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Henrique Nunes

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Ensaio, crítica, resenha & comentário:

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Vera Queiroz

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Benedicto Ferri de Barros

 

 

 

 

 

 

 

Carlos Felipe Moisés

 

 

 

 

 

Rubens Ricupero

Henrique Nunes
 

 

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

13.4.2007

 


 

Nilze Costa e Silva

 

Crônicas de amor e desencanto

 


 

Militante feminista e literária, a escritora Nilze Costa e Silva lança hoje seu novo livro, “Fortaleza Encantada - crônicas sobre a cidade de Fortaleza”
 

Conversas com a cidade, crônicas afetivas trocadas ao longo dos últimos cinco anos, algumas publicadas. Fechando a semana de comemorações do aniversário da capital alencariana, a escritora Nilze Costa e Silva restabelece o diálogo com a Fortaleza de conquistas e derrotas sociais, com a Fortaleza que a recebeu aos dois meses, vinda de Natal para uma comunhão irredutível.

A infância foi na Praia de Iracema. Especificamente, na Rua Dragão do Mar. Tão mudada Rua Dragão do Mar, que hoje abriga o Centro Cultural onde sua ex-vizinha devolve à cidade, na noite de hoje, suas novas impressões literárias. “Mudou totalmente, tinha muitos armazéns, zona de prostituição... Mamãe me proibia de passar em frente, de qualquer forma”, conta a hoje militante feminina, coordenadora do Núcleo de Ação e Valorização da Espécie Humana (Nave) e também integrante do Fórum de Mulheres Cearenses. Apesar dos avisos, a realidade de outrora, como a de hoje, não deixou de se entranhar na escritora.

Fortaleza do bem e do mal. “Minha obra sempre se volta para a cidade, sua população e sua história”, considera Nilze Costa e Silva. “Somos um povo diferente de todo mundo, um povo que elege o bode Ioiô como seu representante tem um humor que ameniza um pouco as adversidades. Somos pobres, mas somos pessoas afetivas, entusiasmadas”. Um povo cuja história, mesmo involuntariamente, acaba fazendo parte de seu cotidiano. “Em cada crônica, reflito sobre isso”.

Passeio urbano
 

Nilze recorda, por exemplo, da antiga cadeia pública, onde hoje está a Encetur. “Lembro que os presos jogavam latinhas pedindo esmola. Hoje, vi que a situação é ainda pior no presídio feminino Auri Moura Costa”. A autora de “Mazelas da Casa de Detenção” é lembrada na crônica em que Nilze sugere que os próprios operários da cadeia, por volta de 1877, podem ter caído atrás de suas grades. Além de Auri, Nilze cita outras personagens femininas da construção da cidade, em uma das últimas crônicas, de caráter mais ensaístico: “Mulheres que atuaram na nossa história”. Nomes como as abolicionistas Maria Tomásia e Bárbara de Alencar, a voluntária da Guerra do Paraguai Jovita Feitosa e ainda a jornalista e poetisa Francisca Clotilde.

No roteiro sentimental, histórico e engajado de Nilze, sob as bênçãos de epígrafes de cearenses que também escreveram sobre o tema, referências felizes e desencantadas sobre outros bairros onde morou e ainda sobre a Praça José de Alencar, a Santa Casa de Misericórdia, “primeiro hospital público de Fortaleza, concluído em 1857 pelo boticário Ferreira, intendente da época”; o Restaurante Estoril e a Ponte Metálica; a avenida Dom Manuel “dos blocos de Carnaval”; a Cidade da Criança; a Escola Normal; o Passeio Público “com seus mártires sem bustos ou estátuas”; e ainda a Praça da Estação, sob o olhar da mendiga Vassoura, e a Beira-Mar, já cantada em verso por Ednardo...

