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Alana Alencar


 


Cadentes de nós


Sumidas as cadentes
e nossos dentes nunca mais.
No denominador
denominado amor
fujo da situação
em caminhos de Marias e Joãos
perto de onde o sol nascer.
Em brindes sem querer
sequer dentro de mim
ser sim
ser não
na contramão seguir viagem.
Parte do que sou agora
metade do que sou depois
misturam-se feijão e arroz
à caminhada.
Ser no fundo o útero da dor
como flagelo e medo.
Impaciente lunna bella
Como formar roupa e chinela de algodão
sucateando beijos e carinhos
trotes e abraços
desejos e fracassos
passos fortes
ao Norte
ao Sul.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Alana Alencar


 

Desejo Afiado


Olhe meus olhos de frente
tirando o gosto do meu paladar
deixe os lábios sobre a pele que fere o que apela
soletrando a saliva do que de intenso esperas de mim
deixando transpor a rigor o suor.
Exclame e reclame o que não for de direito
buscando meu desejo afiado que pede além das tuas mãos
que se perdem por entre desafios e cigarros, maços arrasados
na mistura do gole errado de que não ousei ceder.
Entenda de forma sensata a fumaça
a mordida certa do pecado mortal
sinta o batimento em sintonia com os movimentos lentos
          em compulsão
viole minhas leis desgraçadas
minha moral sem juízo
meu bom senso arruinado dos teus atos interessados
          no prazer.
Me dê por mercer meus erros
não se sinta capaz de entender o que se passa de fato.
Tudo errado no momento entre esquecido onde juras são
          provas de amor
se atrevendo a fazer parte do lençol onde esqueci meu cheiro
misturado com o teu.
Confesse seus apelos ao espelho de que por instantes foi meu
         e nada mais
instantes entre estantes e discursos pobres e carentes de uma
atenção especial e verdadeira.
- E eu buscando teus olhos fechados -
Olhe meus olhos de frente
tirando a dor da alma lavada
lapidando o ócio de te olhar no meio da mesma fumaça
atacando o que for coerente entre nós dois.


 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), girl

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Francisco Carvalho

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Alana Alencar


 

Esqueça


Esqueça minha cabeça oca
meu trago, minha cachaça, meu vinho tinto raro.
Esqueça minhas loucuras, timidez
remédios e depressão.
Esqueça minha sobrancelha receosa
meu morder de lábios
qualquer expressão.
Esqueça completamente meus dentes
minha agonia, tensão pré-menstrual.
Esqueça meu endereço, telefone, cartas de amor
música, desejos e ideais.
Esqueça nossa cama, lençol, meu olhar calado
farto, estúpido.
Esqueça minha mania grosseira
falhas verbais.

Esqueça nosso tempo
o que foi bom, o que durou.
Esqueça minha pulseira, promessas
cabelo mal cuidado, pernas depiladas
respirar cansado, unhas quebradas.
- poemas ridículos -
Esqueça minha caneta, papel
gritos e enganos, gestos e planos, desejo sentimental.
Esqueça meu choro e sorriso tacanho
meu medo estranho, tolerância, crença e fé.
Esqueça minhas verdades, mentiras e iras
maus-tratos e tratos de amor
meus beijos em completa desordem.
Esqueça meus descuidos, filmes, piano
letra e nome
meu jogo, meu naipe
dia, mês e ano.
Esqueça minhas partes, tudo
só não esqueça de mim.


 

 

 

Da Vinci, Homem vitruviano

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Vicente Franz Cecim

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Alana Alencar


 

Euforia dilatada


Por ir atrás e nada mais
esgotei
transbordando euforia.
De fila em fila me encaixei.
Arrumei a mala.
Passagem, viagem
mapa de tesouros
calabouços, redemoinhos
e ventos prontos pra me levar.
Com tudo pronto
esgotei mais uma vez
e vim pra cá
trazendo desespero
e um monte de ilusão.
Vim sufocada, destilada
com dor em toda parte do que tinha sido pensamento
mesmo que em vão
mesmo que no que ferve em forma de vulcão e tempestade.
Por ir atrás demais
mais uma vez esbarrei com o nada
aguçada de sentidos
deparando com minhas mãos
que nada escreviam
que nada reclamavam
precisando gritar.
De plano em plano
me alimentava
estilhaçando migalhas
implorando pão
comida, água, saliva.
Por tanto desconforto
por tanta falta de rosto
me encostei no teu olhar
tentando salvar o que ainda explodia em sentimento
e hoje me atrevo a confessar
meus lábios
meus calos
meu dilatar mais intedioso.
Por ir atrás e ninguém ver
dei de cara com um muro cor de mim no íntimo
e foi assim
no íntimo carmim que entendi que precisamos ir além de
entender.


