Marco Antonio Cardoso
Papai matou mamãe
Minha infância foi ofendida
Por um crime que me marcou.
Minha mãe foi assassinada
Pelo homem que mais a amou.
Não pude entender ao certo
Por que tudo aconteceu,
Mas chorei tanto ao saber
Que minha mamãe morreu.
Vi o meu pai agarrado
Ao seu pescoço, furioso.
Gritei para que a soltasse,
Enfrentei seu olhar raivoso.
Ele por fim a soltou,
Deixou-a cair sobre a cama.
Sua boca espumava, e os olhos,
Seus lindos olhos, saltavam.
Chorei, como eu chorei,
E não queria deixa-la.
Papai foi preso na hora,
Depois vieram leva-la.
Vovó então cuidou de mim,
Mas em seu rosto eu via
Que algo era mal-resolvido,
Para sempre ela me odiaria.
Dizia que a cada dia,
Com meu pai, que estava preso,
Mais e mais eu me parecia.
O tempo passava arrastado,
E minha dor anestesiava.
O frio lar que me abrigava,
Trazia-me acorrentado.
Aquele homem que me privara
Da família, da minha mãe,
Eu não conseguia odiar.
E a culpa que sobre ele pendia,
Para mim era transferida
Por quem decidiu me criar.
Alguma coisa em mim mudava,
Agora já adolescente,
À minha avó eu dedicava
Uma antipatia crescente.
Queria visitar meu pai,
Perguntar-lhe apenas: - Porque?
Mas minha avó impedia.
-É um monstro, que mais quer saber?
Um dia, porém a notícia
Que a deixou mais contente:
Morreu meu pai na cadeia,
Foi dado como indigente.
Sempre estivera só,
E assim permaneci.
Quando a doença a levou,
Deus, como agradeci.
Mas o tempo que levou,
Minhas dores e esperanças,
Tristezas e alegrias,
Do tempo que não fui criança,
Trazia ao meu vazio,
Toneladas de incertezas.
Meu ser era acometido
Por toda sorte de torpezas.
Cheguei ao fundo do poço,
Somente as sombras eu via:
Mamãe ali, estrangulada.
Papai na cela vazia.
E a avó que eu amara,
Mas que odiava me ver,
Por achar-me parecido
Com o homem que a fez sofrer.
Meus fantasmas não me deixam
Um minuto de sossego e paz,
Nem se conseguiria
Lograr tal sorte, jamais.
Até que enfim decidi
Um fim a tudo isto dar,
Nada mais vou conseguir
Pois resolvi me matar.
Numa definitiva noite,
Com uma arma engatilhada,
Segura em minha mão trêmula,
Enquanto olhava para o nada,
Vislumbrei sombras distantes.
A cadeira de balanço,
Da minha velha avó,
Novamente balouçava,
Mas não estava só.
Sua sombra, feições sofridas,
Me olhava com pesar,
Enquanto sua voz eu ouvia,
Misturada no pranto, falar:
- Perdão.
Meu coração atingido,
Por um petardo mais duro
Que uma bala de chumbo,
Tombei ali no escuro.
Lágrimas me socorreram,
Quando me aproximei,
Da sombra que me chamava,
Em seu regaço, deitei.
Uma lembrança antiga,
Uma velha dor de criança,
Minha vovó tão querida,
No teu colo me balança.
Senti que a perdoava,
E me perdoava também,
Mesmo sem dizer palavra,
Deixei-a partir em paz.
Olhei a arma outra vez,
E os pensamentos malditos,
De covardia e de medo
Que atormentam meu espírito,
Vieram tentar-me de novo.
Foi quando outra sombra
Se fez presente comigo,
Uma cela de cadeia
Guardava meu primeiro amigo.
Tanto amargor eu senti
Por ver meu pai suplicando
Meu perdão, meu amor,
De meu coração sangrando.
Detive-me no ódio outra vez,
Naquela sala vazia e escura.
Mas não pude ignorar
As lembranças da ancestral ternura.
Como pode aquele homem,
Que um dia fora um herói,
Destruir minha vida inteira,
De minha mãe sendo o algoz?
Mas eu já não era o mesmo,
Talvez, por desejar morrer,
Olhei seus olhos sem medo,
Escutei o que tinha a dizer:
- Perdão.
Não podia acreditar,
Como seria possível
Agora eu perdoar
Aquele crime terrível.
Mas o sorrateiro amor,
Acha brechas e se instala
Nos peitos mais doloridos
E ao orgulho ele fala.
Diz que de nada adianta
A persistência no ódio,
Pois só o amor alavanca
O vencedor para pódio.
E aos poucos foi amolecendo,
Deixando o amor falar,
Até perdoar o meu pai,
Mesmo sem querer lhe falar.
Vi um sorriso tristonho desenhar-se,
Em seu rosto envelhecido,
Como deveria ser quando morreu,
Triste, só e esquecido.
Mais uma sombra se vai,
Desaparece a lembrança,
E agora minha arma cai
Das mãos de uma criança.
Um disparo, um som seco,
Um clarão que logo finda,
Que não vejo vir por trás
Mais uma sombra perdida.
Uma mão carinhosa me toca,
E uma voz doce me consola,
Minha mamãe está de volta,
Com ternura ela me olha.
Em sua mão ela segura
Minha pequenina mão,
E me leva cuidadosa,
Para viver em seu coração.
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