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Ivo Barroso 

Ervália, MG, 25/12/1929 - Rio de Janeiro, RJ, 05/10/2029

Victor Mikhailovich Vasnetsov, Rússia, 1848-1926, The Knight at the Crossroads


Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Contos:


Alguma notícia do autor:

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

 

Um esboço de Da Vinci

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

Ivo Barroso


 

Pequena biografia


Residindo no Rio de Janeiro desde 1945, formou-se em Direito pela UERJ, na época "Universidade da Guanabara", e em Línguas e Literaturas Neolatinas pela "Faculdade Nacional do Rio de Janeiro", hoje pertencente à UFRJ.

Desde cedo começou a traduzir poesia, e ligou-se ao movimento concretista, tornando-se editor-adjunto do Suplemento Literário do Jornal do Brasil, onde publicou traduções e poemas originais. Foi um dos criadores da revista de cultura Senhor (1959-64). Entre 1968 e 1970, residiu na Holanda, onde começou a traduzir os Sonetos de Shakespeare. De volta ao Brasil, foi assistente de Antônio Houaiss na edição das enciclopédias Delta-Larousse (1972) e Mirador (1976), e de Carlos Lacerda na "Enciclopédia Século XX" (1973).

Em Portugal de 1973 a 1978, foi redator-chefe da revista Seleções do Reader's Digest e começou a traduzir toda a obra poética de Rimbaud, vindo a receber o Prêmio Jabuti de tradução pela "Prosa Poética" (1998). Na Inglaterra entre 1983 e 1984, dedicou-se à poesia de T. S. Eliot, por cujas traduções foi igualmente premiado, com o Prêmio Jabuti (1992) por "Os gatos" e com o Prêmio de Tradução da Academia Brasileira de Letras (2005) por "Teatro completo". Viveu ainda na Suécia e na França, antes de voltar ao Rio de Janeiro.

Publicou os livros de poemas "Nau dos náufragos" (1982) e "Visitações de Alcipe" (1991) em Portugal, e "A caça virtual e outros poemas" (2001) no Brasil, tendo este último sido finalista do Prêmio Jabuti de poesia daquele ano. Organizou os livros "Poesia e prosa", de Charles Baudelaire (1995) e "À margem das traduções", de Agenor Soares de Moura (2003). Escreveu ainda "O Corvo e suas traduções" (2000), sobre a obre de Poe, e "Poesia ensinada aos jovens" (2010).

Além dos já mencionados, Ivo Barroso traduziu para o português autores como: Eugenio Montale ("Diário póstumo"), André Breton ("Nadja"), André Gide ("A volta do filho pródigo"), André Malraux ("A condição humana"), August Strindberg ("Inferno"), Georges Perec ("Vida, modo de usar", "A coleção particular" "Viagem de inverno"), Hermann Hesse ("O Lobo da Estepe", "Demian"), Italo Calvino ("Seis propostas para o próximo milênio", "O castelo dos destinos cruzados", "As cosmicômicas", "Palomar"), Italo Svevo ("A consciência de Zeno", "Senilidade", "A novela do bom velho e da bela mocinha"), Jane Austen ("Razão e Sentimento", "Emma"), Marguerite Yourcenar ("Golpe de misericórdia", "O denário do sonho", "O tempo, esse grande escultor"), Nikos Kazantzakis ("Ascese"), Romain Rolland ("Colas Breugnon"), Shel Silverstein ("Uma girafa e tanto", infantil) e Umberto Eco ("O pêndulo de Foucault").

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Ivo Barroso


 

Sent: Tuesday, May 07, 2002 1:59 PM


Caro Feitosa,

A menina afegã, de Steve McCurry
Seu texto é tão penetrante quanto os olhos dessa afegã dos q
uais a gente não consegue se afastar; leitura integral, corrente, aliciante.


