Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

Jorge Humberto


 

Distúrbios


Meu ser rude e cruel, digníssimo portador,
De toda as dores (as existentes r as que ainda não criei);
meu fel, signatário do desejo mais profundo,
De meu ser inacabado – inadaptado –,
Que, das águas saindo, às águas quer
Voltar; minha amantíssima escuridão,
Que sempre me acompanha, para os casos
De excepção, rosa rubra a florescer, na
Imensidão dos oceanos perdidos, que são
Meus inermes passos neste mundo, que
Não percebo; meu querer, sem ter querer,
A perder-se infinitamente, aquando de seu
Primeiro fulgor;
Ser tudo e nada, ao mesmo tempo,
E sobrar-me o escárnio de mim mesmo;
Minha obsessão por todos os vidros partidos e os
Que se mantêm, ainda,
Inteiriços – principalmente estes os últimos;
Minha rectidão, pelo puro,
Nesta terra de ninguém, nesta terra de gente impura,
Plena de vícios e de enganos mil;
Oh, quem houvesse, aqui, que soltasse amarras,
De meu ser profundo, imerso e escuro,
Como quem desfolha uma flor pela Primavera,
Bico de lacre, de minha meninice, verdelhão,
Em figo maduro!!!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jorge Humberto


 

Fim de semana


Manhã, de sol... domingo.
Domingo, de brisa, que, o vento, já partiu.
Mas é nas folhas arbóreas, no jardim – diz, quem viu –,
Que mais se nota as primícias do tempo.


E tem pardais campeando, em terra ressequida,
Nas janelas fronteiriças, de outras janelas,
Abertas de par em par.

 

 

 

John William Waterhouse , 1849-1917 -The Lady of Shalott

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Junot Silveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jorge Humberto


 

Tempo...


Quem tem tempo, joga-o fora,
Quem o não tem, estranha-lhe a
Demora.


Assim com o dinheiro,
Compra-se e vende-se por atacado,
Para gastar-se, mais ao lado.


Quem tem chora por mais,
Quem não tem cai-lhe os ais.


E é jovem, enquanto é tempo,
Quando envelhece, leva dentro
A mágoa do seu lamento.


E roda que roda, sete vezes a rodar,
O relógio altaneiro,
Que não tem como parar.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Francisco Brennand

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

Jorge Humberto


 

Quem era aquele no chão


Quem eras tu, quem seria aquele
Que eu vi, tarde feita,
No chão,
Figura contrafeita,
Cabeça caída no paredão?


Quem eras tu, quem seria aquele
Menino,
Que, a quem passava,
Nada lembrava,
Em seu corpo pequenino?


Quem eras tu, quem seria aquele
No chão –
Ele e o seu cão –,
Quando a tarde já se ia,
Inda mal nascera o dia.


Do chão que te cobria,
Aos olhos que te cegavam,
Nascia a noite, morria o dia,
E eras tu e mais nada.


Que a outra,
Que ao longe espreitava,
No alto da sua pequenez,
Era a famigerada cobardia,
Sem face nem honradez,


Tapando os olhos à evidência,
Engolindo estupidamente
A surdez,
Na sua lide de aparências,
Quando nada quer ver,
Preferindo parecer-se, do que ser.


Quem eras tu, quem seria aquele
Que eu vi?
Menino de rua, certamente,
Que já não tens sorriso pra gente.

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

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Helena Armond

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Jorge Humberto


 

Enquanto a sentença não vem


No reencontro com o passado,
Dou por mim só e abandonado,
O que trouxe de melhor morreu,
Jaz a meu lado, mas não sou eu.


Reentrâncias duvidosas aqui...
Quem foi que me quis assim,
Fantasma iníquo, assaz injusto,
Sobrevindo a seu próprio custo?


E já não há nada, para lá disto,
Foi-se a espada por um istmo,
Sobranceiro a mim, a tornear,
O que um dia teve seu lugar.

 

 

 

Da Vinci, Madona Litta_detalhe.jpg

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Ledo Ivo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

Jorge Humberto


 

Nada muda!!!


Vejo muitos por aí,
dizendo-se poetas,
que antes só aqui,
que escutar-lhes as petas.


São só fogo-fátuo,
não valem um vintém,
sempre a cuspir pró alto
com imenso desdém.


E se outros assombram
as suas míseras faculdades,
logo eles descobrem,
as muitas dificuldades,


que é escrever livremente
sem livro nem canudo,
pior, bem sabe a gente,
é passar de cavalo pra burro.


Mas eu, que nada devo,
acusado de poeta menor,
cada vez dou maior relevo,
ao que escrevo por amor.


Amor a mim, a quem amo,
e à palavra que é escrita,
sem forçar e em qualquer plano,
o que aos ditos é desdita,


isto tendo em conta
a seguinte situação,
seis anos cursei por uma ponta,
a outra é a vida pela mão.


De tudo escrevo um pouco,
muito, o que queira escrever,
e gritarei até ficar rouco
e doa a quem doer.


Esses, que se dizem maiores,
reparem como trabalham,
parecem-se com devedores,
nas silabas que entalham,


uma a uma, simetricamente,
com medo de perder o tino,
mais não sabem certamente,
nem que a vida é um desatino.


E assim, quando calha,
fazem um poema com moldura,
e saem, prontos pra salha,
se alguém perde a compostura,


para com o mestre emproado,
no seu momento original,
que o prosélito empregado,
não deve levar a mal.


Contudo, não sendo injusto,
à poetas que são humanos,
conheço-os e sou justo,
chamo-os de decanos.


A esses eu respeito com grado,
eles se fazem respeitar,
sabem do aluno e do letrado,
com ambos põem-se a conversar.


Por isso eu digo,
vejo muitos por aí,
mas antes só e comigo,
que aturar-lhes o pedigree.


Ele é epítetos davideanos,
gustativos luzidios,
outros há em que amainamos,
e temos calafrios.

As poetisas, por seu nome,
também deixam a sua bufa,
têm flores no cognome,
e o resto é só marufa.


Escusado será dizer
que, quem não se sente,
não é filho de bem querer,
mas assim, de repente,


a ninguém querendo ofender,
senão os citados, por sua vez,
se nas veias o sangue correr,
dêem-me o desdém de vossa tez.


Porque tudo isto já cansa,
ver uns pobres coitados,
que nem a fome já amansa,
serem endeusados,


que basta que escrevam merda,
logo o aplauso é unanime,
para quem tem idéia lerda,
tal atitude é magnânima.


Mas convenhamos, amigos,
se eu escrevo o mesmo e melhor,
porque se sentem ofendidos,
com cara de mau perdedor?


Basta! não é hora de modéstias,
é a minha obra que está em jogo.
Se não querem mais moléstias,
não ponham as mãos no fogo,


sejam justos, para quem tem sido,
de tanto trabalho e atenção,
e que agora se sente ofendido,
e magoado no coração.
 
 

 

 

Soares Feitosa, dez anos

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Thiago de Mello

 

 

 

24/05/2005