Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Priscila Lopes

 

lopes_pri@hotmail.com

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia da autora:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José Lívio Dantas

 

Valdir Rocha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 
 

Priscila Lopes

 


 

 

Autobiografia

 

Nascida em Brasília-DF, em 1983, reside desde criança em Florianópolis-SC, cidade que a inspirou a escrever os primeiros versos. Filha dos jornalistas Sérgio Lopes e Rita de Cássia Costa, é formada em Relações Internacionais e estuda Letras - Língua Francesa. Em 2007, foi publicado o primeiro livro com três de seus contos em uma seletiva organizada pela Editora DeLeon: Algumas Ficções. Assina uma coluna semanal no site do fotógrafo Marco Cezar (www.marcocezar.com.br) com a personagem Taty Paty Matias.

Faz parte do blog literário Sindicato dos Escritores Baratos (http://sindicatodosescritoresbaratos.blogspot.com/) e eventualmente também publica seus textos no Recanto das Letras (http://recantodasletras.uol.com.br/autores/prilopes).

 

 


 

O amor acabou

 

Um dia você vai acordar, vai abrir esses olhos de lagoa azul e perceber que uma coisa mudou. E essa coisa mudando, parece mudar todo o resto. Um dia você vai acordar e perceber que aquela pessoa que hoje você ama, não está mais ao seu lado. E os olhos de lagoa azul talvez se tornem olhos de cascata. E muito provavelmente você vai querer acreditar que é um pesadelo, mas na verdade, na mais intrínseca e cruel verdade, o sonho é que acabou. A pessoa amada quem sabe comunique por bilhete. As mais sensíveis se esforçam em conversar e lhe fazer carinhos. Há as que nem telefonam. Somem: pronto, o amor acabou! Mas o fato é que você vai acordar sentindo-se um saco de lixo sendo chutado na calçada – e se espalhando em tripas pelo chão, a nítida sensação de que todos podem ver a sua dor. Bobagem! Ninguém pode. Só se você chorar o tempo todo. Mas você não vai chorar o tempo todo, né, neném? Pegaram seu brinquedo favorito e agora não tem mamãe para ir até lá e fazer o outro devolver. Então, não adianta chorar compulsivamente durante o resto da vida porque não há mesmo nada que traga de volta o ser amado – nem simpatia nem "trabalhinho" se o amor tiver mesmo acabado. E não se surpreenda se em uma semana souber que ela está de malas prontas para a Cidade Maravilhosa. Aliás, não se surpreenda com nada. Simplesmente não se surpreenda mais. Não se surpreenda mesmo. Definitivamente, nada de surpresas. Ela vai ter uma recaída e te procurar quando você achar que está superando – mas no dia seguinte ela vai acordar e pensar que foi um erro tremendo; ela vai desfilar com roupas novas, perfume novo e um ar de "eu estou mudada" - e você vai se contorcer de raiva se não conseguir apontar um defeito novo; ela vai querer ficar em forma, se interessar por artes ou literatura, se apaixonar por uma banda que você mal conhece, tudo para mostrar que se tornou alguém melhor por não estar mais com você – que, por sua vez, alegará que ela está anoréxica, intelectualóide e influenciável. Ela vai agir de um modo totalmente inesperado quando por acaso se encontrarem – e você não vai conseguir disfarçar o embaraço ou o desapontamento; ela vai mudar a senha do banco e do e-mail, os móveis de lugar, o segredo das chaves do apartamento; ela vai fazer uma coisa da qual sempre teve medo – e você poderá se sentir menos especial por não compartilhar dessa nova experiência; ela vai fingir ter esquecido de algum momento de vocês: "Ah, sim, em Laguna. Nossa, faz tempo! Como lembrou disso?" – por mais idiota que você se sinta nessa hora, entenda, é pura provocação; ela vai telefonar no dia do seu aniversário e te fazer recordar que no último ano passaram a data comemorando juntos – e talvez, por alguns instantes, tudo à sua volta perca o sabor; ela poderá comentar com um conhecido seu que nunca o amou ou, quem sabe, se pegue distraidamente te chamando de "amor"; ela vai dizer "esse foi o melhor final de semana da minha vida" e você será automaticamente remetido ao até então "melhor final de semana da vida de vocês"; ela vai se afastar, e muito provavelmente você não irá reconhecê-la nos gestos ou nos gostos, nos hábitos ou nos rostos; se ela não se afastar, naturalmente irá te criticar para a sua nova namorada ou concordar quando ela disser que você é muito distraído – "ah, realmente, ele não é atencioso"; ela vai tocar seu braço "sem querer" e a sensação que se tem é tão estranha quanto indizível; ela vai te pedir ajuda; ela vai te oferecer um colo; ela vai te aborrecer um dia; ela vai te perdoar de novo; ela vai contar um episódio divertido de vocês; ela vai esquecer de um evento triste; ela vai fazer uma versão diferente da sua para o término; ela vai admitir erros e defeitos que atrapalharam o relacionamento; ela vai dizer que a culpa foi sua; ela vai chorar bastante; ela vai rir pra valer; ela vai beijar muito, dançar durante noites, abraçar muitas pessoas, ela vai amar de novo.

