Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Salomão Souza



Pudesse surgir de dentro da bruma...


Pudesse surgir de dentro da bruma
depois de passar um século
e amar com as nádegas
o sexo e os olhos velhos
Entenderia as cores prensadas
o tremor de um pulgão no caule
Se desprenderiam em bulício
as cores diante de um olho velho
Seria muito mais duro
o couro ao entrar no matadouro
com as nádegas velhas
Acabariam num fechar de olhos
os tapumes impedindo a tabacaria
As sevícias de dourar a pílula
o vício de atear fogo a todo corpo
Acabaria o estupro de desejar
Pudesse ter a idade
de penetrar no silêncio
sem nenhuma burla

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Salomão Souza


 

Para quando será a entrega?


Para quando será a entrega?
Está sendo aguardada
com todas as ardentias
Virá num ribombar de raios
e nada deixará sobre o solo
Não será o tridente
ou a tocha de ferro dos deuses
Também a semente prepara
o estalo de alguma entrega
Dará as veias da madeira
ou a arrogância do espinheiro
Também o sol prepara
o esvaziamento de uma entrega
Dará um barro quebrado
no poço onde estaria a aguada
Virão as ardências da pele
e a esfrega será putrefata
Virá a violência do meteoro
e a estrela será de pedra
Se não for de fogo
derramará seus grotões de água
E se a entrega for de leite
este também será derramado
nos intentos de impedir a trégua
E será possível tocar na dor
com a entrega do balde de lágrima


 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

Início desta página

Vera Queiroz

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Salomão Souza



Viver de me quebrar nos diques...


Viver de me quebrar nos diques
depois de ter visto todos os territórios
e voltar a vê-los mundos perdidos
Ver enquanto me espatifo
os mundos sólidos que existem
outros tantos diques também partidos
em dias também espatifados
barcos naus tantos a pique
Bater as mãos no espelho
as asas insistir na janela
Onde eu for —mesmo após
os diques —as bordas de vigília
Viver entre quatro paredes
Resta um lençol limpo
espumas onde renascer
depois de me dissolver ao sol
de quebrar-me nos diques
Os mesmos territórios do gozo
as mesmas ilhas —e os cabos
descem as mesmas abordagens
em funduras nunca resolvidas
Imenso mar limitado pelas bordas
querendo outros continentes
outras tenências —quebrar diques
Poderá ser aventura selvagem
de enfrentar o inóspito
As simples imagens congeladas
sem sol hospício ou cavalgadura
Antes e depois dos diques
estão os mundos perdidos
 

 
 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

Início desta página

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Salomão Souza



Grito maior não há...


Grito maior não há
—vai depois de um zênite
Dá a volta ao mundo em oitenta ecos
em um debrum de portais
Em Aldebarã não agüenta mais
O primeiro olho vê
e o segundo pensa
Vejo meu tanto de sol
e outros ainda dirão que é grito
Armo as minhas armadilhas
e ainda dirão que nunca houve o grito
Acendo o fogo em minhas carnes
e dirão que é podre a lenha do grito
A palavra está em tudo
Um não vê nenhum debrum de portais
Por não vê-lo tropeça no baldrame do grito

Ordenhamos um debrum de tetas
Em cada úbere o mais puro leite
Em cada palavra o mais denso corpo
Todos sentados no baldrame
à espera de quem ame e de quem grite
Em Aldebarã é tensa a espera
 

 
 

 

 

Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

Início desta página

Jamesson Buarque

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

 

Salomão Souza



Ame com as forças e os frouxames...


Ame com as forças e os frouxames
derramado corpo entre as águas
bóiá-lo molhado entre velames
Ame com as águas e os vexames
nenhum vulto de pedra aos pássaros
encorpá-la a freguesia de chamas
Ame com os pássaros e os enxames
enxotá-los os melros do torpor
afundar nos porões do prazer
corpo úmido abri-los os tapumes
Ame de braçadas entre melames
decantado ópio da podridão
corpo lavado levantar novas façanhas
Para atravessar atravessá-los os baldrames

 

 
 

 

 

Leonardo da Vinci, Embrião

Início desta página

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Salomão Souza



Imagem dentro da ampulheta...


Imagem dentro da ampulheta
Traz um decote de espuma
e por dote um debrum de tetas
Uma imagem que se vê
após a festa dos bêbados
Traz-se nua e estão caídos
todos espelhos depois de comê-la
Conta as vezes em que se apagou
Era uma vez um sol
e iluminava todos os vôos
Outra vez foi de ouro
a proteção de um desastre
Era a vez de chegar um barco
e esfumou-se o velame da aurora

Conta as vezes do prazer
e o sexo está cheio de areia
e se for levá-lo ao penhor
as trinta moedas estarão podres


 

 
 

 

 

Ticiano, Flora

Início desta página

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Salomão Souza



No espelho o nó...


No espelho o nó
a estação sem vitrines
e no lugar do seio
sem nódulos
veio uma verruma
Este espelho está
de olho velho
Perde um talho
na partição do acaso
Perde um artelho
na caminhada lerda
Perde a erva
após o ânimo
do último animal
E se fosse uma casa
iria perder as telhas
E se fosse uma árvore
perderia o verde
Tenta lançar
um tentáculo
Está lá o galho de arruda
Tenta
e nem o vento a favor
ajuda
Está de olho velho
está sem tentáculos
este espelho
Desaparece entre
os atalhos das aparências
a tentação da última prece
e o eco da última vítima
 

 
 

 

 

Da Vinci, Homem vitruviano

Início desta página

Astrid Cabral

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

 

 

 

 

 

Salomão Souza



ZBM


Não durmo sobre ferro
meu coração não é de ferro
meu sonho não corre
sobre um trilho de ferro
Meu coração descansa sobre
os coágulos das primeiras mulheres
Durmo sobre um manto de esperma
Não é um retrato na parede
A cidade entra pela janela
no sol quente da tarde entre
os verdes veios das árvores
As goiabas abrem os óvulos
fertilizados das sementes
O trem que circunda a cidade
poderia levar um vagão de esperma

As mulheres trouxeram seu fogo
para as trempes e para os catres
Na massa de uma nova Babilônia
não entra só a madeira e a areia
As mulheres vieram perfumadas
Esta foi a zona das grandes damas
que ditavam a simonia do amor
e a simonia da morte

Não era de enxofre ou de amônia
As mulheres deixaram o cheiro
de seus seios e de seus sexos
A minha casa se funda
sobre uma fossa de esperma úmido
Aqui se lavavam as mulheres
que amaram os construtores
de uma nova Babilônia
 

 
 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

Início desta página

Adelaide Lessa

 

 

17/06/2005