a alma tiver para dizer, que a caneta não cale!
É
como que chorassem por palavras!
Até
doer o pulso, até a caneta ficar rouca,
Até
onde a vontade quiser.
O
escrito não se lê.
É
imediatamente dobrado e guardado
Numa gaveta próxima e distante,
Numa que seja aberta raras vezes.
O
tempo cicatrizará o que poder.
Actividades que abstraiam facilmente
Também ajudam. (…)
Agora sim.
De
volta à gaveta,
Desdobra-se, lê-se.
Se
não tiver ficado grande coisa,
Não
faz mal.
Decerto a necessidade de um poema romântico
Já
terminou.
07-10-06
NÃO
SÃO SÓ TRISTEZAS
Não
são só tristezas, não, estes versos,
São
desabafos que ganharam forma.
Confesso que não costuma ser norma
Andar por aí com prantos dispersos.
A
tristeza só me leva à razão,
A
razão, em mim, tem veia poética
E
desperta-me a concepção caquéctica,
Essa, que guarda a imaginação.
Aceito que hajam poucas alegrias,
E
as existentes, não são comoventes,
Indignas, portanto, de poesias.
Alegrias são muito refulgentes
E
muito hipócritas, muito manias:
Só
o ridículo nos faz contentes.
20-12-06