Por sinal, há uma seção dedicada às letras de canções ligadas à cidade: Ednardo, é claro, comparece ainda com “Longarinas”, “Padaria Espiritual”, “Passeio Público”e “Terral” . Mas há também lugar para Taiguara (“Maria do Futuro”), Belchior e Fagner (“Mucuripe”), Carlos Barroso (“No Ceará é Assim”) e ainda Thomás Lopes, autor do hino de Fortaleza. “Mas na crônica ‘Beira-Mar’, falo sobre a situação dessa área nos últimos anos, com suas meninas prostituídas e os meninos que fazem arte com carvão no calçadão”. Cidade de (a)mar e de lágrimas. (HN)



Serviço: Lançamento do livro ´Fortaleza encantada - crônicas sobre a cidade de Fortaleza´, de Nilze Costa e Silva. Hoje, 19h, na Livraria Livro Técnico do Centro Dragão do Mar. Apresentação do poeta Dimas Macedo. O livro estará à venda por R$ 20,00.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9.4.2007

 

 

 

 

 

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Um esboço de Leonardo da Vinci - link para page do editor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Henrique Nunes

 

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

Caderno 3

 

31.10.2002

LITERATURA
Pedra-vida centenária

Por todo o dia de hoje, o mundo comemora, talvez sem o devido estardalhaço, o centenário de um dos maiores poetas da língua portuguesa, Carlos Drummond de Andrade. Um poeta amarelo ou azul-claro, mas também gris ou marrom. Quer dizer, descontraído, bem-humorado, sensual; mas também opaco, amargurado, “gauche”. Lírico, erótico, político, íntimo da palavra transcrita em sua coloquialidade mais sutil e também mais lapidar, arauto das forças e fragilidades humanas do tal Século XX. Tudo o que um poeta, envolvido com um compromisso mais ontológico, deveria ser. Pena que, durante todo o ano, tenha-se ouvido falar muito menos do que seria devido sobre a importância deste mineiro pacato e genial, nascido para o mundo em 1930, ano em que deságua sua contínua “Alguma Poesia”

Uma das boas homenagens foi feita pela Record, editora da obra do poeta multicor, poeta de uma conduta ética irreprensível, mas também visionária, como as pedras de sua Itabira natal. Nas principais livrarias, já podemos nos deparar com o relançamento de toda a sua obra clara e enigmática, contendo comentários críticos e mais pessoais, sua cronologia e bibliografia que inclui os textos publicados sobre a obra do mineiro-universal. Com o rosto do poeta iluminado em diversas tonalidades, cada título apresenta um tratamento gráfico suave, pronto para fixar-se para a eternidade como a leveza intensa da poesia drummondiana.

Se nem mesmo as motivações políticas brasileiras mais auspiciosas deste início de milênio contribuíram para disseminar ainda mais a chama eterna da inquieta e discreta esperança drummondiana, mais cética ao final da sua vida, então cabe-nos aqui tentar cumprir, com a responsabilidade merecida pela pedra-vida de Itabira, a nossa missão jornalística, tão afeita a estas efemérides - quanto mais aquelas, de fato, merecidas.

Cabe-nos tentar apresentar, sobretudo aos mais desavisados, como sua poética, em prosa e em versos, apoderou-se do “sentimento do mundo” que move a expressão literária, em todas as suas mais universais tendências. Como a candura pode sobressair-se ao horror e à arrogância do cotidiano. Em seu caso, renovando e questionando sempre o seu próprio fazer literário, bem como as expectativas do leitor. Traduzindo como nunca, enfim, o espírito modernista - embora nem toda a sua obra tenha (ainda) merecido da crítica o mesmo entusiasmo.

Assim, tentar evidenciar como uma obra de insipiração tão espontânea, quanto urdida com um esmero cotidiano de quem encara seu ofício como verdadeira missão, tornou-se uma referência obrigatória para a poesia que se fez junto e depois dele. E da poesia que se fará pelos próximos anos.

Para tanto, vamos aqui permear alguns pontos de vista expressos em um dos seis ensaios que compõem “Drummond Revisitado”, apresentada pelo professor de Literatura da Universidade de São Marcos (SP) Carlos Felipe Moisés. “A proeza do poeta de Itabira, velha já de 70 anos, continua a dizer respeito, efetivamente, a todos nós, e por isso é que dever ser comemorada, para aquém e para além das celebrações de praxe”, escreve.

