Oldegar Vieira
Gravura no vento.
Pois é desacontecido
o acontecimento.
Em êxtase, vê-las...
Uma a uma, todo o céu
porejando estrelas.
Pendentes de um fio,
gotas de chuva — ou de sol —
sob o sol do estio.
Dentro do aranhol,
de repente, frente a frente,
uma aranha e o sol.
Animal nasceu.
Desanimalmente, agora,
vive... num museu.
Tarde longa e quente.
Tange longe uma araponga
seu grito fremente.
Compensar sua ausência
— evidente, este evidência! —
só sua alegria.
À pista vermelha
de uma flor, vem uma rima
e aflorissa: abelha.
Incrível talento,
o desse escultor das nuvens
— genial! —, o vento.
Ploc! Uma rã pula
no silêncio da lagoa,
e o silêncio ondula.
Não metal de sinos.
Vil-metal agora é a rima
que canta o Natal.
Nos cinzeiros jazem
— antecipantes — as cinzas
mortais dos fumantes.
Seu corpo enriquece
a terra. E a saudade
é a flor que floresce.
Ela — uma andorinha —
vendo as outras que não estavam
— nem uma — sozinha.
Claro desafio:
sete cores luminosas
ante um céu sombrio.
Fantasmagoria:
uma borboleta preta
em noite vazia.
Interrogativo
à beira de um charco, um velho
coqueiro — pendido.
Lenta, lentamente,
um caleidoscópio gira.
Gira-sol poente.
Oca, ressequida,
na carcassa da cigarra,
em silêncio, a vida...
Cabelos ao vento,
soltos, como vão revoltos
— ah — seus pensamentos.
Doze, compassadas,
tangendo o silêncio e o tempo,
doze badaladas...
Fina e clara, a chuva,
qual a janela que tem
mais bela cortina?
Nuvens e mais nuvens
a passar, bem que me deite.
Foi-se o ... meu luar.
Uma flor no mato
solitária, rubra, sangue
no verde compacto.
Não tem sul nem norte,
nem oeste ou leste — é céu.
Céu somente azul.
Voltevolteiando
no cristal do tanque, as carpas
silenciosonhando...
Sol da madrugada.
Vai surgindo: dentro de uma
teia iluminada!
Uma borboleta.
Nada mais, nem leve aragem.
E a rosa é desfeita.
Flor em que não vai
a libélula pousar.
Na espuma do mar.
Por acaso a sua
caminhada é a mesma, ou ela
o acompanha, a lua?
Ramagens crestadas
reflorindo: borboletas
nas cinzas, pousadas.
Voz da cachoeira,
ao viço da mata vai
líquida poeira.
Reflita: no espelho,
aquele que o imita,
quem será? Você?
Lembradas jamais,
as flores do morto vão
mortas, muito mais.
Tem cativo, o canto,
mas o muda borboleta
é livre, no entanto.
Noite a dentro, um cão
late, insone, a quem nem late,
seu insone irmão.
Ah, esse berreiro
das cigarras no austero
parque do mosteiro...
Num céu claro e puro,
um corvo paira sereno
— feio, torvo, escuro.
Cai a neve, e penso
no quanto se deve ser
puro como a neve.
Que fazer com as mãos,
não mais — não — senão guardar
seu fugaz perfume?
Ouracorrentado.
Entre seios femininos,
recrucificado.
Espana a poeira
de luz das estrelas, ou
— no vento — é palmeira?
Mudos edifícios
permutando, permutando
surdos malefícios.
Fuçando em monturos,
anjos andrajosos de
presépios escuros.
Chuva de verão,
chuva de flores na chuva.
Reflorindo, o chão.
Os bois, pacientes.
Mas as rodas, por que vão
gemendo, gementes?
Brancos, a igreja
e o casario entre verdes,
escorrendo ao rio.
Na rua quieta,
a flauta de um vagabundo
— músicopoeta.
Nas mãos de uma negra
— noite-escrava —, uma urupemba
peneirando estrelas.
É flor esquecida,
esta que resta no mármore,
lembrando outra vida?
Um fruto maduro,
pendente, precisamente
na linha do muro.
Trapos do abandono
— do espantalho — vai levando
o vento do outono.
Sob o anil do céu
e ao sol — branco — um enxoval
num varal, ao vento...
Tê-las nas mãos quis,
pois jamais alguém falara
ao cego, de estrelas.
Junquilhos envergam.
Flores de neve pousando
nas hastes, de leve.
Na rua deserta
— desperdício — eis que ela passa
numa hora incerta.
Flor de velho amor,
expressiva? Só se for
— morta — a sempre-viva.
Serão. Ninguém fala.
Somente os trilos dos grilos
nos desvãos da sala.
Grávida ela passa,
e como vai cheia, cheia
de Vida e de Graça.
E o menino via:
afinal, esse "natal"...
não o merecia.
Não mais florescentes,
no lixo largadas, são
flores — defloradas.
Tatuagem móvel
no pavimento: a ramagem
ao luar e ao vento.
Que Deus o proteja
não pede. O que pede é pão
na porta da igreja.
Andorinhas: fusas
na pauta dos fios, ou...
ou semi-confusas?
Pétalas levava
— eram rosas — nas suas,
outras mãos, nervosas.
Sim, cantar mas sem
— como a cigarra — pensar
que a morte lhe vem.
Musicalizado
na folhagem, vai o vento,
músico em viagem.
Mudos nas estantes,
são pacíficos soldados?
Mudos mas prestantes.
Quase um rei deposto.
Não mais arde o sol da tarde.
No espelho, o seu rosto.
Auroralmagia!
O canto claro dos galos
clareando o dia.
