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Paulo Gondim

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


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Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Paulo Gondim


 

Nota biográfica


Nordestino, do sertão da Paraíba, viveu em Brejo Santo, no Ceará, onde foi um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Atualmente, vive em São Paulo, desde 1969, onde trabalha como advogado. Passa a guardar seus textos à partir de 1998. A literatura de cordel é a forma de manter sua identidade cultural.

(Texto redigido em 15.06.2023)

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

Paulo Gondim


 

Tédio


Impiedosa essa tristeza
Que me invade o peito
Sem querer sair
E da incerteza
Do que há de vir
Me vejo mais só
Sem a confiança
Ou mesmo esperança
De um dia sorrir

E no meu desconforto
Aumenta o desgosto
Do meu caminhar
Nessa estrada longa
Pela noite escura
Na minha amargura
Estou sempre a vagar

E vou sem destino
Nesse desatino
Que a vida me traz
No meu desencanto
Até mesmo o pranto
Já não tem razão
E assim se desfaz

Não há qualquer vaidade
Nesta dura realidade
Que é meu viver
Insólito, inóspito, talvez
Pois assim a vida me fez
Insensível ao que vejo
E no meu desprezo
Nem sei quem eu sou

E a dor não é menor
Apenas se acostumou
Com minha solidão
Como Sentinela
Ali, de prontidão
A me vigiar
De sua janela
A me acorrentar
Com os seus grilhões

Impiedoso esse tédio
Que não há remédio
Que o possa curar
E na minha dor
Vou eu como for
Por qualquer caminho
Pra qualquer lugar

E esse tédio insiste
E essa dor persiste
No meu lamentar
Como companhia
De minha agonia
Esta nostalgia
Que me faz chorar

E tudo em volta é solidão
Se o tédio é o eixo da questão
Se o viver não faz sentido
Se a esperança se desfaz
E por sentir-se assim perdido
Só a dor se faz Cortez
E na minha timidez
De amar, sei não ser capaz.


 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Paulo Gondim


 

Face a face


Vem, que te darei meu último beijo
Fruto de meu último desejo
Desse amor como castigo
Recebe meu último abraço
Como prova do fracasso
Que foram teus dias comigo

Vem, recebe meu último sorriso
E sente o quanto amenizo
Tua dor, tua saudade
Vem, recebe meu último afeto
Goza o abrigo de meu teto
Pois já morre tua vaidade

Vem, sepulta a última quimera
Vês o que foste nessa terra
Apenas desilusão
Descortina teu sorriso triste
Não negue o amor que ainda existe
A quem lhe abriu o coração

Olha para mim
Face a face, assim
Sem trama, sem falsidade
Pela última vez, não finja
Não converta a verdade em cinza
Encare a realidade

Vai, pois te sentes nas alturas
Não temas as sepulturas
Que se abrem para ti
Bate de frente com a morte
Entrega-te à própria sorte
Vês a morte te sorrir


26.08.2005

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

Paulo Gondim


 

Expiação


É preciso descer, sucumbir
Ir ao fundo do poço
Como expiação
Não há como se redimir
É perdido todo esforço
É o mergulho no fosso
De toda solidão

É preciso mais que a vida
Esgota-se toda a coragem
É preciso morrer
Deixar a alma desvalida
Sem saída, sem vantagem
Sem volta dessa viagem
Em tudo, desfalecer

É a volta ao pó
À lama, ao desencanto
Ao vazio, ao descontentamento
Ao isolamento, de tudo, só
Sem trégua, sem acalanto
Ninguém lhe enxuga o pranto
Ninguém vê seu tormento

É o tiro certeiro
O golpe no peito
A marca fatal
A tomada por inteiro
Todo o sonho desfeito
Tudo perdido, sem jeito
Na reta final


26.08.2004 (4h)

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

Paulo Gondim


 

O milho verde


Manhã de abril, o mato em flor
A chuva passou, pois enfim chegou
E trouxe de volta a vida.
Já quase esquecida
De tudo perdida
Do pouco que sobrou.

Mas, enfim, era abril e o mato em flor
Não só o mato, mas as cercas
Os açudes, os barreiros, as cacimbas
Um cheiro de mato verde, de prado
Enchia o ar no seu esplendor
Um cheiro bom,
Perfume dos deuses
Soprando a favor

E como prova de resistência, o milho
Milho verde, milho em flor
Grãos de ouro no corpo de bonecas loiras
De cabelos vermelhos, amarelos, escuros
Grãos de milho, caroços de milho
Contraste da fome, para matar a fome
Enfim o milagre!

E vi meu pai sorrir, agradecer a Deus
Sua prole seria alimentada
Ouviria os gritos alegres de seus filhos.

E o cheiro de milho verde invadiu a casa
Casa simples, uma porta de entrada
E uma janela pequena,
Perdida na imensidão da parede de taipa
Chão batido. Nenhum móvel
Apenas uma forquilha de angico
Segurando o pote
Os canecos dependurados.

