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Francisco Miguel de Moura


 

Quadra anatômica


Sobre linda, minha tia
era mesmo uma tiazinha!
Duas amêndoas nos olhos,
os seios – amendoazinhas.


Idade? Dez a catorze,
não me lembro e nem precisa,
a mesma do seu sobrinho.
Só recordo que ela tinha
um rosto branco e vermelho
e uma curta blusinha.


Brincávamos no arvoredo,
vezes descendo e subindo,
ela na frente, eu atrás,
estava sempre sorrindo.
Boa tia, infância minha!


Mas um dia ela morreu,
não devia ter morrido.
Antes velha encarquilhada
que este peso em meu sentido.


Infância e tia – perdidos
que eu só devia enterrar
na marca do seu umbigo,
na ternura dos seus seios...
– Nas pregas do seu vestido.


Do tempo não me esquecer!
Assim, fiz minha cantiga
cantada na moda antiga
pra meu sonho não morrer.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Francisco Miguel de Moura


 

Da vida e da morte


Há quem busque esta vida noutra vida,
e são felizes recriação da morte.
E quem encontra a vida na antemorte,
e são felizes plenamente em vida.


Por que preocupar-se com a tal morte,
se ela vem no seu tempo toda a vida,
ou depois. E se o ente está sem vida,
o esgana e faz dele mais que a morte?


Há quem, afadigado pela vida,
transforme a vida-vida em vida-morte
e passe uma existência sem ter vida.


E os que vivem a dissecar a morte
pra saber se depois da vida há vida,
ou se depois da morte tudo é morte.
 

 

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

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Aleilton Fonseca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Francisco Miguel de Moura


 

A partida


Na partida os adeuses, gume e corte
dos prazeres do amor, quanto tormento!
Cada qual que demonstre quanto é forte,
lábios secos mordendo o sentimento.


Do ser brotam soluços a toda hora,
as faces no calor do perdimento,
olhos no chão, no ar, por dentro e fora,
pedem aos céus a força e o alimento.


Ninguém vai, ninguém fica: se reparte
no transporte que liga e que desliga,
confusão de saber quem fica ou parte.


Não se explica tamanha intensidade
amarga e doce, e errante, que interliga
os corações perdidos na saudade.
 

 

 

Leonardo da Vinci,  Study of hands

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Cussy de Almeida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

 

 

 

 

 

Francisco Miguel de Moura


 

O segredo


Foi ontem mesmo a cena que componho,
me está presente, e ainda sou feliz.
Aconteceu-me a mim como aprendiz
do amor, aquele que me quero e imponho.


Posso contá-la? Nem de pé me ponho!
Tinha um jovem feitiço e o olhar contente,
uma fenda entre os dois dentes da frente
e o seio farto entremostrando o sonho...


Logo tomou-me as mãos, deu-me um sorriso.
Lembrando, então, de antiga namorada,
beijei-lhe o rosto, sem perder o juízo.


E ela abraçou-me acarinhando a tez...
Hoje relembro a cena apaixonada
como se houvesse uma segunda vez.
 

 

 

Ticiano, Magdalena

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Francisco Carvalho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

Francisco Miguel de Moura


 

Poema


sem vírgula palavra som
alma e silêncio
só ponto final
perfeição
perversão


perfeito não houve
haverá


desfeito refeito impossível
ele redivive
pela de/mão


asas se partem ver/so reverso
letras traços pontos nada
ícaro sem ar
cinzas
ai
coração.
 

 

 

Bernini_The_Rape_of_Proserpina_detail

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Junot Silveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

 

 

 

 

Francisco Miguel de Moura


 

Anjo bom/anjo mau


Tudo o que te veste
me devasta.
E assim me anima.
O branco sobre preto
o róseo, o verde, o encarnado.


A pele de tão fina, afina
e anseia desvestir-se
meio a meio,
- o vento já se inclina.


Anjo, meu, ao contrário
que subiu do inferno
para trazer-me o céu
pecado...
No teu passeio lindo
sobre a terra
de ponte pênsil
duro de medo
eu paro.
 

 

 

Culpa

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Francisco Brennand

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rebecca at the Well

 

 

 

 

 

Francisco Miguel de Moura


 

Séticas


Entre cinco paredes e sete espetáculos
me vi ao teu espelho cravado
de setas e cintas
ao meio de nada:
- nós!


É que de longe te vejo melhor
e calculo
o diferente ontem.


Vaidade? Liberdade?
Poster idade...


Amanhã, no além ou no aquém,
nos encontraremos?
Ou tudo são flechas perdidas
nos encontros
postergados?
 

 

 

Um esboço de Da Vinci

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Helena Armond