Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

Mihai Eminescu


 

Tão delicada...


Tão delicada, és semelhante
À alva flor da cerejeira.
E como um anjo entre os mortais
Surges da minha vida à beira.

Nem bem tu tocas o tapete,
A seda soa ao teu pisar
E da cabeça até os pés
Pairas num sonho, a flutuar.

Das dobras longas do vestido,
Como do mármore, ressais,
Presa a minh’alma aos olhos teus
Cheios de lágrimas e ais.

Ó sonho meu feliz de amor,
Noiva suave, de outras lendas,
Não me sorrias! Se sorrires
Tua doçura me desvendas.

Podes, no encanto da tua noite,
Deixar-me os olhos sempre baços
E com o murmúrio de tua boca
No frio enredo dos teus braços.



Súbito, passa um pensamento
No véu do teu ardente olhar:
É a renúncia penumbrosa,
Sombra de doce suspirar.

Te vais e eu bem compreendi
Não mais deter o passo teu;
Perdida, sempre, para mim,
Noiva imortal no peito meu!

Pois ter-te visto é culpa minha,
Da qual jamais terei perdão;
Expiarei sonho de luz
A mão direita erguendo, em vão.

Ressurgirás como uma aura
Da eterna virgem, de Maria,
Em tua fronte uma coroa...
Aonde tu vais? Voltas um dia?

 

 

Tradução: Luciano Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravaggio, Tentação de São Tomé, detalhe

Mihai Eminescu


 

A lenda da Tília


-“Branca, sabes que de amor
sem lei nasceste, mas isto
fez-me jurar desde então
que esposarás Jesus Cristo!

Vestindo o hábito de monja,
Indo a um mundo mais sublime,
Redimirás tua mãe,
Me libertarás de um crime.”

-“Deste mundo, caro pai,
quem quiser dele se mude;
a minh’alma é tão alegre,
radiosa a juventude!

A dança, a música, o bosque,
Isto é o que minh’alma preza;
Não um catre solitário
Onde chorando se reza!”



-“Sei o que melhor te serve,
como eu disse assim será;
À viagem de amanhã,
Te prepara desde já!”

Mãos aos olhos leva Branca,
Tudo em sua mente se aduna;
A cabeça ardendo, louca...
Só lhe resta esta fortuna?

Seu cavalo branco, amigo,
Selado lá fora, espera;
Ela põe o pé no estribo,
Ir ao bosque delibera.

A noite vem do arvoredo
Cujo perfume a embevece;
O céu as estrelas mostra,
Doce anúncio se oferece.



Ela nos bosques penetra
Até a velha tília, onde,
Com flores que vêm ao solo,
Fonte mágica se esconde.

Embalada à voz das águas,
Canta a trompa, um som incerto.
Forte... cada vez mais forte...
Perto... cada vez mais perto...

E a fonte, presa em magia,
Brotando, um rumor espraia –
Sobre os bosques das colinas,
Lua branda de atalaia.

Como em sonho, Ela delira
E ao olhar, pasma, ao seu lado,
Vê um garboso mancebo
Em corcel negro montado...

Será que os olhos lhe mentem?
Ou será verdade pura?
Flores de tília ao cabelo,
Trompa de prata à cintura.

Ela então os olhos baixa,
Passa a mão na fronte e um gozo
O seu coração lhe inunda
De um encanto doloroso.

Ele se chega mais perto,
Infantil e suplicante;
Dela a alma se inebria,
Cerra os olhos, neste instante.

Com uma mão tenta afastá-lo,
Mas sente presos seus braços
De uma dor, de uma doçura
No seu peito em fortes laços.

Gritaria... mas não ousa,
Sua fronte cai-lhe ao ombro;
Seus beijos sem conta a boca
Dele sorve, em desassombro.


Carinhoso, ele a interroga
Mas ela a face lhe esconde.
E com voz doce, baixinho,
Pouco a pouco lhe responde.
..................................................
Vão juntos, em cavalgada,
A ninguém ouvidos dando,
E no amor, vão um ao outro
Nos olhos se devorando.

E sempre vão mais além
Por sombras, de vale em vale;
E a melancólica trompa
Soa doce, soa grave.