Desfolhou-se o milho verde
Cheiro gostoso, forte, próximo.
Do milho veio a pamonha
Farta, grossa, com caroços inteiros
Amarrada ao meio
Com embiras de palha
Fonte de vida

E todos comeram, com gosto
Um banquete divino!
Todos, homem, mulher e meninos
Vários meninos
E se fartaram
E celebraram
A mesa farta
E venceram a fome

Como numa festa longa
No final do dia
Foram se deitar
A balançar as redes
Todas remendadas
Parecia arte
Ou necessidade

E todos cantaram o que sabiam cantar
Contaram estórias, riram,dormiram
De barrigas cheias, de felicidade
De vencer a fome
De poder sorrir
De poder dormir

Como é belo o milho !
Rubens Braga já falara
de Seu “Pé de Milho”
Era um só pé de milho, no jardim
Um só, isolado, mas de bela figura.
Os nossos eram muitos
Uma roça inteira de milho
Um milharal!

Que deu espigas, mil por um
Que deu pamonha, canjica, pipoca
Que trouxe alegria, trouxe a vida
Venceu a fome

Foi assim com meu pai
Assim com os meninos,
Muitos meninos
Que brincavam, se balançavam
“peidavam” e davam “gaitadas”
Na sua simplicidade
Na imensa felicidade
Da barriga cheia.

Foi assim com meu pai
Foi assim em todo o sertão
O cheiro do mato verde
O cheiro do milho verde
O sonho do sertanejo
Realizado, revelado
No milagre da chuva

E tantos meninos fracos
Se fizeram fortes
Se fizeram machos
Machos de porte
De poucas posses
Mas de muita macheza
De muita grandeza
Heróis do sertão.



Notas:
1 - O mato em flor – Variante de -a mata em flor, da música Assum Preto – H.Teixeira e L. Gonzaga
2- Parede de taipa- barro amassado entre troncos e varas, muito comum no sertão.
3 – Rubens Braga – Escritor- “Meu pé de Milho”
4- Gaitada – Termo sertanejo para Gargalhada.
5 Se fizeram machos, machos de porte, de poucas posses, de muita macheza-
Alusão aos poemas “O menino do Balde” e “No céu tem prozac” de Soares Feitosa.
6- Mil por um – trecho da Bíblia.

19.10.2005

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Paulo Gondim


 

O velho baú


Por que reviras tanto esse baú?
Desarruma, arruma novamente
Abre, fecha descontente
Indignado com a perda
Do que não se encontra

Por que remóis tanto esse passado?
Gasto, desbotado, guardado
No baú da vida
Trancado a sete chaves
De tranca corroída

Por que te lamentas tanto assim?
E olha para trás e nada ver
Embora insista em dizer que ver
É só um velho baú, como tu
Esquecido da vida, do viver
E por isso se tranca, se recolhe
Não adianta remexer
O novo está fora
Sai do claustro, vai lá e ver!

Mas o novo assusta. Por quê?
O novo é arriscado, duvidoso
Melhor não mexer...
Deixar como está, não se envolver
O velho é seguro, o velho é o choro
O novo aventura, o novo é estouro!
O velho é colina, apenas encosta
O novo é montanha, o novo é vulcão
O velho, amizade; o novo, paixão!


20.05.2006


 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Paulo Gondim


 

Comentário sobre o poema O velho baú




Sabe, amigo Paulo, essa do velho baú "é de lascar"!

Eu queimei o meu velho baú de madeira de pouco valor, dolorosamente, há cerca de uns seis meses e reacendeu-me a ferida ler o seu poema.

Nele haviam todas as cartas recebidas em minha vida, fitas cassete, fotos secretas e todo um cabedal de saudade que só Deus sabe onde iam parar.

Carregava-o com muito respeito, e com certo peso, durante todos esses anos. A imagem que eu tinha, era de num futuro, debruçar-me sobre ele e acariciá-lo peça por peça em busca dos rastos da mocidade ("gasta, desbotada e guardada no baú da vida")... Mas, o destino quis que os cupins invadissem, sorrateiramente, os fundos de meu guarda-roupa, onde o baú descansava impassível, sem defesa e choroso (digo, pelo estado de umidade comprovado após o assassínio criminoso das térmitas) e o inutilizassem rindo e ridicularizando o cadeado que dava falsas ilusões de segurança doméstica.

Ao ver "meu passado" molhado, dilacerado e inutilizado, corri ao quintal e joguei chamas em seu interior, assistindo penosamente o triste desenlace desse ente querido.

Tive a nítida impressão que o meu passado, passara de vez e que gritava em crepitações ( " O novo está fora. Sai do claustro, vai e vê!")

Ai, ai, como é duro ter um coração ao invés de uma bomba d'água no peito, meu amigo.
Mas o poeta astuto percebe que "o novo é vulcão!"

Grande abraço e até a próxima.

Raymundo Netto


 



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(15.06.2023)