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Laurindo Rabelo   

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

Laurindo Rabelo

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Laurindo Rabelo


 

Biografia:

 

Laurindo Rabelo (L. José da Silva R.), médico, professor e poeta, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 8 de julho de 1826, e faleceu na mesma cidade, em 28 de setembro de 1864. É o patrono da Cadeira n. 26, por escolha do fundador Guimarães Passos.

Era filho do oficial de milícias Ricardo José da Silva Rabelo e de Luísa Maria da Conceição, ambos mestiços e gente humilde do povo carioca. Cresceu nas maiores privações, das quais só veio a se libertar nos últimos anos de sua vida. Pretendendo seguir a carreira eclesiástica, cursou as aulas do Seminário São José e recebeu as ordens, mas abandonou o seminário por intrigas de colegas. Fez estudos na Escola Militar, outra vez tentando em vão fazer carreira. Ingressou no curso de Medicina no Rio, concluindo-o na Bahia, em 1856, vindo porém defender tese na cidade natal. Em 1857, ingressou como oficial-médico no Corpo de Saúde do Exército, servindo no Rio Grande do Sul, até 1863. Neste ano voltou ao Rio, como professor de história, geografia e português no curso preparatório à Escola Militar. Em 1860, casara-se com D. Adelaide Luiza Cordeiro, e só a partir de então pôde livrar-se da pobreza que lhe marcou a existência. Atacado por uma afecção cardíaca, faleceu, aos 38 anos de idade.

Caracterizou-o, desde os anos de estudante, a maneira espontânea e desengonçada de viver. Por sua compleição física bizarra, a imaginação popular deu-lhe o apelido de "o poeta lagartixa". Viveu na boêmia, e aquele ambiente o estimulava literariamente. Como poeta satírico, era justamente temido e respeitado; teve amigos e, também, inimigos acérrimos, por causa dessa feição do seu talento, chegando a ser perseguido. Como repentista e improvisador, era popular e bem recebido em todos os salões. Fechavam os olhos à sua indumentária desleixada, só para ouvir o poeta e ver as cintilações daquele espírito. Em muitas das suas composições vibra também a nota de melancolia. Foi cognominado "o Bocage brasileiro". Pertencia ao período romântico.

 

Academia Brasileira de Letras Fonte: Academia Brasileira de Letras

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

Laurindo Rabelo


 

O tempo


Deus pede estrita conta de meu tempo,
É forçoso do tempo já dar conta;
Mas, como dar sem tempo tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo?


Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bem tempo e não foi conta.
Não quis sobrando tempo fazer conta,
Quero hoje fazer conta e falta tempo.


Oh! vós que tendes tempo sem ter conta
Não gasteis esse tempo em passatempo:
Cuidai enquanto é tempo em fazer conta.


Mas, oh! se os que contam com seu tempo
Fizessem desse tempo alguma conta,
Não choravam como eu o não ter tempo.


Para do mundo dar completo cabo,
Lá do negro recinto o soberano
Meditava a forjar horrível plano
Coçando a grenha, sacudindo o rabo.


Merecedor enfim de imenso gabo,
Eis o que assim disse muito ufano:
Para a missão cumprir - digesto humano
Quero fazer - que nasça hoje um diabo.


E o 23 de maio nisso raia...
Teotônio nasceu, e a fama soa
Jamais ter visto infame dessa laia.


Pois para Satã ser mesmo em pessoa,
Traja, qual bruxa velha, negra saia,
Como o rei dos bandalhos tem coroa.


Vendo da peste o bárbaro flagelo
Mil vidas a ceifar a cada instante,
D'África deixa o solo distante
E veio no Brasil curar Otelo.


O semblante imposto negro-amarelo
Cresta do orgulho a chama crepitante,
Traz cheia de vidrinhos o turbante,
E buído punhal por escalpelo.


Homeopata é, e o albergue puro
Do puro Martins busca e diz-lhe ardido:
"Doutor, eu quero ter vosso futuro."


- Bravo! grita o Martins enternecido;
Pelas cinzas de Hahnemann te juro
Que não hás de morrer desconhecido.

 

 

 

John William Waterhouse , 1849-1917 -The Lady of Shalott

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Nilto Maciel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

Laurindo Rabelo


 

Último canto do cisne


Quando eu morrer, não chorem minha morte,
Entreguem meu corpo à sepultura;
Pobre, sem pompas, sejam-lhe a mortalha
Os andrajos que deu-me a desventura.


Não mintam ao sepulcro apresentando
Um rico funeral d'aspecto nobre:
Como agora a zombar me dizem vivo,
Digam-me também morto - aí vai um pobre!


De amigos hipócritas não quero
Públicas provas de afeição fingida;
Deixem-me morto só, como deixaram-me
Lutar contra a má sorte toda a vida.