O seu brando som se espalha
Pelos vales ressoante,
Mais suave... mais suave...
Mais distante... mais distante...

Sobre os pinhos das colinas
Segue a lua de atalaia.
E a fonte, presa em magia,
Brotando, um rumor espraia.

 

Tradução: Luciano Maia


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

Mihai Eminescu


 

São muitos anos ...


São muitos anos e outros vão passar
Desde a hora santa em que nos encontramos,
Mas lembro sempre o quanto nos amamos,
Gélidas mãos e grande ardor no olhar.

Ó, vem palavras doces me inspirar,
Teu rosto sobre mim deita e me mira:
Sob sua luz me deixa ainda sonhar,
Novas canções arranca à minha lira!

Tu nem o sabes - ao te aproximares,
Meu coração no fundo já se acalma
Qual o surgir da estrela sobre os mares;

Quando sorris, criança, és minha calma,
Se extingue, então, a vida de pesares,
O olhar me arde e me transborda a alma!


Tradução: Luciano Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

Mihai Eminescu


 

Quando até a voz...


Quando até a voz do pensamento cala,
Me envolve o doce canto de uma prece –
Então te chamo; o meu chamar te abala?
Sairás da fria bruma que te tece?

E a escuridão da noite aclararás
Com teu olhar pacífico e risonho?
Retorna, deixa as sombras para trás,
Para te ver voltar – como num sonho!

Vem lentamente... perto... ainda mais;
Chega sorrindo junto à minha face,
Mostra-me, num suspiro, que és tornada.

Que teu cílios nos meus façam-se laços,
Para que eu sinta um frêmito nos braços –
Para sempre perdida e sempre amada!


Tradução: Luciano Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rebecca at the Well

 

Mihai Eminescu


 

Por mais estrelas ...


Por mais estrelas que ardam nas alturas,
Por mais ondas que vaguem sobre o mar,
Dessa luz, de seus brilhos e lonjuras
Ninguém sabe – nem nada há de ficar.

Tu podes, pois, seguir o teu caminho:
Sejas bom, ou de crimes instrumento –
É o mesmo pó, abismo e remoinho!
Tua herança de tudo – o Esquecimento!

Parece-me que morro: junto à porta
Esperam os que querem me enterrar;
Ouço cantos e vejo uma luz morta.

Ó sombra doce, vem mais perto, a dar
Sobre mim este adejo que transporta
Da Morte a asa negra, úmido olhar.


Tradução: Luciano Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

Mihai Eminescu


 

Foram-se os anos ...


Foram-se os anos como as nuvens vão
E nunca mais retornarão um dia;
Já não me encantam hoje, como então,
Lendas e doinas*, sons da fantasia

Que à mente de um menino foram graças
Mal compreendidas, cheias de um alarde –
Com tuas sombras hoje em vão me abraças,
Ó hora do mistério, ao fim da tarde.

Para arrancar um som do meu passado,
Para fazer-te, ó alma, ainda vibrar,
A mão em vão a lira tem tocado.

Perdeu-se tudo na alba do lirismo,
Calou-se a voz do outrora sublimado,
O tempo cresce em mim... e eu me abismo!


* Doina: canção popular entranhável e melancólica,
a mais viva expressão da alma romena, segundo o
poeta Vasile Alecsandri.



Tradução: Luciano Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

Mihai Eminescu


 

Ressurge sobre mim ...


Ressurge sobre mim, ó luz serena,
Como em meu sonho celestial de outrora;
Ó Santa Mãe, ó Virgem pura e plena,
À minha noite dá luz, Nossa Senhora!

Meu ideal não deixes ir morrendo,
Embora fundas culpas tenha sido;
O Teu olhar, de lágrimas se enchendo,
Faz descer sobre mim, compadecido.

Longe de todos, no sofrer perdido,
Em fundo abismo, eis-me com meu nada.
Não creio mais em mim, estou vencido.

Dá-me vigor e a crença renovada,
Volta do céu de estrelas estendido,
Que eu Te adore, Maria Imaculada!
 

 

Tradução: Luciano Maia


 

 

 

 

 

04.10.2006