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Fernanda Benevides


 

Encontro com a solidão


Eis que me deparo com a solidão
de estar só comigo.
Ninguém ao redor.
Apenas a noite, escassas estrelas
e o mar a murmurar...

A música envolve o ar,
ocupa o espaço,
preenche a lacuna
- lacuna?
Neste momento basto-me.

Solitária e distante,
brindando o estar sozinha,
canto a alegria
de nada ter a lamentar,
assim sorrindo
Por não ter o que chorar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

Fernanda Benevides


 

Rememorando


Revejo saudosa
um ontem bonito,
repleto de sonhos, quimeras, fantasias.

Revejo as manhãs primaveris
em que o sol me despertava
e da cama saltava cheia de viço.

Revejo as tardes crepusculares
em que o coração disparava
ao vislumbrar a lua que surgia;
em que meus olhos acendiam
ante o olhar das estrelas...

Revejo aquelas noites tumultuosas
em que rompia as amarras
e corria, ofegante, ao teu encalço.
Ah! Sentia-me um pássaro!

Rememorando um doce passado,
diluído, transformado,
revejo retalhos bonitos
dos quais não posso olvidar
e chego mesmo a suspirar...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

Fernanda Benevides


 

Visita da solidão


Eis que a solidão me visita.
Recebo-a feliz.
Ficamos a sós.
Um brinde a nós!

Há uma perfeita simbiose
entre mim e a solidão.
Sempre que chega,
saúdo-a alegre,
feliz assim...

A sensação é inexplicável!
Algo parecido com voar, soltar, libertar...
Um indescritível bem-estar,
satisfação plena.
Um clima de pureza,
paz,
algo mais...

Vivo-a intensamente.
Convivemos de forma salutar,
sobretudo quando junto ao mar,
perto do céu,
sol,
sal,
crepúsculo,
luar...
Respiro o ar despoluído da simplicidade,
simplesmente,
como sou.


( in, POEIRA DA ESTRADA)
Fortaleza - Ce, 1984


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

Fernanda Benevides


 

Flagrante


Eu não tinha este ar preocupado.
O coração sofrido.
A alma dilacerada.
Eu não tinha este este olhar perdido.
Esta dor da vida.
Estas mágoas...
Eu não sabia o que era solidão.
Esta sede de afeto.
Esta fome de emoção.
Eu não tinha este sabor amargo.
Este fel.
Este travo.
Eu não tinha esta face.
Serei eu?...


( in, QUANDO AS MUSAS CANTAM)
Fortaleza - Ce, 1990


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

Fernanda Benevides


 

O plantador de sonhos


O lavrador prepara a terra, lentamente.
Cultiva o solo com amor.
Alimenta o chão com carinho e devoção.
Cuidadoso, escolhe a semente.
E faz a plantação.
Semeia o trigo e nasce o joio.
Paciente, reinicia.
Planta roseira e brota baobá.
Cauteloso, extirpa-o.
E recomeça.
A vegetação viça.
Súbito, vem o estio.
As plantas secam.
E continua...
A flor renasce.
E vem a inundação.
Não desiste.
Rega a poesia.
Na certeza de um dia,
colher a flor tardia.


(in, A ROSA - FÊNIX)
Fortaleza - Ce, 1997


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

Fernanda Benevides


 

Das escadarias do templo


Um dia fincarei,
qual astronauta, em altos píncaros
o marco do mais puro,
do mais sublime do mais...,
o ideal acalentado.

Assim,
lanço-me nos degraus do templo...!

 

 

 

 

 

23/11/2006