Uma
poesia precisa. É assim que melhor se define o trabalho
poético do paulistano Leonel Delalana Júnior. Seu livro de
estréia, ainda inédito, Anatomia (topográfica &
cirúrgica), revela um olhar preciso e mão firme, de quem
não tem medo do risco e do corte. São poemas que exigem do
leitor a atenção desperta pois que trabalham com imagens
numa rapidez de flash fotográfico que muito agrada aos
entusiastas de Ítalo Calvino.
Nesse
trabalho em que agrega rapidez e precisão, o poeta age como
se roubasse do real pequenos objetos, fraturas de momentos,
coisas que sobram do olhar panorâmico e que, embora pareçam
mínimas à primeira vista, são em tudo potência,
possibilidade de explosão.
falo pêlos cotovelos
& bocas
enquanto o sol
subjuga as palavras adormecidas
em algum canto escuro qualquer.
Soco.
Granada. Máquina de comover. A poesia de Leonel Delalana é
também suspensão. Desejo interrompido, uma ausência que se
alonga como um fio entre a vida e a morte, o gozo e o
anti-gozo.
não tente escrever
em minha mente
não tente
folha
em branco
ou
origami
flor
cavalo
mesa
chega
não tente
não quero mais.
A
primeira parte do livro, que se denomina topográfica,
abre veredas para uma abordagem mais íntima, uma cartografia
de desejos medidos, desbravados, conhecidos palmo a palmo.
Humor, ironia e olhar sensual, quando não perverso, sobre
objeto e palavra são instrumentos que orientam esse
percurso. Mas não há excessos. Não há senão a limpidez da
palavra domada. E não diria aqui domesticada, pois resta
nela aquele tanto de ferocidade necessária à boa poesia.
tio zaqueu e o menino laiu
laiu menino malvado enfiou sem dó a chapeleta inchada uma
naja vupt!
no fotoscópio de tio zaqueu
o olhinho de porco do tio zaqueu ficou em flor
mas pegou gosto
ô menino bruto esse laiu, que falta de respeito
indignou-se tio zaqueu com o olho em flor
já piscando em outras paragens
A
segunda parte, apropriadamente chamada de Cirúrgica,
lança um olhar sobre o mundo. Antes, disseca relações e
situações do cotidiano, da política, aquela maior da qual
não há como fugir. O poema de abertura adverte: alguma
coisa fede na beleza plástica dos dentes brancos/ alguma
coisa no farol sem circo para irem embora/ alguma coisa
fede, sob. Sem panfletarismos, o poeta levanta os
tecidos apodrecidos e revela os tumores:
vestem-se as mais belas roupas
em cima de cadáveres
comem-se os mais refinados pratos
em cima de cadáveres
fazem artes conceituais
em cima de cadáveres
legislam em cima de cadáveres
viajam ao redor do mundo
rodopiando em cima de cadáveres
& os cadáveres renascem cadáveres
como fênices macabras
dançando à luz do seu eterno retorno
da sua podre nudez invisível.
e ainda:
carrego o bronze
do meu
país
de norte a sul
leste
oeste
a proteção do
redentor
largas
apunhaladas
nestas costas de mula.
E assim,
segue a Anatomia de Delalana, alma e vísceras
expostas.
Rigor em forma de poesia da melhor qualidade.
Micheliny Verunschk,
poeta pernambucana radicada em São Paulo.
Lançou Geografia Íntima do Deserto, Landy, 2003.
Mantém o blog
http://www.ovelhapop.blogspot.com