Ou não. Um dia você vai acordar, vai abrir esses olhos de lagoa azul e perceber que a pessoa que hoje está ao seu lado, não é mais a pessoa que você quer ter ao seu lado.

E aí a história vai ser bem diferente...

 


  

Varandas

 

Pela varanda
Vejo o Sol
O dia-a-dia
Vejo promessas
De um amanhecer
Com alegria
Vejo meus sonhos
Na varanda
Contemplativos
Vejo teus olhos
Que tanto têm
A ver comigo

Pela varanda
Eu me perco
Em devaneios
Rasgo cadernos
Corto meus pulsos
Parto-me ao meio
Na varanda
Espalhado está teu riso
Teu canto
Teu pranto
A mostrar que te preciso

Pela varanda
Eu recordo
O que não fui
E o que serei
Se não sair
Dessa varanda
Se não declarar
Meu sentimento
Sufocado
Sinto que sou como o vento
Passando na varanda
Sem nunca ser notado

 


 

Cri-a-tiva

 

Quando eu era criança,
E olhava para o topo das árvores,
Eu não sabia o que era o passarinho.

Bastava observar


E eu era um passarinho.

 


  

Não senti a Morte chegar

 

Talvez não tenha batido à porta
Talvez nem houvesse porta
Talvez até, fechada a porta
Pulasse a janela
Determinada
E lentamente subisse as escadas

Não me despiu
Não me encarou
Não me fez mover um palmo

Não senti a Morte chegar.

 


 

Apagão

 

Esse tédio de ficar sem luz
me leva a escrever
coisas tão escuras!
Acendo as idéias para ver
se consigo continuar minha leitura.
 

 


 

           Canção de mais nada (a Ruy Espinheira Filho)

 

Vamos beber qualquer coisa
Sim! Beberemos as lágrimas
as Andradas, as praças
XV, XIX, Duque de Caxias
os senhores jogando, a vida
nos pés das crianças que correm,
o caos, os cães de estimação
beberemos as leis, os regulamentos
(todas as praças da República)
a Constituição

Vamos beber qualquer coisa
humana ou não, simplesmente
beber dessa juventude antiga
os pontos de ônibus, os bancos
do metrô; os teleféricos, as calçadas
os passos, os pássaros vamos beber
as horas e as senhoras
os meses do ano, os dias santos
Vamos beber qualquer coisa
de tudo um pouco, e tanto

Que a fonte secou.

 

 


 

Simbiose

 

Descobri que há
nessa linha (nesta linha
também) da vida que a gente constrói todo dia
- além das nossas duas, há outra que nasce
dessa união - os versos capazes de
compor os poemas mais intensos
e, descobri também, só depende de nós.

