Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Gustavo Felicíssimo

Escreva para o autor

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Astrid Cabral

 

Teresa Schiappa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

Gustavo Felicíssimo

conversa com o poeta

Jorge Augusto

 

 


 

 

Jorge Augusto - Você foi editor do tablóide literário SOPA e lançou faz pouco tempo a revista Poesia & Afins, como foi a recepção dessa revista, qual a sua intenção e como você vê o mercado editorial baiano?
Gustavo Felicíssimo
– Não há mercado editorial baiano, isso não existe por aqui, pois não temos uma indústria editorial forte, que apóie o escritor local, que distribua sua obra, como acontece no Rio Grande do Sul, por exemplo. Fora as editoras gaúchas, no Brasil, apenas Rio e São Paulo possuem esse mercado. Quanto à revista, o que posso dizer é que os escritores a receberam muito bem, mas o que fica cada dia mais claro é que não há público leitor de poesia fora desse meio. Da quantidade vendida, menos de 10% do total foi adquirida pelo não escritor. Dificilmente repetirei um trabalho como esse.

JA - No número um da revista Poesia & Afins, você dedica um grande espaço ao Bruno Tolentino e o classifica como um dos maiores poetas lusófonos. O que para você faz desse poeta um destaque na poesia nacional?
GF
– Nosso objetivo era editar números temáticos, nosso próximo poeta seria o Alberto da Cunha Melo. Bruno foi um autor formidável, refinado e diferenciado, tanto que foi o único a vencer três vezes o Jabuti. Sua poesia exige alguma leitura prévia, mas é prazerosa. Ele dialoga com as tradições e com a modernidade, é inventivo e irônico. Qualquer escritor que tenha essas qualidades poderá por certo ser considerado um grande escritor.

JA - Como você vê o panorama atual da poesia feita na Bahia e no Brasil, se possível?
GF
– Essa é uma opinião muito pessoal e que trata de algumas questões subjetivas. O que vejo é que existem inúmeros poetas realmente talentosos, no entanto, muitos deles, a grande maioria, não possuem o que chamo de “consciência literária”. Por vezes esses autores se mostram tão inventivos que se esquecem de dar um sentido lógico à sua obra. Creio que essa é uma herança negativa (apesar das inúmeras contribuições) que herdamos dos modernistas. Isso acontece porque o chamado “verso livre” também se ritualizou e trouxe consigo inúmeros poetas cujo pressuposto é o desconhecimento das tradições.
Mas como a literatura vive de ciclos, a esperança se renova sempre que identificamos um poeta, ou um grupo diferenciado deles. Eu e parte da minha “turma”, estudamos versificação e criação literária com aConceição Paranhos mestra Maria da Conceição Paranhos, outros com o Ildásio Tavares, alguns de maneira autônoma. Mas isso não significa que defendo que todo mundo precise escrever e publicar sonetos ou redondilhas, e sim que é inegável o crescimento que tal estudo proporciona, inclusive no verso livre que, acredite, de livre não tem coisa alguma. Nossa poesia, retratada na poesia daqueles que valorizam o verso, é muito boa!

JA - Como você percebe essa relação internet x mídia impressa no escoamento e na construção da literatura nacional contemporânea?
GF
- A mídia impressa ligada à literatura no Brasil é muito incipiente e seu conteúdo está voltado para os vestibulares, por isso é superficial. Já os cadernos literários dos jornais que ainda sustentam esse tipo de publicação, cada vez mais são lidos apenas por escritores e alguns apaixonados. Como diz Alberto da Cunha Melo no poema CASA VAZIA, escrevemos para esse público dos ermos/ composto apenas de nós mesmos. Por outro lado, a facilidade de se publicar via internet esconde um sem fim de coisas que sequer merecem serem lidas.

JA - Quem você destaca como figura importante nos últimos anos para a poesia brasileira?
GF
– Tenho lido alguns poetas formidáveis que são desconhecidos do grande público. A obra do Alberto da Cunha Melo, por exemplo, tornou-se referência para mim. O Bruno Tolentino em um ensaio diz o seguinte: se ele escrevesse naquela meia dúzia de idiomas com que por décadas convivi, digamos, mais intimamente; se escrevesse em qualquer delas, este autor já estaria em todas as bocas a caminho de Estocolmo...

JA – Por que você ainda não se deixou publicar em livro?
GF
– Oportunidades não faltaram, mas o fato de ter sido editor do SOPA e da POESIA & AFINS me ajudou a conter o impulso de publicar antes do tempo, o que não acontece com a maioria dos escritores. Mesmo assim, como tal conceito é muito subjetivo, corro ainda o risco de me arrepender, só que hoje, menos que ontem.

JA – Mas você já deve estar se preparando...
GF
- Sim, só que um livro de poesia precisa de unidade, de um fio condutor que perpasse o conjunto de poemas ali inseridos, e isso não se faz da noite para o dia. Não se trata de reunir uma porção aleatória de poemas e publicá-los. Tenho um livro ao qual me dedico há sete anos e que agora o considero pronto. Pretendo lançá-lo ainda neste ano de 2009, chama-se PROCURA, ele deverá sair acompanhado de um cd. Outros livros, um contendo ensaios sobre os poetas da região cacaueira da Bahia, outro, uma nova antologia de poetas grapiúnas, também estão previstos para saírem 2009.

