Daniel Mazza
Odes.
I
Não sei se o sonho que tenho
É o sonho que sonho.
A mesma
Chuva que irriga os vales,
Inunda as pequenas aldeias.
A lua sobre os amantes risonhos
É a mesma,
Sombria nos bosques escuros.
II
Se creres que podes:
Tenta.
Arrisca a perder-te,
Mas desbrava longe.
Arrisca à deriva,
Mas navega além do horizonte.
Melhor é a certeza da derrota
Que a vitória na possibilidade.
Se creres que podes:
Ousa.
Confia em ti.
III
As tuas esperanças
Deposita-as em ti.
As pedras do teu jardim,
Remove-as.
Planta as tuas sementes,
Varre os teus canteiros,
Rega as tuas árvores.
Não esperes que o vento
Limpe o chão do teu Outono.
Limpa-o tu. Sê teu estro.
IV
Reina sobre ti,
Mas não como um César: ergue o teu polegar.
Calígula perscruta
As viscosidades do teu corpo: reina sobre ti.
Estrangula o Iscariotes
Nas tuas mãos avarentas:
Reina sobre ti.
V
A mesma terra que calcamos
É a manta que nos recama no sono da sepultura.
Como uma brisa beijando as ramagens,
Passamos...
Após dormirmos
As folhas cinzas,
Ao pé das árvores
No Outono alheio,
Todos os anos
Ainda assim
Sobrevirão.
VI
Muitas vezes mais Judas
Do que Judas temos sido.
O beijo na face dado
Ainda hoje
Nós o damos!
Nada diferentes
De escribas e fariseus.
Esbanjamos Avarezas
E Vaidades, Vaidades.
Facilmente corrompidos
Por um punhado de moedas.
Muitas vezes mais Judas
Do que Judas temos sido.
VII
Meu coração publicano,
Corrupto cobrador de impostos...
Meu coração fariseu,
Mesquinho doutor da lei...
Meu coração soldado romano com as mãos ensangüentadas,
Pôncio Pilatos com as mãos impecavelmente lavadas,
Caifás com a consciência impecavelmente limpa,
Barrabás impecável.
Lázaro meu coração...
O ladrão
Meu coração
Na cruz.
VIII
Com a força com que abraçamos
Somos abraçados.
O beijo que pomos na face,
Simultaneamente,
Na face é-nos posto.
Das sementes do Mal plantadas,
O Mal medrará.
No espelho invejoso fitamos
Nossos olhos invejosos...
IX
Entre lobos
Lobos sejamos.
Entre ovelhas:
Ovelha.
Perante tantos Césares,
Submissos nunca.
Os oprimidos, entre nós,
Não sejam oprimidos.
Demo-nos
As mãos.
X
Melhor é a coroa na choupana
Que o esfregão no palácio.
Enfuna as tuas velas,
Conduz a tua jangada:
O parco peixe pescado
É teu.
O mar
Pertence a Deus.
XI
Aos deuses,
Nunca tarda,
A dádiva pedida...
Passem-se os anos:
Não tardará
O que nunca tarda.
Em breve,
Sobre o campo seco,
O amanhecer da chuva.
XII
Antes pelos jardins em que caminho,
Sem uma única flor,
Que caminhar por jardins floridos de outrem.
Quando fui semear
A terra não era minha...
Quando olhei para trás
Tinha virado à esquerda
Ao invés de à direita...
XIII
As lágrimas perdidas,
Na face humana
Diamantes são
Garimpados da vida...
A risada de hoje
É o soluçar de amanhã.
A mesma
Lagarta
Que hoje,
Penosamente,
Arrasta-se,
Amanhã,
Borboleta,
Graciosamente,
Voa.
XIV
Brinca enquanto ainda
Tens tempo para brincar.
A infância não é infinda
Há de chegar ainda
O tempo em que vais chorar.
O Outono em breve vem
Com as folhas murchas e pardas.
O Verão ficou mais além,
A Primavera passou também
O Inverno no peito guardas!
XV
De mim mesmo
Padrasto.
Estou farto da disciplina!
Ando
Por cima dos muros.
Salto
Das sacadas das janelas.
Da educação que me deram,
Restaram os pés descalços.
Algum dia
De mim mesmo
Pai.
(FIM DE TARDE, 1º EDIÇÃO, EDITORA FUNPEC, ISBN:
85-87528-71-8)
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