Izacyl Guimarães Ferreira
Do amor virtual
1.
Entro no mundo virtual
para encontrar-te e logo vejo
tua forma e cor,vejo o desenho
esquivo de um corpo dançando
- passo alado,mergulhos fundos
pelo mar de imagens. Teus olhos
me respondem,em volta há música,
tentações de sonho e desejos
que abandono. Para abraçar-te,
saio do mundo virtual.
2.
Disseram que o amor inventa
a amada,o amado,o sentimento
mesmo que ele é - fingimento
de narcisos,salão de espelhos;
que nada prova contra o amor
se os amadores não existem,
alguma vez reli,bem antes
de tanto mágico aparelho.
Mas nós,amantes naturais,
nos entreolhamos, corpos vivos.
3.
Não pode ser mentira o amor
e o que ele cria entre nós dois:
verdade maior que as pessoas
aquela prosa e aqueles versos?
Maior que o doce sofrimento
de querer,ser querido e ver
que espaço e tempo se confundem?
Que a distância por mais distante,
real ou virtual,se apaga?
O aqui,o agora,tudo falso?
4.
O que entrevemos sob a pálpebra
fechada,aberta para o tempo
e revelando o que não temos,
geometrias mudáveis,álgebras
do espaço intocado,mental,
fosse tudo assim,simulacros
dando exemplo para o milagre,
toda essa trama do querer
quando a tocamos fosse igual...
(Melhor eterno fosse o amor.)
5.
Posso pensá-lo,recriá-lo
em nossas fotos e vigílias.
Posso guardá-lo em meu ouvido
- o som de teu vestido,o som
de tua voz e de teu riso.
Enquanto a estrela vai queimando
o seu calor,lembrar o teu,
num arremedo de verão.
Posso apenas imaginá-lo,
no esforço vão de uma saudade.
6.
O gosto de qualquer saudade
é perda,gasto descontente.
Mesmo que dure essa memória
doce do que fomos,ou fosse
a vida brevemente imóvel,
seria tudo um pobre intento:
ficaria uma falta,fica a
falsa cara da imitação.
Memórias e palavras querem
viver verdades mais tangíveis.
7.
Verdade maior que as pessoas
não existe,se nelas soam
palavras armando sentido
para esse barro comovido
que somos,barro que nomeia
o mundo inteiro e não se alheia
do antes,do depois,mas sente
que o tempo vibra é no presente,
no amor que podes e que posso,
quando o alegramos alto e nosso.
8.
O ar inanimado da casa
se agita,algo vai passar.
Os sentidos despertos se abrem
para o som e a luz do prazer
que se avizinha,natural,
nesse aroma de mar e flor,
de vida em plenitude,pele.
Posso pensá-lo enquanto espero.
Total,porém,só mesmo o amor
que se inaugura no teu cheiro.
9.
Ver para crer? Tocar. Tocar
para crer,para conviver.
Tocar a terra,o fruto,a estrela.
No calor que ela traz ao corpo,
no sabor que ela trouxe às coisas.
Na sabedoria das mãos
e das bocas nos conhecemos.
Saber pequeno,mas podemos
- pedaços vívidos da estrela -
tocar o brilho de outro dia.
10.
E que outro nome tem a fome?
Que outra falta consome a sede
de ser,durar - como chamá-las?
Que redes são essas,senão
as que o amor,real,concreto,
pode cortar? Amor que pede
tato,gosto,que a nada cede
e tudo quer em seu domínio,
porque é seu dom perpetuar.
E esse é o nome que lhe dou.
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