Dilson Lages Monteiro
Pequena bateria
de poemas de Dilson Lages Monteiro
A VAIDADE DO VERÃO
A solidão do sol absorve
o verão vitorioso
das tardes de agosto
e o gosto da vida
vira gota de lágrima perdida.
A solidão do sol silencia
o sepulcro das ruas
que rastejam na poeira do poente.
A solidão do sol
apaixonada pelo brilho
dos próprios olhos
atira-se sobre o telhado
da casa
e morre curiosa.
(IN)DECISÃO
Cai o sereno nas notas da noite
e o coração do sol se assombra.
Cai sobre a máscara do mar
e a face cega do amor
canta uma canção de despedida.
Cai sobre as pálpebras da boneca
despenteada pelo calor dos olhos.
Cai sobre as mãos
que acenam o adeus.
O GALOPE DAS ESTRELAS
Meus olhos tocam o campo
onde cavalgamos sonhos.
Ouço o mugido do gado
preservando o encanto da noite
e galopamos na tangente do açude
onde o céu se oferece para contemplação.
A madrugada corre ensandecida.
Minhas mãos alcançam as alturas
e degusto o oásis do sertão
onde cavalgamos sonhos.
OLHOS NO INFINITO
A palavra seca
o rio que nasce
nos meus olhos.
Semeio suor
nos ombros do tempo
e a vida do silêncio brota nos jardins
que o olhar esconde.
CONTATO
O coração
Pulsa
Entre o sol
Riso.
SOMBRA DE EROS
Para aldairis
A tua alma brilha
nas paredes do meu quarto
no silêncio da noite escura.
E os raios de teu riso
oferecem ao ar
os riscos de tuas cores:
O vermelho paira na pele
e o calor róseo
de preto e branco
veste a luz.
Ofusco-me com o rumor
de tua presença
e a alma de teu sorriso ilha
brilha na lembrança
livre de impedimentos.
ASSIM
Não se entregue assim
por inteiro
se a tarde demora
e o demônio mora
na hora mórbida
desse momento.
Não se entregue assim
passageiro
se o pássaro pousa
em sua audição
o som triste
da natureza.
Se entregue assim
por inteiro
se o coração suspira
o suor do silêncio
e a noite diz sim
(IN)CERTEZA DA ILUSÃO
Entrego a ti
o trajeto de minha emoção
e naufrago no afeto de teu tribunal.
Teu coração pequeno não comporta
o compasso de meus passos
e machuca o caminho das sensações.
Entrego-me a ti teu coração
cortado pelo olhar da tarde
que desce no degrau do firmamento.
Entrego-me a teu coração
o curso do sol que divide o hoje
entre o ontem e o amanhã.
CARNE DE PAPEL
Sem o corpo
o espírito vaga no ar
da paisagem oculta.
Sem o corpo
o espírito vaga
por onde crescem os fantasmas
de tuas fortalezas.
Sem o corpo
a paisagem oculta
a sinuosa curva do sonho
que se dissolve pelo chão.
Sem o corpo a noite
escurece o céu de silêncios
e o espírito se perde
entre as estrelas
para te encontrar
onde a memória alcança.
TERAPIA
Consigo me ver nos seus olhos
neles me vejo
como quem vê a si no silêncio.
Consigo ser o sal de seus sentidos
e o sol das emoções
vestidas pelo suor suave
que me confunde os verbos.
Consigo tocar a lucidez de sua face
e a loucura dos pensamentos
mergulhados no mar
que nos atira à areia.
Consigo o céu pousa
na palma de minha mão.
Eu astro e rei
brinco de tiro ao alvo.
SENHORA DE MIM
O espaço cola minha alma à tua
e sou presa fácil
do olhar fixo dos passarinhos.
O ar acaricia teu rosto
e a febre da tua boca
esfria meu estômago quente.
Sou presa fácil:
meus pés pisam o asfalto
SIGNO(FICA)
O que signi(fica) a forma de teus lábios
no céu de minha cama no teto do ar?
Onde leve(estamos)
o signo na clareira
encerra o ser.
O que signi(fica) o conteúdo do teu corpo
na imaginação do estado único
de minha transparência?
Em que ciência construímos a razão do dia
se a carne dos nervos em versos de suor?
Acaso o caos sucumbiu-nos
nus entre-verbos da comunicação
respostas (i)mediatas?
Onde leve(estamos)
par-oxítonas
para o ritmo do amor.
TAL VEZ
Um dia talvez
a tarde se deite
debaixo de meu lençol
e o corpo do tempo
seja o seio
que seguro
em minha mãos.
Um dia talvez
os versos do olhar
liguem o céu à terra
e o corpo do tempo
seja o seio
que desliza
em meus lábios.
Um dia talvez
teus labirintos
sejam a linha line(ar)
do pensamento
e o presente reviva
colorindo o peito.
PERMANÊNCIA
Minha pele não vê
a superfície da luz oculta
e o tato toca o corpo
sem sentir
o tom das tuas mãos.
meu nariz não respira
o cair de tua presença
como sombra de meus passos
nem o olfato fala
teu cheiro de flores do campo.
Meus olhos não degustam
a grama da cama macia
e o paladar mastiga os lábios
sem engolir o gosto
dos beijos de açúcar.
Mas a pele, o nariz, os olhos
em meu coração, poesia.
MARATAOÃ
Para José do Rego Lages
O rio corre em meu coração
e separa os sentimentos da areia.
A vaga das água vai
virando pó em pensamento
e a estrada encurta distâncias.
O rio viaja no horizonte
onde dançam os cabelos das carnaúbas
e soluçam os olhos do sol.
O rio corre em meu coração
e deságua nas correntezas do caminho.
CÉU DE ASAS
Como a manhã sem pressa
no alto da colina
nasce a palavra na retina
onde crescem a lavoura
e o vôo do céu.
Nasce sem pressa a manhã
no leito lento do rio
onde reses ruminam
a mina do sol.
Nasce sem pressa a manhã
nos palácios de palha
onde o corpo repousa
o silêncio do cio.
Como a manhã sem pressa
no coração da imagem
crescem a lavoura
e o vôo do céu.
(RE)PRESA
A água debaixo da ponte
agita-se com o reflexo do céu
e devora a noite
tecendo o rio de estrelas.
Debaixo da ponte
os lábios das margens
molham-se de delírios
e os lírios olham a imensidão.
Debaixo da ponte
o corpo da água escorre
entre os dedos de concreto
e esbarra no beijo da vegetação.
DIAS QUE SE REPETEM
O fogo fortalece
a fortaleza incerta
do após.
Aposta-se o destino
dos sonhos não vividos
e a emoção parte
lentamente
das praças órfãs.
Aposta-se a Barras dos bares
que embriagam o presente
com a desgraça sem graça
dos ébrios e ditadores.
Aposta-se o povo
nas carrocerias dos caminhões
e a sombra do inferno
cobre as vozes
mascaradas de progresso
enquanto a cidade pára
no enterro dos vivos
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