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Salomão Rovedo


 

As areias


Uma casa à beira da ria
sorri para o mar da janela.

No barco verde à deriva
pescadores tarrafeando.

Um sol na quase manhã
é como véu no corpo dela.

Guará goteja o mangue
vermelho içado de verde.

Os catadores de sururus
e caranguejos vermelhos.

Um corpo nu desmaiado
na alvura do lençol azul.

Maria, sim é Maria, é ela
que ri para o mar da janela.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Nurture of Bacchus

Salomão Rovedo


 

A baía de São Marcos


Por aqui começa o mar noutro mar,
a mais fértil terra dos pescadores
– eu penso em ti, em mais ninguém.


E nascem na praia campos de areia,
ali aonde o mar existe e não existe,
– mais louco que nunca para te ver.


O pescador é o camponês do mar,
ameia os peixes de colheita insossa,
– posso jurar ao vento que te amo.


Roçado de sal o pescador recolhe,
siri, caranguejo, flor de manguezal,
– é um mar em forma de sedução.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

Salomão Rovedo


 

As Hildas sereias


Quando a encontrei era só açúcar,
prazer, dança, doce de goiaba e mel.
Um mar de sal e sol para temperar,
vinho branco e, ou, cerveja gelada.


Criação boa a receita de felicidade:
e assim foi o tempo das maresias,
ondas rasteiras, espaços espectros,
pores de sol. É verdade: o sol se põe?


Todos estão pensando que vou falar:
"Agora tudo é fel" (para rimar com mel),
mas que nada! Só a distância atrapalha
a convulsão mansa de nossa pele úmida.


Se possível, continua doce, mel e mel,
bacuri em calda, condimentos picantes,
sorvete de juçara... Já falei dos lábios?
Ara que boca! Ânsia devoradora! Ora...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

Salomão Rovedo


 

As dunas meninos


As crianças correm pelas dunas de areia fina
desviando os galhos verdes dos pés de muricis.
O vento estabanado, cabelos lisos em caudal,
esticam os lábios em sorrisos quilométricos.


Corre menino de areia
Corre direto pro mar,
Corre que o mundo é teia
Pra quem não sabe nadar...


Era domingo sempre, mas o sol não via que era:
crianças livres corriam pelas dunas alvacentas.
A descida é escorregadia, patinam sobre grãos,
imitam anjos de algodão que vivem nas nuvens.


Corre menino de areia
Corre direto pro mar,
Corre que o mundo é teia
Pra quem não sabe nadar...


Gritos se transformavam em cantoria musical
arrastados coloridos longe lá onde o som voa.
Antes que as pegadas dos pés miúdos sumam,
levadas pelo uivo irado do vento, estava o mar.


Corre menino de areia
Corre direto pro mar,
Corre que o mundo é teia
Pra quem não sabe nadar...


Braços abertos são pássaros marinhas crianças,
enfrentam o desafio mais importante de suas vidas.
Para atender o chamado vital do mar, as narinas
dilatadas, correm igual tartarugas recém-nascidas.


Corre menino de areia
Corre direto pro mar,
Corre que o mundo é teia
Pra quem não sabe nadar...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravaggio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

Salomão Rovedo


 

Os sais e os sóis


São as colinas de sal e sol,
o entardecer verde e roxo,
são as águas-vivas na areia,
os galhos podres na praia,


o silêncio da onda quebrando,
enquanto pescadores arrastam,
arrastam a rede no quebra-mar,
são as algas flutuando ao léu,


à noite que chega a barlavento,
são as altas palmeiras penteadas,
o som das dunas que se movem,


são crianças saltitando piruetas,
alguma novela de amor na TV:
todo o Universo relembra você.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

Salomão Rovedo


 

Ondas sambas


Domingo na praia
Muito sol a brilhar
Teu corpo na areia
Moreno a dourar


Foi lá que eu te vi
Foi lá que te conheci
Foi lá que te paquerei
Foi lá que te namorei


Fiquei marcando bobeira
Debaixo daquele céu
Teu olhar de feiticeira
Me mandou pro beleléu


E Domingo na praia
Sol quente a brilhar
Senti teu corpo moreno
Muito doidão me deixar

 

 

 

 

 

 

10.10.2006