A poesia, em essência, é atemporal. Mas a sua
fruição requer tempo. Não se compadece a
contemplação com a síndrome da pressa dos tempos
modernos, e o século jovem ainda se embaraça nesse
legado de um sentimento de irresistível urgência.
É, assim, com certo
remorso que escrevo sobre a recente e premiada
poesia de Daniel Mazza, (classificado em 1° lugar,
na categoria Obra Inédita, no X Prêmio Ideal Clube
de Literatura- Prêmio Gerardo Mello Mourão) se bem
que, no caso presente, a correria não se deve a esse
novo ´mal du siècle´, mas às circunstâncias que me
movem a pena
estando o livro já praticamente em máquina. Relevem
essa desculpa para justificar a superficialidade da
abordagem de uma poesia que é rio denso e profundo,
a exigir mergulho lento e total.
Neste volume, breve,
mas poeticamente significativo, Mazza enfrenta com
galhardia, no plano formal, os desafios do verso
medido que não se quer rígido, do soneto que se
recusa ao bafio das gavetas esquecidas, e,
finalmente, do verso livre que se quer genuinamente
novo, sem ingenuidades anárquicas.
No terreno por vezes
limoso do que-dizer, o desafio é mais radical, visto
que não se limita ao jogo das formas, mas encarna a
batalha das essências, visível desde o título das
duas primeiras partes, ´A Morte´ e ´A Culpa´, e
vislumbrada no da terceira e última, ´A Cruz e a
Forca´, que assume as honras da capa.
De pronto, no soneto
inicial, ´A Morte´ nos impacta com a força imagética
do poeta, que a apresenta como ´um jardineiro sem
podão´, a procurar no jardim folhas caídas. O
impacto se renova e se apura no soneto seguinte,
primeiro do binômio ´Morte e Sono´, em que o segundo
termo se define como ´um pouco da morte represada /
nas comportas da noite´.
O rigor com que o
poeta exerce o seu ofício, bem como, em oximoro
apenas aparente, sua metrificação avessa aos rigores
parnasianos, evidencia-se, naturalmente, em todo o
volume. Para a exemplificação desse rigor e dessa
característica métrica, reclama, contudo, a atenção
do leitor um poema determinado, ´A Bala Viva´, em
que uma e outra qualidade se reúnem sob um título e
se realizam num verso que remetem à seqüência
mágico-metafórica de um dos mais extraordinários
poemas de João Cabral de Melo Neto, Uma Faca Só
Lâmina. E João Cabral foi, decerto, dentre nossos
grandes poetas, o que mais obstinadamente pregou e
construiu uma poesia de concisão e rigor, expressa
em forma ao mesmo tempo moderna e conscienciosamente
trabalhada. Outro poema destacável na primeira parte
desse livro é ´Breviário da Morte´, esse vento de
cuja passagem resta, afinal, ´na poeira, em
silêncio, quase invisa, / tênue pegada´.
O tema da segunda
parte, ´A Culpa´, é de difícil exploração. Mesmo
assim, sai-se Daniel Mazza muito bem da empreitada,
com uma série de poemas curtos, incisivos, bem
realizados, notáveis pela feitura de bastante
homogênea qualidade.
Na última parte, que
estende o título ao livro, o poema ´Litania do
Corpo´ merece menção à parte, porque nele se
pronuncia com evidência maior que alhures a segunda
grande influência visível em A Cruz e a Forca: a de
Augusto dos Anjos, traduzida particularmente nos
temas da desagregação e da morte, e num vocabulário
próximo das ciências naturais, notadamente
biológicas.
Outra composição que
se sobressai é ´A Garagem´, de que salta aos olhos a
impressionante imagem final, do quartinho que
´transbordava escuridão´. A Cruz e a Forca é de
temática sombria e imagética tenebrosa. Felizmente,
porém, não se contamina das trevas que revolve,
porque iluminado pela força da poesia.
"A Cruz e a Força"
Daniel Mazza
112 páginas
BOOK
R$ 20