André
Seffrin
Psi,
a penúltima
Rio de Janeiro, 12 de
novembro de 1998.
Meu caro Feitosa,
Minha leitura de "Psi, a penúltima" foi lenta e
proveitosa. Se dissesse que "Thiago" foi o que mais me
fascinou, como já disse antes, estaria me enganando outra vez.
Poemas como "Femina" , "Ayrton" ,
"Strip-tease" , "Balançando devagarinho" e,
claro, o que dá título ao livro, são peças de um grande poeta,
para o qual a poesia é refúgio e é grito. São poemas que
merecem figurar nas melhores antologias da poesia brasileira
contemporânea. Diria que sua poesia é monumental, não apenas
pelo sopro épico, mas porque se funda também no infinitamente
pequeno. De maneira que um poema que caminha na planura
raciocinante do poeta de repente assombra com o inusitado abismo,
num ínfimo detalhe, dentro de um verso aparentemente banal, ou
num pequeno verso que de repente acende um mundo vasto diante do
leitor. Assim, sua poesia é um susto permanente, é um manancial.
Está sempre recomeçando, nas bifurcações que engendra, nas
digressões indispensáveis para que a orquestra atinja o ponto máximo.
Uma poesia orquestral, apocalíptica, parabólica, hiperbólica.
Nesse sentido você me lembrou muito Pedro Nava, o paralelo que
podemos lhe estabelecer na prosa (operacionalmente, é obvio).
Ambos vieram da matriz proustiana, e você ousa como ninguém:
"quero botar este livro/ para cheirar:/ àquele tempo."
E o poeta nos conduz ao vale sonoro das palavras, porque a poesia
é música. Como a crítica já apontou, em você convivem
harmoniosamente ecos de Raul Bopp, Gerardo Mello Mourão, Pound,
Eliot... e eu diria que também de Cassiano Ricardo e de Joaquim
Cardozo, de Jorge de Lima, da Bíblia etc.
É como se a sua presença, neste final de século, viesse para
restaurar a poesia no homem, longe dos maquinismos verbais destas
últimas gerações pós-concretistas et caterva. A sua é a nova
poesia do chão nordestino, esse chão de poetas fundadores
(Euclides, Joaquim Cardozo, João Cabral). É o nordeste no seu
sofrimento, na sua grandeza. O sol nordestino, o chão nordestino,
a gente nordestina impregnando o canto do poeta, poeta
autobiograficamente mágico. O mundo dos repentistas, do cordel.
Tudo é fascinante no seu livro. Um feliz conluio do épico e do lírico,
e com o sal do humor. No meio século de vida (no meio do
caminho de sua vida), bem antes dos setenta de Nava, você nasceu
poeta, nasceu para a poesia, nasceu pronto para o assombro. E sua
poesia, bom assinalar, é você falando, quem o conhece, sabe. Você
logo adquire a sua voz, já nasceu com voz própria,
caracteristicamente sua, de mais ninguém.
O poema do envelope das sementes de imburana-de-cheiro é de uma
beleza extraordinária. E tantos outros, que me fascinaram. Fico
com o livro todo.
E agora parto para o Salomão, certamente outro susto.
O abraço e o afeto do
André Seffrin
Rio
de Janeiro, noite de 12/11/1998
Feitosa,
meu caro,
Segue aqui o recado da leitura de Salomão, seu livro fundador:
É um poema apocalíptico. E os seus desdobramentos, seja nos
primeiros dez movimentos do poema propriamente dito (que belos títulos
você deu a esses movimentos), seja nos relatos (Capitão,
Bibliotecário, Coronel), nas indispensáveis notas do autor ou no
retorno obrigatório aos dez movimentos - repito, os seus
desdobramentos dão a medida de sua grandeza. Como sempre, desde
"Psi, a penúltima", você é você inteiro no poema. O
protesto é a espinha dorsal mas o que move tudo é "a canção
do amor", é o poeta transido diante do mistério do seu
canto, canto de guerra e paz, de travessia, como diria Guimarães
Rosa. É apocalíptico sim, é bíblico e é borgiano,
cervantino, é nordestino, é telúrico. Me tocou muito o relato
do Bibliotecário, estranho relato, estranhamente belo esse
relato, com a peleja do cego Aderaldo, que conheci lá em
Fortaleza por sua própria voz, poeta.
Feitosa, eu te saúdo!
Abraço e admiração de seu leitor, pedindo desculpas pela demora
na resposta.
André Seffrin
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