 

 


 

Réquiem por uma Palavra

 

Estava no ônibus, sentada sob um sol brando de Segunda-feira, a reparar nas pessoas envoltas em seu próprio amanhecer, no clima propiciado pelos seus mp3 players, I-pods - alguns ainda apegados ao discman, mas não importa quais eram os instrumentos emanadores de música. O fato é que eu entendi tudo o que, até então, passava diante dos meus olhos sem me atentar. É que a música dá cenário ao nosso pensar. Mas pensar em nós mesmos. Pensar no que nos cerca, no que nos afeta. Ouvir música é ser, a certo modo, egoísta. É pegar esse pano de fundo musical e colocar no palco da nossa vivência, e pronto. Sentir o que a música te induz, mas só até onde você se permitir. Mas ler... ler é emprestar-se ao mundo. Às coisas que compõem o mundo. Ao mundo do mundo. É desprender-se da terra, da poltrona, do ônibus, da própria carne e habitar outro aspecto de vida – que às vezes nem é vida, mas vive descrito na página lida; esquecer-se de quem é; não ser. Ler é quase não existir para coisa alguma e vagar fantasiado de tudo que é lido, simplesmente no ritmo dado pela acentuação gráfica: Ah! Ler, este suspiro visual, é romper as paredes do corpo e partir sem tristeza; partir para ficar; permanecer ileso ao ambiente à sua volta, mas afetado por tudo. Estremecer por dentro, lendo o turbulento. Chorar, e tomar decisões que talvez se dissipem durante o retorno ao corpo, sentado na poltrona do ônibus que viaja preso à terra, no interiorzinho de Santa Catarina, vendo vacas beges pastarem impassíveis. Ler e rir, às vezes, doer de raiva de algo que nunca existiu nem aconteceu, mas que teve vida no espaço de tempo – incontável – em que você o lia. E eu escrevo para quem lê sem saber-se lendo; viver na palavra escrita, saltando de página à página, cada vez mais sedento. Eu escrevo absurdamente ávida. Meus dedos, humildes funcionários assíduos, trabalhando sem hora determinada – a escrita em nada se encerra, nem de maneira alguma se conforma. Alguém, do lado de fora da página, me espia por dentro. Passa os olhos nesta folha: sentem-se os dedos. E a mágoa eterna de nunca ser suficiente, jamais encontrar-me aliviada em texto algum, simplesmente porque não existe o que me avise: “está bom, pode parar por aqui”. A palavra me (con)vence. A palavra é que me (co)move. Somente ela é capaz de descrever sem podar o imaginário mais profundo dos seres humanos que estão sobre ela. Na superfície da palavra, eu me deito solenemente e sou levada: letra por letra, cada vez mais aflita, na busca - incessante e suspeita – pela coisa não escrita.

 

 


 

Vem de repente

 

Vêm de repente aqueles dias tristes, tristinhos e levinhos, como parentes distantes e inconvenientes mas tão bobinhos que a gente não tem coragem de afastar. Vem de repente uma saudade imensa de coisa que não se define, de lugares e situações que talvez até nem tenham existido, estejam onde estiverem, estarão, estariam nesse instante suspensas no universo do meu pensamento – ou na mística filosófica que envolve minhas lembranças. Vem de repente o medo de não superar o passado a ponto de enxergar onde pisam meus pés nesse presente que é, na verdade, o futuro – e se não houver nada daqui para frente? Vem, sim, de repente, a certeza de que alguma coisa se perdeu pelo caminho e eu não percebi – às vezes me sinto egoísta, mesquinho – e fui andando e tropeçando, sem dar-me conta do que ficou para trás. Vem de repente, bem de repente, um soluço afogado de lágrimas morninhas que, de tão tímidas, logo param de cair. Vem de repente o retrato dos que já se foram – sorrindo, gritando, cantando, pulando na grama descalços, peraltas – como forma de auto-tortura contemporânea, e eu nunca me esqueci de nenhum rosto. Vem de repente um momento de reflexão que começa num desejo profundo de relembrar o máximo de coisas e termina na determinação de esquecer-se para sempre do máximo de coisas. Vem de repente um sinal que pode ser constatado à qualquer hora do dia, no trânsito, na sorveteria, andando na rua, se nota um detalhe precioso – inconveniente, talvez – que remete ao fato do qual você quer se distrair. Vem de repente um delírio, um sonho mal acabado que te deixa a sensação de estar sendo vivenciado e você corre, corre, corre sem sair do lugar – e se descobre no pesadelo do cotidiano mal digerido. Vem de repente o espanto, aquele maldito intrépido pavor diante da confirmação do que mais temíamos, e a dor, vem de repente, tudo junto, e nessa torrente, o rancor, a vergonha, vem de repente, nessa onda de sentimentos que vêm de repente nos dias que chegam, também de repente, ao mesmo tempo se instalam na vida da gente que é a saída da gente para que não se caia nas armadilhas da mente, nos braços da morte assim de repente.

