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Naeno

 

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Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Poesia: 


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Ana Cristina Souto

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria Georgina Albuquerque

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

Ana Peluso

 

 

 

Victor Mikhailovich Vasnetsov, Rússia, 1848-1926, The Knight at the Crossroads

 

 

 

 

Rosane Villela

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

Astrid Cabral

 

Naeno


CAFÉ

 

Aquém foi pra mim uma xícara

Que pus no pires, que pus café

E conversei comendo bolachas,

Tomando café, apressado para ficar.

Alguém por mim, limpou a mesa

Catou os farelos de bolacha,

Juntou os utensílios,

Depois beijou a minha lembrança.

Um retrato, que nem mais era eu.

Esse alguém mora comigo

E a dez anos a gente conversa

Todas as manhãs, durante o café.

O resto do dia caca um sabe quem é,

O que fazer. Eu faço intrigas

Comigo e o meu retrato,

Que lembra-me noutro tempo

Um momento em que éramos iguais.

A pessoa que mora comigo

Faz do seu dia mais venturoso,

Limpa as gavetas, vai às lembranças

Uma criança deixada só.

Faz o que come, pega o que bebe,

Prepara a cama, e se deita solta.

Dorme sozinha, vai aos seus sonhos,

Sonha comigo, e arruma a cama

Com dois travesseiros.

 

 

 

 

RECHEIO

 

O vazio ocupa o homem

Mais que si mesmo.

Ele é a presença do nada

Por não ser que em si o tudo cabe

Por não ser que em si cabe o tudo.

O tudo completo, em forma de vida e vazio

A falta que é da própria vida.

Do homem que cabe e acolhe o invisível,

A alma se satisfaz disso...

Do homem, do que há nele e não existe

De recheio e do nada.

No entanto o homem não é o todo vazio,

Que ocupa a vida, uma essência

E a falta, outra hóspede que o habita.

A descoberta da figura da vida, do mundo e do vazio.

O homem é completo de vida, nada, vazio,

Vivíveis,  fáceis convivas,

E quando dorme, o homem e ocupa dos seus sonhos,

Sonhos que permeiam a vida, o homem, o vazio, o nada.

E se comunica, causando o caos, a tristeza,

O homem alegra-se com a vida, acordado.

Com o vazio entronizando,

Com o nada acostumado,

Com a vida que lhe deixa atormentado

 

DE DIA

 

Tarde demais para acostumar-me com a sombra.

Eu que venho por todo o dia tangendo a claridade

Vendo brotarem flores novas nos escombros,

Cativa-me o medo da noite agora, e fico só,

Desterrado do teu regaço, posto solto,

Como um menino que larga o peito, e agarra o mundo.

Não tinha planos para as estações,

Em todas plantei, e depois desenterrei todas as sementes,

Foi uma brincadeira de menino, uma experiência de nascer.

E morri, quando os teus olhos se fecharam,

Não te via mais, em vez de tu não me enxergar.

Cedo demais para outra coleta entre os que já deram

Ninguém saiu, são os mesmos rostos de ainda pouco,

E tudo o que eu tinha entreguei em troco,

Ao sol, que reneguei, ao dia que decepei,

Da noite que fez dos meus quereres tardios.

Agora é o mesmo tempo de todo o tempo,

Nada serviu a aplacar em mim a réstia

Que persuadiu-me e dormi com ela.

Veio pela janela, insistente o dia, repelido,

E se insinuava como uma amante afogada

Em amor querendo dar-se, alforriada.

Agora que sabes que não me atormentam as nuances do dia,

O tempo, comigo tem sido um elástico tenso,

Que ora está aqui, mostrando-me os taciturnos gestos,

Ora se afugenta, talvez medo de mim, talvez medo dele.

E só Deus saberá contar as horas em que me larguei daqui,

Saí sorrateiro pela lateral do terreiro e nunca mais me vi.

Vi uma sombra calcada sob meus pés, derrotada,

E nada de mim, nem do dia, nem de nada mais restava

 

 

AI MEUS OLHOS, AI  LUZ, AI CORAÇÃO

 

Não necessitamos só de olhos

De uma luz que se nos mostre

E mostre os campos floridos

Para enxergarmos com essa lua,

As flores de eterna espera e beleza,

Precisamos também não pensar

Em outras coisas que não sejam

Rosas e luz

Amor e paz

Ter a cabeça como um cárcere aberto,

Liberto todos os infratores,

A angústia, os pensamentos vãos,

Que vão da filosofia aos pensamentos feitos.

Do orgulho ao desapego das coisas,

Do amor ao sentimento de não ser amado.

Não necessitamos só de olhos

E de um coração ermo

Para deduzirmos a beleza das rosas,

Necessitamos do mesmo coração, teimoso,

Inquieto e procurador,

Que ajude os olhos e a luz

Esperançoso,

E que se mova no tempo

Como um caçador dos fugitivos.

 

EU, LA MANCHA

 

Amar um gesto que tudo ébrio,

Permite-se no vento afundar,

E dar-se mais, ao que tiver na espera.

A pedra o risco de voltar jamais.

Amar perdido de amor tomado,

Puxado a vil monumento agastado,

A voz já rouca de implorar que deixem

Seus olhos verem se lhe cabe a cabeça,

A altura a forca que se vão largar.

Solto o destino, solta a sorte,

Larga-se sozinho espreitando a morte,

Que antes de abraçá-lo se compadece e chora,

Ainda não é hora, o amor vai se abrasar.

Amar redondo, o mundo circundar,

Cadê Dulcinéia, fugiram meus lugares,

Onde fico, dormem meus cansaços,

E a minha fadiga de me levantar.

Acorda-me amor, amor com beijos,

Retira a infante veste, me encouraço,

A espada pesa, sinto que a loucura,

Deixar-me louco, por não tem encontrar.

Campos, trigais, moinhos ao vento,

Vê-se distante, mais longe, te amo,

Mostra-me antes, dos caminhos limpos,

O lume longe do olhar da bela.

Ó formosura, amar encarnado,

Amor que sinto, corpo atormentado,

Mas louco não sou eu,

São os que não me vêem

Como um ambicioso por amar demais.

Quero-te inteira, em carne e sentimentos,

Quero-te sentada, posta à minha frente,

Como uma deusa ainda inacabada,

Que o cinzel que aponto vai te ressuscitar.