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Marlene Andrade Martins 

baiu@indiana.edu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia da autora:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aurora, William Bouguereau (French, 1825-1905)

 

Leonardo da Vinci, Embrião

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

Marlene Andrade Martins


 

Biografia:
 

Marlene Andrade Martins, de Belo Horizonte, deixou Minas ainda criança.

Morou em vários Estados (RS, SP, RJ, GO, DF) e atualmente vive nos Estados Unidos, embora passe de três a quatro meses no Brasil todos os anos. Desde muito jovem participou de vários movimentos estudantis e feministas. Durante sua estada em Brasília, teve atuação nas áreas de teatro e cineclubismo. Hoje dedica parte de seu tempo a uma associação de
brasileiros na Universidade de Indiana (EUA).

Curso superior: Letras Neolatinas. Fez também vários cursos de extensão: Literaturas Lusófonas Africanas, Teatro Brasileiro, Bases Filosóficas da Ciência Política, etc.

Viajou por quase todos os países da Europa e da América do Norte, bem como do Caribe (Cuba) e da América do Sul. Esteve também em partes da Ásia e da África.

Entidade literária de que participa: ANE (Associação Nacional de Escritores, Brasília DF).

Livros publicados:

a. O SENTIDO COMUM DAS COISAS (Belo Horizonte:O Lutador, 1992)
b. SONHOS DE VITRINES (Belo Horizonte: O Lutador, 1993)
c. Participa da Antologia "CRONISTAS DE BRASíLIA" ( ed. Aglaia Souza. Brasília: Thesaurus, 1996).

Jornais, periódicos e revistas em que publicou trabalhos:

Revista de Divulgação Cultral da FURB ( Santa Catarina)
Chiricú (Bloomington, EUA); etc.
BSB (Brasília);
Jornal da Manhã (Goiânia);
Jornais de São Paulo e Paraná; etc.

Endereço para correspondência:
1316 Nancy St / Bloomington IN 47401-6050 EUA
e-mails: baiu@indiana.edu, marlene1316@insightbb.com
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Marlene Andrade Martins


 

Afrodite


Contida das águas que outrora
entregaram de volta a Afrodite
a virgindade perdida,
a brisa agora repousa nas casas,
nas igrejas de muralhas caiadas
de cal virgem.
A branquidão disputa a primazia
com o brilho do sol;
sol que espreita o céu azul
e matiza o mar plúmbeo;
disputam a posse da beleza
da Deusa do Amor.


Avistamos Citera
um pouco antes das quatro,
o sol já se curvava.
Atracado o barco, os carros
ocupando a frente da plataforma
sairiam primeiro,
mas a gente esvaía-se,
atropelando-se e aos carros,
incomodando-se mutuamente.


O mar batia e alisava
as pedras com a escuma,
salpicando gotas salgadas,
peneirando-as numa poeira úmida
e temperada.


E a brancura contrastava
com os vultos pretos ambulantes
que traziam mulheres dentro de si.
A essas, as águas não ajudavam
com sua magia,
eram envelhecidas jovens
e não se acudiam a Zeus.
À terra sim, se acudiam, mutuamente.


Os mitos serviam aos escritos
e às esculturas,
ficaram tão distantes!
Mas a verdade estava ali;
terra dura e pedregosa
que as oliveiras e as uvas floriam.
E os vultos se fazem na inconsciente
obrigação de perpetuar-se em vida.


O mesmo sol que brilhara disputando
a primazia da beleza da Deusa,
castiga agora
as que não nasceram das escumas.


As fortes ondas tornam roliças as pedras
para que as escumas descansem.
Burilando as pedras,
o calcário areava as mãos de dedos longos,
finos para o anel de pérola e diamantes.
As veias altas personalizavam as mãos
que, no burilar, instigavam fantasias
ao que as via.


Na noite o mar ficara furioso.
Noite escura!
No bar - defronte se atracavam os barcos -
à luz das lamparinas
os homens tomavam vinho vermelho
e falavam... quem sabe, da pesca...
quem sabe, do porque os barcos
não chegaram... ou talvez
entendessem porque as ondas levaram
o anel de pérola e diamantes
das mãos que burilavam as pedras roliças.


Talvez explicassem:
fora uma oferenda a Vênus.


E a brisa se refazendo sempre
no calafrio das águas.


[Do livro SONHOS DE VITRINES. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1993, págs. 73-76.]
 

 

 

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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Daniel Glaydson

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Marlene Andrade Martins


 

Descamisado


Na espera do afago
Na espera do berço
Na espera do terço
Na espera da mãe
Na espera do verso

Crescera.
Nascera do âmago de quem também espera.
Sugou nas entranhas o tudo, do pouco existente
à sustentação da espécie.

Entranhas desaconchegantes já
pelo desgaste sem reposição
dos encargos anteriores.

Descompensado nascera.
Na espera do berço crescera.
O afago fora insípido, perdeu-se nas penas
na espera constante da mãe ausente.

Na espera do mestre com a palavra
do verso na estrofe, sonhou.
Sonhou com histórias de fadas-madrinhas.

Na espera do homem que espera Deus,
buscou caminho e encontrou-se com outros,
centenas de outros que também buscavam.

Os dias e as noites confundiam-no,
os olhares passavam e não o viam.

Todos estavam ocupados consigo mesmos.

Não encontrara Deus para as respostas.
Nos outros que também buscavam
encontrara escola e mestre.

Deles recebera o estranho afago de momentos,
o canivete, os palavrões,
sem versos, sem estrofes.

Do berço
aconchegava-se debaixo
da plataforma da Rodoviária.

Múmia egípcia,
enrolado num sapeca-neguinho
deitava-se no acochoado de lixo de jornais velhos,
com manchetes recentes.

*Descobertas mais duas contas fantasmas*

Os fantasmas não o assustavam,
não sabia ler nem jamais vira algum.
Assustavam-no aqueles que vinham de cassetetes
achovalhando-o fora.
Fora e para onde?

Mas corria.
O susto passava e o ódio cimentava-se
num alicerce de perda sobre pedra.

Até a fome não o assustava, mais doía.
Por essa dor esbravejava-se:
"pivete, marginal, assaltante perigoso!"

Olho-o, temo-o mas invejo-o pela coragem.
Pequena múmia deste século,
que nos devolve o troco pelo grande mal que lhe fazemos.

Na rodoviária os ônibus trazem
a gente para mais um novo dia.
Logo logo ele despertará de mais um sonho.
Talvez sonhara com Alice no país das maravilhas.

Levanto os olhos.
Na Esplanada do Ministérios
o sol desponta como uma bola de fogo no chão.
Talvez Deus o tenha perdido.


[Do livro SONHOS DE VITRINES. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1993, págs. 45-48]
 

 

 

 

Rembrandt, Holanda, 1606-1669, A volta do Filho Pródigo

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20.10.2005