Outros prantos não quero, que não sejam
Esse pranto de fel amargurado
De minha companheira de infortúnios,
Que me adora apesar de desgraçado.


O pranto, açucena de minh'alma,
Do coração sincero, d'alma sã,
De um anjo que também sente meus males,
De uma virgem que adoro como irmã.


Tenho um jovem amigo, também quero
Que junte em minha Essa os prantos seus
Aos de um pobre ancião que perfilhou-me
Quando a filha entregou-me aos pés de Deus


Dos meus todos eu sei que terei preces,
Saudades, lágrimas também;
Que não tenho a lembrança de ofendê-los
E sei quanta amizade eles me têm.


E tranqüilo, meu Deus, a vós me entrego,
Pecador de mil culpas carregado:
Mas os prantos dos meus perdão vos pedem,
E o muito que também tenho chorado.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Sânzio de Azevedo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Laurindo Rabelo


 

A minha resolução


O que fazes, ó minh'alma!
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!


Corre o ribeiro suave
Pela terra brandamente,
Se o plano condescendente
Dele se deixa regar;
Mas, se encontra algum tropeço
Que o leve curso lhe prive,
Busca logo outro declive,
Vai correr noutro lugar.


Segue o exemplo das águas,
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!


Nasce a planta, a planta cresce,
Vai contente vegetando,
Só por onde vai achando
Terra própria a seu viver;
Mas, se acaso a terra estéril
Às raízes lhe é veneno,
Ela vai noutro terreno
As raízes esconder.


Segue o exemplo da planta,
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!


Saiba a ingrata que punir
Também sei tamanho agravo:
Se me trata como escravo,
Mostrarei que sou senhor;
Como as águas, como a planta,
Fugirei dessa homicida;
Quero dar a um'alma fida
Minha vida e meu amor.

 

 

 

Da Vinci, Madona Litta_detalhe.jpg

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Cristiane França

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Laurindo Rabelo


 

Ao dia dos finados


Fragmento dos Túmulos


I

Um dia para os mortos, se é que o dia
Nos túmulos penetra.
Entre tantos de riso um só de pranto
Seja sagrado às lousas
Fechadas pela morte, e onde seu selo,
Segunda morte grava o esquecimento.


II

Terra de mortos, deixa que pisem
Os pés dos vivos, deixa; no teu reino
Pedaços d'alma dos que vivem dormem.
Entre os círios funéreos
Arde também amor, geme a saudade.
Mãe extremosa, os restos seus recebes
Quando do mundo inteiro abandonados
Vêm no teu leito procurar descanso.
O pai idolatrado
A ti confia o órfão;
Entrega-te seu filho a mãe querida;
Os irmãos, os amigos
Seus irmãos, seus amigos, te entregaram:
Um dia, ao menos, querem vê-los: - Cede,
Pois tens tudo o que é seu.


III

Um espírito único
Desgraçado daquele que só teve
Quando peregrinou por estes lares!
O triste foi um tronco sem raízes
Que aos impulsos da sorte foi tombando.
Té que por fim caiu na eternidade.
Nem há na espécie humana
Infeliz tão bastardo da ventura,
Que tão ermo ficasse sobre a terra.
É uma planta só a humanidade:
Por mais extremo que lhe seja um ramo,
Pela seiva comum é sustentado,
E a cicatriz, que fica se o decotam,
Da vida que se foi narrando a perda,
Da vida que ficou narra a saudade...


IV

Terra de mortos, deixa que dos vivos
As almas se dilatem; frias cinzas
Animar-se não podem; mas são elas
Quinas dos edifícios abatidos
Que o espírito só a Deus conhecem.
Deixai-os divagar nessas ruínas,
Que são domínios seus. - A terna ave,
A quem a companheira arrebataram,
Deixa, ao menos, voar em torno ao ninho.


V

Podeis entrar, fiéis. - Que o pó do mundo
Vos não venha nos pés. - Quando é da vida,
Tudo estranho é aqui; a gala é óbito;
O banquete são preces: Deus reparte
O pão espiritual que o sacerdote
Prepara nos altares;
São convivas os mortos, que recebem
Também com ele
O sangue sacrossanto, que enfraquece
Da punição o fogo. - Frágeis lágrimas,
Ah! do mundo não são, tanto que o mundo
Não as quer nem conhece.


VI

Entremos... Mas... O nível dos sepulcros
Não vejo aqui!!... Marmóreos monumentos
Aqui, ali se erguem distinguindo
O pó do pó que a morte confundira.
Ilusão pueril! É cinzas tudo!
Só diverge a morada no aspecto:
Os donos são iguais.

 

 

 

Soares Feitosa, dez anos

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Andréa Santos

 

 

14.01.05