 

 

 

Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

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Dimas Macedo

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Alana Alencar


 

Quero


Quero continuar vivendo
queimando
cremando meu maldito ódio
meu ócio esgotado
minhas costas curvas
a desejar ruas nuas em noites de lua cheia
continuar sofrendo minha pobre imensidão
meu ar contentador de ilusões
interrupções morais
formais.
Quero continuar me matando pra viver
lutando com todas as minhas armas brancas contra a minha tão
pesada cruz.
Encerro-me em dias anormais de silêncio
amando minha dor
dor miúda
amarga e azeda.
Quero continuar afetando meus nervos
minha mania explosiva de não agüentar
conquistar
me enganar
me perder, deter, sofrer e ter menos
a menos que eu me dê
que eu me implore
me doe pra mim
que eu me tenha.
Quero continuar roendo esperança
arrancando os minutos com as mãos.
Eu não tenho direito
nem respeito pra me perdoar
quero os segundos calados sem razões de ser
e quero ser um ser em ser apenas
cheirando meu medo do mundo
o mudo absurdo
que cabe entre eu e as paredes que agridem
confrontam
Quero minha sensibilidade latente
meus dentes carentes de morder algo maior
sem fisgar palavras de peixes de aquários de otários que não
          sabem pensar
muito menos viver.


 

 

 

Um esboço de Da Vinci

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Jorge Tufic

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Alana Alencar


 

Segundos


Dentro de poucos segundos
agudos e graves
recito.
Inerente ao ilícito
dou-me de espécie
equilibrando-me na linha do horizonte.
Nos finos raios se escondem
meus gritos e gestos
olhares, protestos.

Dentro de poucos segundos
sustenidos e claves
canto ao que pode inundar meu pranto
de goles e lágrimas
em oceanos de sensibilidade e dor.
Fecundo-me em gases nobres
poemas e odes
tinta e papel
e dentro de poucos segundos
pontos e crases
discordo das leis.
Leio rosas
de repente Rimbaund
tambor
fax
fone: Graham Bell.

Em poucos segundos
raso e fundo
escuro e claro
largo e profundo
rios e lagos
nado
e nada muda o tom de sentir.

Em poucos segundos
choro e sorrio
com medo de tudo
ainda obscuro em mim
te trago o que é meu
meus segredos
e dentro de poucos segundos, meus segundos são teus.


 

 

 

Albrecht Dürer, Germany, Study of praying hands

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Lau Siqueira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alana Alencar


 

T.P.M.


Inconseqüentemente o que ofereço a mim
e o que destruo no possuir consolo
o que desisto e insisto
no momento em que me formo e me informo.
O que discuto no amplo, estreitamente amplo
o que nomeio porque ganha nome
lapida e incentiva onde me encontro.
O que assumo e anseio
o problema de estar na responsabilidade do ato de duvidar
        da pesquisa
do sono, do desassossego.
A desordem mundial de neurônios da minha cabeça fértil e
        desorientada inventa
altera
ultrapassa
limita e reage
sacia e embriaga
morde a ferida e machuca
arrasa
trata o enlatado como o pó que engasga e seca a garganta
          molhada.
É o quê
o que trava
o que afeta a moral
a dor que suporta, a aflição, a ida, a volta, o medo, segredo
e gratuitamente a intuição.
O desperdício, o vício, o íntimo, crítico, ávido e tímido
        na flexibilidade amarrada
acirrada.
Um desânimo oportuno
o que arrebenta e dilui
entra num vácuo e detesta e expõe
funde as notas e as letras, as cordas e acordes, sobrecarrega.
Entre altos e baixos degraus calados que gritam a vez do primeiro,
do último, do segundo
da repetição, da mão, do pé, de todo sentido lógico, ligado e
        preso e solto, livre
tátil onde atenuo
o que se descreve e perde o jeito
flagela a situação arrojada, engajada, suportada e
        insuportavelmente leve e pesada.
O que for sabor, cor, tempo, tempero
o que acalma e dilata e afasta e assusta nenhuma letra sensata
dos olhos
das veias
caneta e papel.
É o desejo de ir embora, agora, sem antes, sem saber do que foi
        pregado
grudado
o que não quer sair
o que some e aparece para enterrar o que não se come, consome
a dívida contada.
O que é reto e torto,
o que tende para um lado, a curva
e eu deitada, todo mundo, o mundo e mais alguém
e mais ninguém para o mínimo da arte pulsar de impulsos
o poder da inspiração
os movimentos
o sorriso, a lágrima num gole de fracasso
o sucesso
o asfalto, afeto, terraço; mesa, quarto e cozinha.
Espinhos têm flor
amor tem desejo
e tudo o que faz luzir e apagar
o pensamento, o sentimento, o nada
o que dá vazão
à obra escrita, o perdão, o arrepio
o preto no branco no preto, na falta da cor, todas as cores, o frio e o calor.
É o que percebo, a falta de vergonha, o gesto obsceno, o que é
profano, indecente
gente e poeira
o erro humano
o sem sentido do cigarro, a fumaça, o ópio, a espera
o gaguejar estúpido e aflito, enlouquecido, o que de forma
         alguma teme.
A vontade dos verbos em artigos
pronomes e adjetivos repremidos, eu, nós e você
a ponta da agulha, o arder por dentro
o que é voraz e animal, desentendido, entediado
o filme revelado, o valor da vida assumida e nada mais
mas o mais um pouco calejado sem cansar
o velho e o novo em sintonia de sinônimos
o que é correto e provém do erro
o desconcerto e o conserto de instrumentos musicais.
O que de fato explica
o que não agüento mais
taxas hormonais
minha t.p.m. aguçada.


 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Francisco Brennand

 

 

07/11/2006