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Gilberto Amado


 

O elefante
 

 

O elefante parou na esquina da Rua 50
Parou em cima do bueiro donde jorra a fumaça
Em grossos rolos
 


O americano corre em cima da terra
Por sobre a terra
Debaixo da terra
 


O elefante ficou todo envolto
E desapareceu na nuvem de fumaça
Que vem de dentro da terra
Dos subways
 


O americano corre...
 


— Para onde?!
Parecia perguntar
O bicho imoto no seu olhar antigo
 

 

 

Da Vinci, Madona Litta_detalhe.jpg

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Rita Brennand

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Gilberto Amado


 

Os nautas
 

 

Desejos, ilusões, queridas crenças
- Eis os nautas que vão neste cruzeiro.
As flâmulas da Fé brilham suspensas
Nos mastros, incendiando o nevoeiro.
 


Velando a escuridão das noites densas
Vai na gávea a esperança - é o seu gajeiro.
Comanda o amor - o velho marinheiro
Que abre no peito meu rotas imensas.
 


Cuidado, navegantes. Que o navio
Possa vencer os vagalhões convulsos
E contornar o pérfido baixio.
 


Não demandeis, porém, destino certo.
Deixai vogar a nau aos seus impulsos
Que destino não há - longe nem perto..
 

 

 

Soares Feitosa, dez anos

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Lucas Tenório

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

Gilberto Amado


 

Pela noite
 


Criança quase inculto, eu não pensava.
Não te via entre as moitas, Ariel.
Nem te provara ainda, amargo fel,
Que na alma, a Idéia, essa serpente, bava.
 


A noite para mim era um vergel
Que a lua, branca rosa, embalsamava,
Banhando a terra toda na luz flava
De um vasto eflúvio límpido de mel.
 


Meu prazer era errar estrada afora,
Sozinho a respirar pela campina,
Cheia a cabeça de pueris amores...
 


Até que vinha sussurrando a aurora,
Nos penedos rosados da calina,
A sua alegre música de cores...
 


Suave ascensão, 1917
 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922),  A Classical Beauty

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Irineu Volpato

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

 

 

 

 

 

Gilberto Amado


 

Predestinação...
 


Se ovelha fosses e num rebanho de ovelhas
Rolo branco a rolar ao longe num marulho
Na unidade do teto uma telha entre as telhas
E no algodoal em flor indistinto capulho.
 


Grão de areia da praia... abelha entre as abelhas
Chama do mesmo incêndio... Este é o meu grande orgulho:
Rosa, eu iria buscar-te entre as rosas vermelhas
Névoa, eu te apreenderia entre as brumas de julho.
 


Mendiga de farrapo, ou princesa de túnica
Na feira, no salão, na estrada, na taverna
Eu sempre teria o dom de distinguir-te, ó Única!
 


Querendo ou sem querer, como a criança que dorme
Dormindo individua a presença materna,
Por predestinação, por uma força enorme!
 

 

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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Luiz Paulo Santana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Gilberto Amado


 

Triste vanglória
 

 

Fazer versos, amigos, é meu fado.
Nunca me canso nem sequer conheço
Esse embaraço triste, esse tropeço
Que a rima sempre opõe ao mais ousado.
 


Às vezes, certos dias, amanheço
Do destino das cousas alheado;
Viro as palavras todas pelo avesso.
Quero dizer: - escrevo sem cuidado.
 


Vou deixando caírem no papel
À toa, desconexos e revoltos,
Os verbos e adjetivos a granel.
 


Mas na minha alma há tanta dor bradando
Que os versos saem por ai mesmos soltos
Como pedaços dela soluçando.
 

 

 

Ticiano, Flora

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Nicolau Saião, 2003