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Ilka Brunhilde Laurito


 

Comunhão


Já que me sinto muito digna
de me assentar à tua mesa,
não quero migalhas, não,
eu quero o pão inteiro.

Tu e eu, massa e fermento
em ávido silêncio:
casca e miolo,
o bolo
e o seu recheio

Vem.
Estende os lençóis sobre esta
mesa
com cheiro de suor e de
alfazema.
E vamos trabalhar a noite
e o seu levedo
com as mãos,
a boca,
o corpo aceso,
para que a aurora nos en-
tregue,
ainda quentes,
as últimas fatias de amor
amanhecente
com gosto de café, de leite
e de manteiga.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

 

 

 

Ilka Brunhilde Laurito


 

V (Canto ao arrumar a cama,)


Canto ao arrumar a cama,
canto
diligente verônica
oficiando os passos
da paixão cotidiana.

Exibo ao meu espelho atônito
os lençóis que estampam o corpo
do senhor que nunca me salvou
da crucificação no pranto.

E canto porque canto,
sem esperanças de glória
ou de ressurreição.

 

 

 

Titian, Noli me tangere

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

Ilka Brunhilde Laurito


 

VIII (Olhos que tacteais este poema)


Olhos que tacteais este poema
como instruídos dedos
sobre as nervuras do espalmar
do texto,
olhos, lúcidos parceiros
da voz alinhavada em letras,
a luz que vos guia o íntimo
passeio,
cegos videntes,
é a que decifra os gestos desta
mão
que fala e canta
imprimindo as rugas do seu
críptico desenho
na lisa pele do papel em branco.

Leitor,
meu quiroamante.

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Assis de Mello, 2004

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

Ilka Brunhilde Laurito


 

Manha(ã)


O recém-nascido
chora de madrugada
seu choro alto.
Também o dia
recém-saído
de seu parto
dói a vida
no grito
anunciador
dos galos.

E se entreouvem
(a criança e a alvorada)
e pois que participam
da mesma hora clara
de reinventar a luz
na carne do mundo
e das criaturas
repartem irmãmente
a voz dúplice
da
noite.

Mas feita a escolha,
cabe à criança o silêncio,
e o seu avesso
à manhã que vai nascer
inaugurando inda uma vez
a criação dos sons

e o secreto mudar
da sombra em sol.
Agora,
a criança
dorme:

— O dia
acorda.
E sobre
o sono mudo
do filho do homem
debruça
o véu da aurora
e a canção de ninar
da noite
morta.


(1975)

 

 

 

Crepúsculo, William Bouguereau (French, 1825-1905)

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Alberto da Costa e Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

Ilka Brunhilde Laurito


 

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Proibido colocar cartazes:
em chão
parede
poste.

(Em homem:
pode.)


(1963)

 

 

 

Bernini_Apollo_and_Daphne_detail

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Claudio Willer

 

 

 

02/06/2005