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Gilberto Amado 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia :


 Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Picador

Gilberto Amado


 

Declaração de princípio
 


Que o homem de classe
Venha de face
Lutar na liça
Pela justiça
Aceito a premissa.
 


Que grite o operário
Seu ódio gregário
E clame vingança
Ou tenha esperança.
 


Que o técnico indique
A indústria fabrique
A máquina construa
A obra que é sua.
 


Mas que tal não implique
Que o operário abdique
No Estado-Patrão
E se estagne num dique
A multidão.
 


Que o político
Intoxique
Mistifique
Bestifique
A opinião
E prolifique
A eterna ilusão.
 


Que o jovem na lista
Do exército fascista
Não saia da pista
Da marcha prevista.
 


O comunista trabalhe
Conspire, atrapalhe
Os regimes vigentes
Nos dois continentes.
 


Que o liberal
Entisique
Retardatário
E de todo se aplique
A formar uma clique
Que o ossifique
Em reacionário.
 


Que o próprio cacique
Autoritário
Atrabiliário
Se ananique
E reivindique
Lugar seguro
Num quarto escuro
Do falanstério
Totalitário.
 


Que mesmo se oblique
E se arrebique
Sob outra forma
A solução
E se propague
E tudo alague
A grande abusão:
 


"Morra o indivíduo
Execrável resíduo!"
 


Este credo vão
Não o aceito, não.
Inflexível, sereno
Não bebo o veneno.
 


Declaro com calma:
Guardo minha alma
Herdada de Roma
Morro com ela.
Esta parcela
Não entra na soma.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

Gilberto Amado


 

Europa

 

Je regrette l’Europe aux anciens parapets.
RIMBAUD (Le Bateau ivre)

 

 

Da planura das almas leves
Das aventuras externas, seus movimentos espontâneos,
seus apetites facilmente saciáveis,
Sonho contigo, Europa côncava, cheia de conteúdo.
Âmago, núcleo, polpa, substância,
Europa estuante de prodígios,
Bazar dos brinquedos do espírito,
Mina dos diamantes do gênio,
Hospital dos agonizantes imortais,
Fonte borbulhante de ânsias comprimidas
Do desejo voraz!
Sonho contigo, coração das sístoles imensas,
Descobertas, Leonardo, Shakespeare,
Penso em ti - Europa eriçada de problemas,
Europa acidentada de filosofias,
Europa labiríntica de abismos e de enigmas
Europa acumulada de debates e de lutas.
Sonho contigo, ó criadora, ó tentadora, ó corruptora,
Ó aprofundadora
Da planura das almas leves!
Quero aspirar de novo o teu olor de fundo,
O teu relento longo de subterrâneo,
O teu hálito escuro de torrão pisado,
E quero ver coruscar nos meus cabelos
A tua luz de sangue jorrando das usinas de morte
E concentrada na lanterna vermelha
Da tua miséria humana.
 

   

 

Albrecht Dürer, Mãos

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José Alcides Pinto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

Gilberto Amado


 

Minha vida
 


Vai minha vida nas asas do perigo.
Minha vida profusa, diferente,
Com o seu povo de surpresas
Com os seus guias de sempre,
O Imprevisto e o Extraordinário.
Alegre mas arfante, sadia mas fantástica.
Minha vida, que desenho curioso,
Aberta ao arrepio da corrente,
Em abruptas arestas de contrastes!
Longe da estrada comum onde mora o Possível,
E onde o Fácil brinca triunfante com o Normal.
E sobretudo longe do vale da Paz!
 


O Imprevisto, o Extraordinário,
Esses filhos ricos do Destino,
A tomaram consigo e a arrebataram
No seu louco saltar e nas suas correrias
Para um mundo de abismos.
Viver é seguir, continuar, geometria plana, linha reta.
Eu ao contrário me puseram num espaço de turbilhão,
Num sistema de prismas e de polígonos,
Num esquema de relâmpagos.
Cada minuto, cada ponto, na linha da minha existência
Pode ser um milagre ou um desastre, uma estrela
ou um precipício.
Não será o ponto que deve ser, direito, no seu lugar,
Não será o minuto cotidiano do relógio,
O minuto que eu quisera . . .
É um minuto de túmidos relevos,
Ou de côncavos rebojos.
Ou erguido demais
Ou cavado bem fundo.
Ora réstia de lâmpadas divinas,
Ora hálito de pântanos imundos.
 


Ó minuto, eu quero parar.
Amigos meus, e meus algozes
- Imprevisto, Extraordinário...
Quero silêncio, quero norma.
Deixai-me construir a minha casa
À beira do rio Regular,
Na rua do Relativo,
Na vizinhança do Conforme,
Sobretudo à sombra da árvore plausível "do que se espera".
 


1933.
 


Poesias, 1954
 

   

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Mário Pontes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

Gilberto Amado



Moça
 


Na tua elegância
Tens alguma coisa de domingo
Numa aldeia.
Alguma coisa
De arrial,
Vizinhos que conversam,
Alguma coisa de sinos repicando,
De vestido de chita,
De laço de fita,
De saia arregaçada,
De senhorita,
De senhoril,
De porta de igreja,
De dia de padroeira,
De Nossa Senhora da Ajuda,
De Itaporanga,
De Sergipe.
Alguma coisa de muito longe,
De muito perto,
De charanga,
De mesa posta,
De velhos pratos,
De tia Sancham
De Dona Isabel.
De Sinhá Donana,
De Dona Rosa,
De Amelinha,
De linda flor,
De modinha de noite,
De passeata,
De palidez virginal,
De livro de missa,
De namoro de janela,
De cavaleiros passando,
De chuva caindo,
De caminho da fonte,
De Itaporanga,
De Sergipe.
Teu nome é Flora,
É Marieta,
É Carmelita,
É Mariquinhas,
É Nanoca de seu Juca,
É Florentina,
É Márcia de Dona Santa,
É Julinha da Rua da Areia.
Tuas mãos estão no teclado batendo exercícios,
Teu francês é de Halbout,
Tua agulha é de bordar,
Teus seios são de água fria,
Teu ventre nunca foi visto.
Eu te vejo dançando a polca,
Doida que chegue a hora
De seu Mário recitar...
Há nos teus olhos um sonho...
Estavas em Paula Matos,
Em Matacavalos, na Tijuca...
Caminhaste para o mar.
Meio século de viagem
Copacabana.
 

   

 

William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

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Maria Azenha