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Maria José Giglio


 

Opus III


O luar invade a casa
como uma serenata para cordas.

Na memória
essa lua olha
naquela sala antiga
o amor.

Minto.
Não era a mesma lua.
Nem a mesma sou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria José Giglio


 

Opus V


Nunca soube escrever o vento.

Se as palavras fossem bailarinas
sobre o papel

se o papel fosse árvore
em movimento

Impossível escrever o som
quando tudo é instrumento

:o céu, o mar, a terra
o corpo e seu alento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

Maria José Giglio


 

Opus VI


Ouço trovões como tubas
alardeando a chuva

Ouço glicínias
glissando
no terraço

e a natureza assente
ao drama de si mesma.

Ouço o silêncio do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

Maria José Giglio


 

Opus VIII


A chuva marimba
sobre o telhado.

Cada textura e cor
altera o timbre.

A trepadeira alegre
sobre o muro
matraqueia.

E o contraponto grave
da folha larga
vermelha.

O vento apenas
— pródigo vento —
todos os tons esbanja
e a si próprio assemelha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

Maria José Giglio


 

Opus IX


Lá amarelo em flauta doce
a única flor
no jovem ipê.

Esplende
entre os tenros caules
num alarde

que o chuvisco rasga
derruba
e cala.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

Maria José Giglio


 

Opus XVII


Toca a vespa
no vidro fixo da janela
uma fuga impossível.

Rascante rumor de patas
na transparência falsa.

Escala repetida
sem escape ou pausa.

Em surdina
agora inútil
o par de asas.


De Para Violino Solo (2002)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

Maria José Giglio


 

Flashe 12


Vazio e forma se equivalem.

Não falo de contornos
de pausas
mas de ausência.

Da paisagem engolfada
na garoa densa.

Do mundo inconsistente
que amarro em signos

quando também estou
em suspense
e para outro visor
inexisto.


De O Corpo do Mundo (2002)

 

 

 

 

 

 

01.08.2005