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Fernando Mendes Vianna


 

Invocação do corpo


Bendito o meu corpo
apesar dos pesares.
Maldito o meu corpo.
Bendito e maldito
meu corpo finito
de tantos esgares
e vãos imaginares.
Bendito este mito.
o corpo, meu mito,
meu único mito.
Ó lenda estupenda
do poeta precito
o supremo fito.

Ó corpo, ó corpo!
O corpo e seu sopro,
meu barco, meu porto
no périplo torto,
corporatura
da grande aventura
da vida, da sorte
da morte.


20 de agosto de 2006

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Victor Mikhailovich Vasnetsov, The Knight at the Crossroads

 

Fernando Mendes Vianna


 

(sem título)


Seja qual for teu signo,
és meu irmão.
Seja qual for teu signo,
és um mortal.
Nada do que é mortal
me é indiferente.
Até a pedra. nela a vida
medra.
Ó irmandade desta condição:
ser tão forte e tão breve,
e duro e vão.


(28 de agosto de 2006)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sandro Botticelli, Saint Augustine, Ognissanti's Church, Firenze

 

Fernando Mendes Vianna


 

Exéquias


Exit. Fui.
Enfim, fui-me.
Reintegrei-me no flume
de lume – a eternidade.

Enfim o fim da busca
da diferença entre
mentira e verdade.
Tudo agora é eternidade.

Tel quel, enfin, l’eternité
en lui même le change.


Nem humano, nem demônio
nem um sonho de anjo.

Plenitude total,
sem bem , nem mal.
Enfim a plenitude
do homem-animal.

De volta à minha
verdadeira condição
de elemento ígneo
do indígno
signo terráqueo.

Aleluia! aleluia!
Não eterno
de mala e cuia!


(09 de agosto de 2006)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

Fernando Mendes Vianna


 

(sem título)


Vertiginosa , avida
rumo à morte.
Os mortos –vivos
voam como setas.

Única meta:
traçar em vão
um mapa para
a seta.

Porém, voa e resigna-te com o rumo.
Não tentes colocar a seta a prumo

e acredita: continuará voando.
A seta humana voa além da morte.


(12 de agosto de 2006 – 8 horas)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fernando Mendes Vianna


 

Lenda


Minha vida mais parece uma lenda
tão real e irreal, mágica festa.
Mesmo adunca e infesta.
Nem sinto mais meus antigos
desconsolos. Nem doem mais
meus terríveis dolos.

Generalizada bruma,
tudo já se esfuma em vagos
vultos. E tudo vai sumindo.
E do meu ego –meu enorme ego –
só resta o desapego
de tudo quanto fui.


(28 de agosto de 2006)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

Fernando Mendes Vianna


 

Poemas para o mar


Invade-me o mar
e o sangue
faz-se espuma.
O rumor do mar
corrói meus ossos
e lança à praia
puros sobrossos.

O mar invade
as dunas
da ampulheta
e minha tulha
de entulhos
de memórias.

O mar, o mar
invade tudo,
toda a minha seiva.
E faz da palavra
sangue sem eiva.


17 e 18 de agosto de 2006

 

 

 

 

 

 

26.10.2006