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Henriques do Cerro Azul


 

Contraste


Longe de ti, eu te imagino perto:
Vejo esse teu sorriso a todo instante;
Qual se te visse, o coração amante
É um doce ninho ao teu amor aberto.


Perto de ti, te julgo tão distante...
Nem mesmo vejo o teu sorriso incerto;
Com saudade de ti o peito aperto
Relembrando o fulgor do teu semblante.


Também tu és como eu:- os teus sentidos
Se enganam, como os meus, pelos caminhos...
E assim passamos desapercebidos


Do erro de nossos múltiplos carinhos:
- Quanto mais longe tanto mais unidos,
- Quanto mais juntos tanto mais sozinhos !

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

Henriques do Cerro Azul


 

Alternativamente


Só vivo para ti, por ti somente;
É teu o meu viver; mísero amante,
Sonho contigo e penso em ti, durante
A noite e o dia alternativamente...


Durante a noite taciturna e ardente,
Num sonho vôo a ti, sonho constante
Que enche a noite divina e cintilante
Até que surja o Sol no ardor do Oriente.


Mas quando o Sol acorda sonolento
E a aurora a luz diáfana irradia,
Viaja para ti meu pensamento...


E assim corre-me a vida fugidia,
Pois sonho e penso em ti todo momento,
Alternativamente a noite e o dia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA, 1948) - Hanna

 

Henriques do Cerro Azul


 

Recordando


Foi neste bosque que nos encontramos...
Mas tudo foi tão breve, foi tão breve,
Que esta saudade triste, que guardamos,
É bem possível que o futuro leve...


Para ver-te melhor, entre estes ramos,
Fecho os olhos, recordo-te: de leve
Vens a mim, e de novo nos amamos...
Que graça tem o teu perfil de neve!


Fecho os olhos e vejo-te: os dourados
Cabelos crespos, a mãozinha fria,
Sorridentes os lábios encarnados...


Fecho os olhos entregue à fantasia:
- Agora posso ver, de olhos fechados,
O que de olhos abertos eu não via !

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal de Filosofia

 

Henriques do Cerro Azul


 

Sonho sem vida


O doce afeto que meu ser sonhara
Cheio de enlevos, terno, comovido,
Nascia cheio de uma ardência clara...
Mas antes de nascer, tinha morrido!


Ele foi um capítulo perdido
De uma comédia deslumbrante e rara;
Foi ele um livro inédito, esquecido,
Que u’a mão escrevera e abandonara...


Morreu à mingua de um sorriso terno,
De um olhar, de uma frase comovida,
De um gesto meigo, de um carinho enfim...


E assim o idílio que seria eterno,
O doce sonho que não teve vida
Sem nunca ter começo teve fim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Henriques do Cerro Azul


 

O que não disse


- "Olha, eu sei que pequei (eu te dizia,
Quando deste este amor por terminado),
Mas perdoa, querida, este pecado...”
Porém me fulminaste de ironia.


- "Eu te amo, repliquei com voz sombria,
Não me abandones, quero-te ao meu lado!''
Mas rasgando-me o peito lacerado,
A tua boca virginal sorria...


Quis dizer, com a verdade por escudo,
Antes que a minha força me fugisse,
Que eras meu sonho, meu amor, meu tudo


Mas não achei as frases!... Com meiguice,
Olhei-te então enternecido e mudo:
Mas nem sequer ouviste o que eu não disse !

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

Henriques do Cerro Azul


 

Fecundos arrependimentos


Nos meus fecundos arrependimentos,
Por não te haver amado, de covarde,
Estes versos te escrevo, embora tarde,
Revelando-te assim os meus tormentos...


Amo-te assim: sem arrebatamentos,
Sem gritos, sem excessos, sem alarde,
Enquanto a chama dos meus sonhos arde,
Votiva chama dos meus sentimentos.


Hoje, por minha culpa anda sozinha
Minha alma, a procurar-te pelo espaço
E a culpa é minha de não seres minha!


Mas extravaso em versos os tormentos...
Vem, e aceito estes versos que te faço
Nos meus fecundos arrependimentos !

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

Henriques do Cerro Azul


 

Perto de ti


Em ti a luz das lâmpadas nas naves
Cintila; em ti a luz dos astros sentes:
Que brilho há nos teus olhos inocentes!
Que formosura há nos teus gestos graves!


Perto de ti, escuto as mais ardentes
Canções, as mais românticas e suaves;
Sinto clarões de estrelas, cantos de aves,
E perfumes de flores redolentes...


Mas minhas mãos, das tuas sempre ao lado,
Na triste solidão que perpetuas,
Permanecem nostálgicas sozinhas...


Quem comete mais áspero pecado:
As minhas mãos em procurar as tuas,
Ou tuas mãos em recusar as minhas?

 

 

 

 

 

 

 

11.08.2005