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Marlene Andrade Martins


 

Dança das mãos


Depois de uma longa viagem as mãos sonolentas pedem descanso.
Dormem e se sonham num lago; no azul do sonho se espreguiçam
E se acamam mansamente no dorso do corpo amigo.


O dorso inquieto e incansável aguarda o despertar num abraço de posse,
Ciente delas que, tão sabidas em suas vontades, descansam para o novo ciclo.


Se apluma o cisne à repeticão de sua dansa sensual
E se exibe à sua bailarina no seu canto de volta.


Espreita este dorso incansável e paciente o retorno das mãos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

Marlene Andrade Martins


 

Num copo de martini


Eu me descobri hoje,
tentei olhar-me fixamente,
mas minhas pálpebras se fechavam,
torcendo-me o rosto ao contrário.


Se não devo mais navegar nestes mares,
se não posso olhar-me nos olhos,
onde fica a primeira porta para o infinito?


Me descobri hoje, perdida no ontem.
Sem caminho de volta!
Onde está voz para que eu peça socorro?


Me descobri hoje, muito tarde
Com uma solidão despencando-se,
num copo de martini.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

Marlene Andrade Martins


 

Um gosto de amor me toca o corpo


Nem um pequeno deslize sobrara.
Um fio de olhar carregando a ansiedade,
Devolveu o sorriso ao sentido pegajoso da partida.


Um ar borrifando gotículas insistia naquele gosto
De deitar com seu corpo vestido do seu riso e cheiro.
Fora um gosto apenas, que escondera-se d’eu mesma,
Na crendice de que tudo fora o quanto bastara.


Uma saudade “reclamadeira” faz viva em relances
O último olhar mesclado de verde.
Nada fora tão cedo e tarde como aquele adeus à noitinha.


E fora tudo.


O resto, um poema solitário caminhando sem ventanias,
Sabendo que um gosto de amor me toca o corpo. É bom!


De fora, a lua cheia,
e a neve branquejava mais e mais o luar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

Marlene Andrade Martins


 

Sem-terra, num infinito teto, co’as dores


Nem as dores sobrevivem à expectativa.


Tem um silêncio contemplando
o piscar do brilhar de hoje da estrela pobre
se distanciando da força de ontem.


O vagalume ostenta seu brilho,
sem constância.
Daqui e dali, se ruma na força da gravidade, até quando?


A lâmina da foice brilha na noite,
enquanto espera a decisão,
se vem... depois do amanhecer.


A terra sem consciência de dono
espera por quem a cuide.


A lâmina da foice brilha na noite.


O vagalume, daqui e dali,
se ruma na força da gravidade.


O silêncio contempla o brilhar da estrela de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

Marlene Andrade Martins


 

No estornar essa mágoa doída


Falo e repito as coisas,
coisas essas todas que rolam nos meus sentidos.
São eles como as ondas de marés altas, marés baixas.
Uma expectativa que paira,
sigo como as ondas altas ou baixas!


Vejo o mundo procurando seus caminhos
numa inconstância, dentre achados e perdidos.
Num criar e descriar de “iluminados”,
inovando quase sempre o já achado.


Indago ao mundo procurando seus caminhos:
qual o seu tempo?


E ele me indaga: qual o seu?


No cismar, ainda sem resposta,
me levo às ondas baixas ou altas!


Me doi o preço desses caminhos sem vertentes,
vertedoiros sem embarcações.


E ele me indaga: qual o seu?

 

 

 

 


 

 

 

20.10.2005