JA – O que tem sido motivo de alegria para o poeta?
GF
– Viver entre Itabuna e Ilhéus está me fazendo muito bem, aqui sou mais feliz e, conseqüentemente, escrevo mais solto, melhor, talvez.
 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
 
Ana Cristina Souto

Início desta página

Daisy Maria Gonçalves Leite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

  

 

 

Gustavo Felicíssimo

 

MIGUEL CARNEIRO ACENANDO PARA O MUNDO
 

O ideal de uma crítica literária é que o seu autor tenha a devida isenção e o distanciamento emocional necessários para imprimir um texto sem adjetivações supérfluas, como quase todos são. Entretanto, no caso presente, em que pese nossos esforços, essa é uma tarefa árdua, pois a obra sobre a qual nos debruçamos é a de um grande amigo, um homem bom, dono de um coração sem tamanho, mas, sobretudo, um escritor que goza da nossa admiração, seja como poeta ou contista.

Algum tempo corre ao vento, à brisa dos dias, ao avançar das horas, desde aquele dia em que o saudoso amigo Zeca de Magalhães, dono de um discernimento crítico respeitável, apresentou-me um conto de Miguel Carneiro, dizendo que aquele seria um dos melhores contos feitos por um autor baiano durante o último quartel do Século XX. Tratava-se de “No viés do Franzido”, que publicamos na derradeira edição do tablóide literário SOPA, em junho de 2006. Fora uma grande descoberta para mim, pois até então apenas conhecia a obra poética de Miguel Carneiro, da qual sempre fui admirador e divulgador de um poema em especial, “Declaração de Princípios”, cujo ápice está contido neste refrão: eu sou madeira de dar em doido/ sou barro bom de alvenaria/ martelo prumo e serrote/ sou poeta da Bahia. Tal poema faz parte de um livro, exclusivíssimo, feito de maneira artesanal, como alguns de João Cabral de Melo Neto, com tiragem de apenas dez exemplares, distribuídos para alguns familiares e amigos do autor. Após, dediquei-me a conhecer melhor a sua contística e me deparei com uma obra grandiosa, não pela quantidade de livros publicados, mas pela qualidade do seu texto que vem carregado de um grande sentimento de mundo, enfeixado de humanismo, em linguagem concisa e cortante.

Lembro-me de ter lido “O diabo em desordem”, um livro de quase duzentas páginas, em apenas uma sentada, depois seguiram-se “Esconso e outras histórias” e “O coronel já não manda mais no trecho”. Em todos esses livros, o que percebemos claramente, é que o poeta, em momento algum, está dissociado do contista. Pelo contrário, um está amalgamado ao outro, complementando-se, indissociáveis. Outra característica das obras citadas é o fato de suas histórias estarem, na maioria das vezes, situadas dentro do universo sertanejo, que Miguelito traz no sangue.

De Riachão do Jacuípe para o mundo, cantando sua aldeia, Miguel Carneiro vai escrevendo sua obra, resumindo um cabedal imaginário que emerge de suas lembranças e convivas do autor, transformadas em personagens. Desse modo, andando pelas ruas de Riachão, imaginamos ser possível, a qualquer momento, topar com Gumercindo Lélis, filho deserdado de Antônio Conselheiro, ou com a menina de Duestano, transformada em esposa do Coronel Trazíbulo Fernandes da Cunha, personagens de Miguel Carneiro. Personagens e histórias que nos parecem pertencer ao imaginário popular do lugar, como se passadas oralmente, de geração a geração, até encontrarem em Miguel Carneiro o interlocutor ideal, da mesma forma que o folclore alemão encontrou a excelência do texto dos irmãos Grimm.

“Trancelim dos incrédulos” segue o mesmo itinerário das obras citadas até aqui, apresentando-nos personagens tão vivos e cheios de alma, como no conto que dá título ao livro, cuja personagem, um vaqueiro corajoso, doca de um olho, sendo que o outro apenas serve para enxergar o que já está anuviado, mas que, no entanto, havia corrido mundo atrás de samba para vadiar. O conto corre em tom poético, com o narrador, oculto, contando suas proezas na região da Serra das Picas, suas leituras para o doutor que viera de longe buscar um palavrório. Temente a Deus, homem honrado, leva nos peitos esta vida vã...
O segundo conto deste livro é “O galo de ouro”, traz como epígrafe o poema “Pedra Retorcida”, de João de Morais Filho, cujo excerto que escolhemos corre desta forma: Aquela porta que hesitei abrir/ largou mão de sua fronteira/ e deu lugar a janelas/ que me assombram pacientes,/ até que o frio as feche novamente, ofertando ao leitor uma espécie de preâmbulo ao mistério em que está envolto este conto, repleto de enigmas, segredos e mortes de aventureiros que descambam no mundo em busca de uma jóia rara da ouriversaria que teria sido trazida de Lisboa na nau do fidalgo e capitão-mor Pedro Álvares Cabral. Mais, não nos cabe dizer.

O derradeiro conto do livro é “Naquele dia eu vi o diabo de perto”, onde Miguel Carneiro nos oferece uma narrativa urbana, ambientada na invasão das tropas de Hitler à França, mesclando realidade e ficção, prosa e poesia, marca indelével do autor. Na voz de um poeta brasileiro, comunista, o conto vai retratando o caos que vivia Paris (onde Miguel viveu algum tempo) naqueles dias, o drama dos judeus e também a difícil missão do poeta: proteger um menino de sete anos, perdido em meio ao caos.

De certo, fica-nos a confiança de que, ao considerar a tradição oral do seu povo, a contística de Miguel Carneiro fundamenta-se na identidade cultural e social de sua gente, registrando a história e suas personagens, merecendo da gente do seu chão, autoridades e da crítica, não apenas reconhecimento, mas também um justo e demorado aplauso. Ao mesmo tempo, estamos certos de que a reunião dos melhores contos de Miguel Carneiro em um único livro seria capaz de alçar seu nome ao mesmo patamar dos melhores contistas do nosso tempo.
 

Direto para a página de Miguel Carneiro