Parabéns e abraços do
Ivo Barroso

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

Ivo Barroso



Poema para meu pai


Meu pai morreu longe de mim
(eu é que estava longe dele).
Tantos anos se passaram
e ainda não lhe vi a sepultura.
Continuo longe. Mas sua presença
me sacode como um choque elétrico,
uma bebida forte que me arde
por dentro.
Está vivo nos meus dedos,
nos cabelos ralos
— a nuca, dá arrepios de se ver.
Está cada vez mais perto de mim
(eu é que estou mais perto dele).
 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Ivo Barroso



Canto nupcial


Agora que estás amadurecida para o amor
e em teu sexo a peregrinação das luas se sucede,
escuta, Amada, o meu canto nupcial.

De tua fronte penderão corimbos,
anêmonas e as últimas pervincas dilatadas em maio;
teus seios recenderão a malvas adormecidas
no sereno das madrugadas suspensas;
uma orquídea equatorial, grande como um símbolo,
cingirás ao ventre
e, em teu sexo nu, a flor estonteante
de tua própria pureza conservada.

Quero-te assim — floral, assim meio bárbara,
que o nosso amor contém um pouco da força dionisíaca
da terra;
e teu ventre redondo — abrigo de sóis —
palpita na esperança genital da espécie.

No chão,
tomando-te os cabelos, ansiosa de meu amor de esposo,
gritarás aos caules que nos cercam,
para as frondes que nos cobrem,
que propício é o tempo de tua flor esmagada
se tornar em fruto.

E rolaremos nos rituais sagrados da progênie:
teus seios — como duas luas gêmeas — crescerão
em suas fases;
teu ventre, penetrado de vida, se distenderá
na lenteza das horas
e o próprio chão em torno se gretará pelas raízes
que emergem sôfregas de ser.

(1952)
 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

Ivo Barroso



Burocrático


Importante empurar o dia
como quem come
a dieta do nada
sem ter fome?
Importante é extrair
de sua
substância vazia
alguma ânsia.
 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Ivo Barroso



Pão nosso


Amanhã nosso pão terá pedra — e o comeremos.
Ao parti-lo, amanhã, nosso pão será de pedra
e o comeremos.
Ao se partir em dois, o pão que a nossa fome espera,
será pedra,
e o comeremos.

Pois aceitar é o que estamos
fazendo neste dia, pois aceitar
é o que viemos fazendo nos dias
que antecederam mais um, que é este dia;
pois aceitar é o que vamos fazendo sem sentir
como quem come a pedra em vez do pão
pensando o pão.
Partindo-o, partiremos um seixo apenas.
Um seixo, afinal, que em vez de atirá-lo
— comeremos.
 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Ivo Barroso



Dos "poemas de amor"


Eu sei que o tempo foi e sei
que inútil será buscar no verso aquele instante
em que a licorne timorata e branca
baixava a testa luminosa e tudo
era regato e trompa na floresta.

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Ivo Barroso



O peixe de Neruda


Neruda pôs um peixe na bandeira
que desfraldava em frente à sua casa.
Talvez quisesse assim, desta maneira,
dizer que um peixe voa sem ter asa.

Dizer que nós podemos transformar
As coisas pela força da vontade:
Que o mar pode ser céu, o céu ser mar,
Dependendo do olhar, da intensidade.

Talvez quisesse nos dizer que a vida
É o exercício de enganar a morte;
Que depende de nós uma saída,
Parar os dados, reverter a sorte.

Que toda coisa é muito mais que a coisa
em si; que um nome pode ser trocado:
tudo consiste em ser a mariposa
que se transforma num milagre alado.

Assim, pensando bem, o que Neruda
buscou simbolizar com o peixe erguido
na flâmula, que agora se transmuda
em onda do mar, tem múltiplo sentido:

Antes do mais, é a pura imagem física
do peixe, o seu desenho, o seu traçado
geométrico, a linha elíptica, a risca,
o contorno preciso e elaborado;

a exatidão de meios, essa técnica
biológica que o torna a parte viva
da água em que ele vive, a chispa elétrica
que intensa o move, orienta, compulsiva.