Lâmina de luz
— a lagoa — estilhaçada
sob a chuvarada.
O mal da intriga
sofre o mundo mas, ao monge,
o silêncio abriga.
Somente a ilumina
— à imponente nave em sombras —
uma lamparina.
Brutos lenhadores
mas bastante foi que vissem
um ninho entre flores.
Túmida e sangrenta,
da escura folhagem surge
lenta, lenta, a lua.
Lavando e cantando,
o riacho e as lavadeiras,
cantando e lavando.
Quebrado o relógio,
fez-se eternidade o tempo
desmecanizado.
Por entre os telhados,
mamoeiras, bananeiras
— bem domesticados.
Numa folha escrevo
todo um poema: seu nome.
Na folha de um trevo.
Na concha rosada
de uma pétala, uma pérola
de orvalho, engastada.
Bagunça, arruaça,
nenhuma... a não ser dos pombos,
os donos da praça.
Sombra do seu corpo
diz que sou, mas foge e faz
sombra em minha vida.
Seixo — ao léu rolado,
rolarrolando... exilado
peso-de-papel.
Causa de desgosto,
a mensagem vai no rosto
como tatuagem.
Na ramada nua
pousado, um corvo, calado,
vê nascendo a lua.
Na clara do céu
flutua — lua de fogo —
a gema do sol.
Acaso... um acaso?
Ou proposital derrame
de tintas no ocaso?
Difuso e em surdina,
o rumor de uma cascata
dentro de uma neblina.
Pétalas caídas
ou borboletas dormidas
que o vento desperta?
Não lhe serve a prosa.
Só em linguagem poética
diga o nome "rosa".
Repentinamente,
pálido clarão! E tudo
viu-se — diferente.
Morto agora o rio,
o espelho da velha ponte
é o leito vazio.
Coisa no abandono,
o espantalho fustigado,
ao vento do outono.
Solidão de um rosto
na vidraça, e a chuva: lágrimas
descendo na face.
Escuras, as nuvens.
Só, na cinza do silêncio,
zinem tanajuras.
Cedo embranquecidos,
meus cabelos, meus pesares,
meus, — como escondê-los?
Noite, vento frio.
Cinzento, um galho sem folhas
no açoite do vento.
Pétalas pingando,
do sangue de um flamboian,
na lama do mangue.
Elas, entre céus;
no espelho do tanque tocam-se,
par em par — libélulas...
Outonal, dourado,
nas folhas coado, o sol
como num vitral.
Treva emperdenida.
Um vaga-lume resume
toda a luz da Vida.
Bobo da TV,
triste figura, Papai
Noel, mas da usura.
Acesas no asfalto,
quatro velas. Pela imóvel
vítima de um auto.
Nas poças, a lua.
Pontuando, após a chuva,
o texto da rua.
No céu, dançarino
papagaio-de-papel
Na terra, um menino.
No arame farpado
da fronteira um — apátrida —
pássaro pousado.
Em nesga de pedra
um passarinho a plantou,
e a semente medra.
A um sino e silêncio,
vem a borboleta e pousa.
Pousa no silêncio.
Tão brando é o afago
da brisa, mas como dança
a lua no lago.
Usa óculos pretos.
Ele quer sua vida ver
como a tem, sofrida.
Num botão de rosa,
ainda fechado, o encanto
— pleno — imaginado.
Geomorfologia
o vento nas dunas faz,
mas também poesia.
O orvalho desliza
da folha — um pingo de sol —
ao toque da brisa.
Por entre esqueletos
pretos passa o vento e colhe
flores de fumaça.
Natureza morta.
Frutos, caça, vinhos? Não.
Maletas de couro.
Havendo jasmins,
há um céu de estrelas, sempre,
no chão dos jardins.
Veio violento
mas só fez cobrir de flores
seu caminho, o vento.
Neve natalina.
Um menino cara-suja
contempla a vitrina.
Canta, permanece
alheia à morte, a cigarra,
e a morte a esquece.
Quando acesa a lua,
o prefeito, se é perfeito,
escurece a rua.
Laranjeiras — rua
onde vive o mulherio
seu sonho perdido.
Moldura vazia:
ela não veio, não vejo
o esplendor do dia.
Em sua mortalha
tem, agora, flores — vivas —
a velha muralha.
Ao longo da praia,
ao luar, o mar estende
rendas... de cambraia.
Lanterna de pedra.
Quanto apagada, mais viva
sua luz eterna.
Pontuando a insônia,
um grilo somente pondo
vírgulas no trilo.
Travessas, ficaram
no pátio secando, ao vento,
somente as roupinhas.
Poleiro de um corvo,
o espantalho anunciando
o inverno, agoureiro.
Apita o trem, parte.
Asa cativa — de quem? —
um lenço se agita.
Um tiro reboa.
Entre o azul e o verde, um grito
branco e aflito, voa...
Luzes derramadas
— Via Lactea — resumindo
todas as estradas.
Anoitece, e além,
longe, a sombra amortece
o toque de um sino.
Ausente, presente
lume vivo, vago, esquivo
na treva — insistente.
E à festa das flores,
a espada do samurai,
— por que, por que vai?
Ante a vida ausente,
na brisa, as chamas das velas
dançam vivamente.
Já secas e mortas
mas ao vento, em revoadas,
— serão... folhas mortas?
Noturna fuligem.
Brilha o rastro de um astro
e morre, em vertigem.
Somente uma sombra,
um instante, e foi — passante —
desfazer-se em bruma.
Revoadas branas
sobre rochedos escuros.
Gaivotas e espumas.
Semelhantes dores
sofre a casa, envelhecendo
com seus moradores.
Calado e sozinho
— seu bordão, sua lanterna —
seguiu seu caminho.
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