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Maria José Giglio
A Poesia
de Soares Feitosa
1.)
Seu livro veio confirmar a indelével
impressão que conservo da Bahia. Uma palavra só a expressa:
demasiado. Para minha pele clara, meu regime vegetariano, minha
saúde de porcelana, meu olfato ultra-sensível que um dioríssimo
agride; o sol, calor, a exuberância das frutas, dos odores, das
iguarias baianas, é demasiado. Agora seu livro com sua capa
ensolarada onde floresce um mandacaru grego, suas duzentas e
cinqüenta três páginas com fotos, cartas, epígrafes, prólogo,
apêndices, bíblia, jornal, manifesto, odes e réquiem, formula-um e
prozac, pecados capitais e internet — é demasiado.
Preciso que você me dê um tempo. Para mim
a Bahia precisa ser em conta-gotas. Por enquanto estou sob o impacto
da imburana-de-cheiro. Eta idéia singular essa de grudar um envelope
com pó-perfume num livro de poesia! Rapé, diz você? Pois, meu caro,
é a over-dose exata para o meu suicídio. E previno-o, antes que você
consiga me enviar as abelhas que dessa vez lhe fugiram — sou
alérgica a picada de insetos. Precisei caminhar quarenta anos pelas
trilhas sinuosas da poesia, para topar com você, Soares Feitosa,
navegando na Internet com uma arca-de-Noé. Assim é impossível não
lhe querer bem.
2.)
Li, com a atenção que merece, seu grande
livro. Tudo. Introduções, cartas anotações, comentários, e seus
poemas. Uma primeira impressão ressalta: a sua dicção discursiva não
cansa. E isso pelo feliz achado de intercalar como pequenas ilhas,
ou como aqueles corredores de pedras que facilitam a travessia,
esses versos explicativos, que aludindo o assunto tergiversam,
cortam a corrente, permitem uma pausa, um respiro alentador.
Concordo, você é um épico. E seu tema vem das origens e irá até
quando houver humanidade: a insuportável percepção da inconseqüência
cósmica. Você me remeteu ao existencialismo, ao absurdo, ao mito de
Sísifo, a Albert Camus.
Enfim, amei o seu poema Dormências.
Tangida por imprevistas circunstâncias cheguei aqui, digo, em um
sítio, antes, “praciana, da cidade grande”, e durante quatro anos
aprendi na escola da terra, a teimosia das dormências vegetais e
humanas. E como se tudo isso, e muito mais que deixo para as
próximas cartas, não bastasse, seu livro é uma maravilhosa resposta
aos apocalípticos do verso, esses que apregoam, embotados por todos
os prós-e-prés da modernidade, a morte da poesia. Viva!, afinal,
esse daimon que o possui! Está claro o recado: os deuses ainda não
abdicaram do sagrado direito de rir por último. E voilà.
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