O peixe de Neruda é mais que um peixe,
é uma bandeira, é mais que uma bandeira,
um conjunto de símbolos, um feixe
de acepções - a mitologia inteira.

É um peixe apostólico, sem dúvida,
a ser multiplicado quando há bodas;
mas é também um peixe só e único,
quando se forem as esperanças todas.

Pois é o peixe de Cristo e do infinito,
esse oito deitado e em si completo,
oracular, sinal na areia escrito,
signo zodiacal, moto perpétuo.

Por isso penso às vezes que Neruda
ao erguer de manhã aquele mastro,
com voz potente e ao mesmo tempo muda,
dizia versos ao seu peixe-astro:

‘Acorda, ó peixe inaugural, ó peixe matutino
Longe de teu reduto aquático, nos ares;
Deixa a esponja, o coral, o caramujo
— Teus amigos agora são as aves.
Deixa o reduto de imersões profundas,
Liberta-te de abraços isobáricos
E paira livre de teu peso em vôo silencioso e estático;
Nada nesse ondulante pavilhão que o vento do mar fustiga.
És agora o peixe em estado virtual, o peixe-pensamento, espadanando
A esbranquiçada metamorfose das escamas.
A ti entrego o destino de uma espécie
Marítima e volátil, a dupla vida
Que intentamos viver sem os recursos
Que ora te empresto da imaginação.
A ti confio o destino de todos estes seres
Que querem ser bem mais do que têm sido.
Mas que lhes falta o anseio de ter asas
Ou temem sempre mergulhar no abismo’.

E tarde, tendo os olhos seus imersos
no pôr-do-sol, descendo o pavilhão,
talvez Neruda lhe dissesse versos
— que o verso de Neruda é uma oração:

‘Volta, ó peixe vesperal, mergulhador do ocaso,
Ao seio original de onde saíste, entre líquenes e anêmonas;
Conta às algas o azul do céu quando os stratus
coroam as colinas,
Agora sabes os segredos dos que pairam acima do horizonte,
Mas dize-lhes também que aventura inaudita
É viver em dois mundos, é saber que estás aqui
Mas que podes pairar além do insuspeitado.

Sonda teu elemento com perícia mas denodo,
Não deixes o recôndito esquecido,
Nele há tesouros que ainda não fulguram
Por lhes faltarem olhos que os vejam.

Vai mais fundo, explora os teus recursos mais íntimos,
A força potencial que jaz nestas escamas
Que tatalaram como virgens rêmiges,
Um dia nas alturas.
Usa teus olhos oblíquos para veres na sombra
O que muitos não vêem em pleno dia,
Sê tu mesmo, sabendo bem que podes
Ser outro, muitos mais, ser legião, miríade
Sem trair o que de mais teu trazes contigo.
Amanhã, serás outro meu amigo.’

E ouvindo o Poeta descobri que havia
Algo de mais recôndito na imagem:
Além de toda essa mitologia,
Há no peixe uma última mensagem.

A de que é a Poesia um peixe-alado
E o Poeta um ser que busca o vir-a-ser.
Vive para dar vida ao Incriado,
Que a missão do Poeta é transcender.
 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Ivo Barroso



É preciso


É preciso ser duro
como a pedra que parte
como a parte da pedra
que penetra a parede
e a parte

Como a rede que não vaza
como o vaso que não quebra
como a pedra que fende
o paredão da casa

E é preciso ser fraco
é preciso ter siso
e simulacro. É preciso
todos os dias vencer
os deuses pigmeus/golias

É preciso ter cara
e ter coragem

É cada vez mais raro
quem assim reage

É preciso ser duro
como o murro
como o muro
e é preciso ser doce
como se anteparo
de vidro
o muro fosse

É cada vez mais raro
ser duro e doce
cada vez mais torpe
ser apenas duro
cada vez mais nulo
ser apenas doce
cada vez mais duro
ser o muro e a nuvem
como se um só fossem.
 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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(13.06.2023)