Carlos Felipe faz alusão aos pontos de vista coerentes e originais, discorridos por seis poetas da nova geração, em torno da fortuna crítica deste monumento literário. São eles: Chantal Castelli, Eduardo Sterzi, Ivone Daré Rabello, Jerônimo Teixeira, Sérgio Alcides e Tarso de Melo.

“Mais do que celebrar o centenário de Drummond, o presente volume celebra o primado de diálogo incessante, o diálogo que se multiplica em várias direções - primeiro entre cada um dos autores e o poeta; depois entre os novos críticos e os críticos das gerações precedentes (...) Os ensaios aqui reunidos promovem, em suma, um fecundo intercâmbio de idéias, anseios e perplexidades, que atesta o vigor e o amudurecimento de uma literatura”, acrescenta ainda na introdução deste “Drummond Revisitado”.

Destacamoss algumas considerações feitas pelo poeta Tarso de Melo em “Notas à Margem da Leitura de Drummond”. No seu ensaio, ele identifica um “padrão Drummond”, uma “sombra” presente sobre leitores e críticos, nas mais diversas intensidades. É Tarso também quem cita João Cabral de Melo Neto, saudando a “propriedade” do poeta, em uma de suas correspondências, datada de 1951. “Neles (gente como Gilberto Freire e José Lins do Rego) estilo é o conjunto de tiques, é o conjunto do que resulta e não uma exploração, estudada e conseguida”. E olha que sua obra ainda caminharia bastante, com um vigor evidenciado por tanto que já se falou, publicou e se leu da sua vasta produção.

Um senhor simpático, mas reservado, magro, em forma, apesar dos fios de cabelo ralos, brancos - grisalhos? Sim, tinha aquelas camisas de fio tinto, uma pele branca, muito branca, uns grandes e grossos óculos. A voz, rouca, pausada, acentuado sotaque mineiro, levemente carioca. Para muita gente, é mais ou menos essa a imagem que ficou dos últimos tempos vividos - até 1987 - por Carlos Drummond de Andrade.

O que se passava no coração e nos pensamentos daquele senhor de fala mansa, mineira, apesar dos tantos anos vividos no Rio de Janeiro, era uma incógnita cuja explicação estava exposta, há décadas, em seus livros. Palavra de poeta que também costumava nos encantar nas crônicas. Como tem que ser. Quem gosta de palavras gosta delas com todas as suas caras e corpos. Com amor, falava das montanhas da sua Minas Gerais natal, com o mesmo encanto pela “vida besta” que ainda levam por lá.

De todas as maneiras que um modernista tem a seu dispor, mas com um talento e uma sensibilidade ímpares, Drummond falava de bichos, de coisas e de gente; do “claro enigma de existir”. Do homem do mundo, que era o mesmo homem do interior do mundo, e até do mundo exterior do homem. Assim, no seu caso, o funcionário público teve sua rotina compartilhada, felizmente, de modo distinto, com os seus escritórios literários - o último deles, um apartamento em Ipanema, ao lado de Dona Dolores. “Somos todos alguma coisa fora de nós; o eu irredutível nada tem a ver com as classificações profissionais”, ensinava há 40 anos, na “O Outro Marido”, uma das crônicas de “A Bolsa e a Vida”.

Crônicas que não ficaram confundidas com os “Contos de Aprendiz”, publicados em 51. Mas que chegaram ao espírito do escritor desde 1930, praticamente sem maiores diferenças em relação ao seu estado poético. Que ficaram também aliadas - “no meio do caminho” do funcionário público e do farmacêutico que só foi na “casca” - à sua atuação jornalística, poeta-amante do cotidiano que era Carlos Drummond de Andrade.

Podemos não concordar com tudo isso. Mas, dificilmente alguém em seu juízo perfeito pode negar por completo a intensidade poética e até lingüística desta pedra-vida, sólida pulsação, ainda presente entre o nosso mais recente imaginário e a formação literária dos séculos que virão. Ressalvas que pouco mudarão o quanto devemos ao autor de versos que ficaram conhecidos entre muitos de nós. Até numa nota de 50 cruzeiros, perdida pela inflação sem poesia.

 

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14.4.2007