 

 


 

Sentimento de Culpa

 

Foi horrível. Horrível simplesmente, não. Foi péssimo. Foi completamente descabido e incompreensível. E também indescritível. Mas eu vou tentar descrever porque meu bom senso não é maior que minha ousadia. Mas, por falar em ousadia, quanta insensatez naquele simples telefonema. Sim, tudo começou com um telefonema. Na verdade, começou bem antes disso, mas o telefonema era uma torrente devastadora arrebentando a minha barragem. Meses construindo essa barragem. Meses! E num simples telefonema, eu naufraguei novamente. Foi horrível. E foi péssimo. Primeiro porque eu não estava esperando “fazer contato”; segundo porque foi um telefonema pra lá de idiota. Só para me fazer uma pergunta tola. Uma pergunta cuja a resposta só eu sabia. Eu e a Lista Telefônica. Mas com certeza daria muito trabalho procurar na Lista Telefônica. Era mais fácil me telefonar, romper a barragem e ficar assistindo eu me afogar atrapalhadamente do outro lado da linha: “Ah... eu... o telefo... hum... achei... só isso?”. Quanta estupidez para um único ser humano! Mas, também, como tratar o anormal como algo trivial? Como driblar a ansiedade diante de um telefonema que estava, naquele instante, quebrando um silêncio de meses? Foram meses. Eu já mencionei isso? É que é preciso frisar. Meses de tortura. E quando eu me senti pronta para viver do lado de cá da barragem, o telefone tocou e, junto dele, aquela onda imensa derrubou o muro que eu havia erguido para me separar de suas águas. E no fundo, no fundo – porque eu estava literalmente me afogando – eu só queria que alguém, de algum ponto qualquer – do outro lado da linha, quem sabe – me atirasse uma bóia. Mas em vez disso, eu acabei dizendo que me sentia péssima e que a culpa era da pessoa do outro lado da linha. Eu disse isso e me arrependi. Foi tudo bem rápido. Acho até que me arrependi enquanto dizia. Mais do que isso: eu nem bem tinha dito e já havia me arrependido. Mas foi horrível. E foi péssimo. Eu falei que o culpado era ele e como resposta, seguidamente: TU TU TU TU...

 

 


 

Elogio a Ética

 

Você veio me dizer de forma toda poética que o seu maior prazer era admirar a minha estética. E confesso não ter entendido absolutamente nada da sua profética, mas mulher tem sexto sentido, e eu te falei de maneira sintética que jamais sairia contigo. Eis que, então, você me demitiu por injusta causa e eu, me enchendo de raiva, para não te mandar para aquele lugar que ninguém nunca viu, resolvi dar uma pausa – sim, meu pobre cérebro refletiu. Consultei um dicionário para enriquecer o meu vocabulário e responder à altura do que você me falou, galanteador feito um canário, mas tão ofensivo e ordinário. Agora, escuta aqui, sua besta patética, antes de se gabar da sua hermética, você deve aprender a respeitar suas funcionárias frenéticas que tanto trabalham em seu lugar. Enquanto você viaja pelas europas e soviéticas, a gente está lá no seu escritório, fazendo o quê? É notório: estamos cibernéticas de tanto digitar, formatar, editar, ocultar e se desculpar por você – nota-se pela minha aparência esquelética. E o senhor tem coragem de me colocar na rua, depois de elogiar minha estrutura atlética, depois de insinuar querer me ver nua? É muita falta de censura! E nem estou analisando faixa etária, até porque sou bem eclética, mas, cá entre nós, com essa sua urticária, nem se eu fosse uma doida epilética. Veja bem, não perdi a compostura como era de se imaginar – você mesmo diz que mulher é muito histérica. Aliás, vou mais além, lembro-me também de ouvi-lo criticar a minha aferética, me subjugar, me caracterizar de aérea. Agora, se me permite retrucar, eu te convido a analisar as coisas de maneira mais eidética – não, não é doença venérea. E para finalizar dialética: vou embora, sim, mas sem me envergonhar. Ao menos a mim não falta ética.
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Manoel de Barros

 

Augusto dos Anjos

 

 

 

 

 

04/10/2007