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Majela Colares


 

O Soldador de Palavras


Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo - literal sentido -
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido

sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.

Criado o texto, com idéia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.

A idéia é fogo. Fogo... o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas e, por fim, poemas.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Majela Colares


 

Soneto Para uma Estação


Estas sombras antigas de poente
guardam arcos de sol - dias de outono -
desfolhados na noite, nunca ausente,
quando as horas bocejam voz de sono.

São instantes maduros de nascente
na surpresa incessante do mês nono,
concebidos em gestos, mão silente,
quando as horas bocejam cor de sono.

Entre os cílios, o mundo em movimento,
sob as asas dos olhos morre um vento
para não ser sequer restos de sono.

Mas ao leste dos lábios pousa a aurora
fogem sombras antigas, vão-se embora...
surgem arcos de sol - dias de outono.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Majela Colares


 

Poema da Improvável Véspera


Foi em vão a batalha da voz tensa
que findou na gagueira atormentada
mais em vão foi pensar que não se pensa

quanto a vida é promessa, só, mais nada
que se oculta na fala e se afugenta
na certeza da angústia aprofundada

nos suspiros da ânsia que alimenta
os desejos ambíguos desvendados
essa febre que a mente humana inventa

refúgio de mistérios confinados
pressentidos em gestos inconstantes
dos momentos agrestes exalados

entre os mitos dos sensos conflitantes
que a memória retarda quando ausente
o perfeito equilíbrio exposto e antes

da sensata mudez que se consente
no final da batalha a reticência
conspirando a cegueira do presente

em linguagem fingindo à evidência...
nos limites dos sons ecoa a infância
reescrita nos olhos da existência.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Majela Colares


 

Res Nullius


na rua um vira-lata morde flores

– socorro!

Gritam as rosas, os cravos, as papoulas,
os girassóis... apavorados

– cadê a jardinagem?

... um vira-lata morde flores

– o problema é grave,
as flores já sentiram nas próprias pétalas


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Majela Colares


 

Desejo & Chocolate


um arco–íris surgiu entre dois lábios
no azul do mar, no céu, no azul, azul...
tinha a cor dos teus olhos – entre nuvens
com sabor de alga, amido e chocolate

um arco-íris no mar riscou tua boca
entre ondas, lampejantes, mil desejos
exalados na brisa, aceso olfato
doce aroma de amor e de segredos

entre gotas de chuva e leves toques...
foi-se a tarde ancorando no teu rosto
sob o rastro de um sol quase poente

em meus braços restou a tua imagem:
um arco-íris risonho e transcendente;
em teus lábios: desejo & chocolate


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Majela Colares


 

O silêncio no aquário


em meu silêncio, meu exílio canto
e nele morro e quase sempre habito

se no meu sonho, meu silêncio encanto

é porque nele minha morte evito
guardo a memória desse deuses surdos

transformo em cinzas a feição do mito

e na distância de caminhos tardos
durmo ao relento sobre a terra fria

e nas pupilas desses gatos pardos
vivo mil noites pra sonhar um dia


 

 

 

 

 

01/11/2006